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LUíS NASSIF
Maluf e o caso do lixo
A apuração do escândalo das regionais da Prefeitura de São Paulo e as primeiras revelações sobre
o esquema montado em cima dos
serviços de lixo é um feito extraordinário do Ministério Público
paulista. Mais importante que a
prisão de suspeitos é a definição
de regras que impeçam a repetição dos ilícitos, assim que a Justiça e a mídia desviarem o foco para outro caso.
A grande armação do lixo foi
feita em 1993. Na época, revelei os
detalhes em duas colunas -de 16
de dezembro de 1993, sob o título
"Uma licitação malcheirosa", e de
23 de dezembro, sob o título "Se
não mudar, o lixo fede". Decorreu
de uma ação combinada entre a
prefeitura e o Tribunal de Contas
do Município, que permitiu atropelar leis em vigor -como a lei
8.666, das licitações- sem que
nenhuma ação efetiva fosse adotada pela Justiça e Ministério Público da época. E sem que merecesse uma cobertura sistemática
da mídia, posto que Paulo Maluf
ainda não voltara a ser a bola da
vez.
A licitação do lixo de São Paulo
foi a primeira a ser feita sob a égide da Lei das Licitações. Em geral,
as manipulações de edital ocorriam na fixação do preço mínimo,
bem acima do razoável, e de normas técnicas subjetivas, que permitiam a classificação da empresa previamente escolhida.
Pouco antes da licitação de Maluf, a então prefeita Luiza Erundina fez uma licitação do lixo.
Uma empresa de Sorocaba -a
Splice- resolveu apostar nos novos tempos, rompeu com o cartel
das empreiteiras, apresentou preços bem abaixo das demais e conquistou o serviço em algumas regiões da cidade. A licitação foi
embargada pelo conselheiro Paulo Planet Buarque, do TCM, em
voto polêmico e pouco claro. No
curto espaço de tempo em que
prestou serviços para a prefeitura,
a Splice recebeu CR$ 15,11 (preços
de outubro de 1993) por quilômetro rodado.
Nova licitação
Com a licitação de Erundina
embargada, eleito, o prefeito Paulo Maluf planejou nova licitação.
Ai começa a marola. A lei 8.666
proibia a fixação de preços mínimos. O edital fixou-o em CR$
27,99 -quase o dobro do que a
Splice recebia, e lhe permitia trabalhar com lucro.
Depois, fixou uma relação enorme de exigências descabidas a título de norma técnica, entre as
quais a de as concorrentes apresentarem um mapa de São Paulo
com as 110 mil ruas, definindo
mão e contramão (trabalho que a
prefeitura não disponibilizava).
A Splice atendeu as exigências e
apresentou um preço mínimo inferior ao fixado no edital. Foi desclassificada. A alegação era que
seu preço mínimo só seria possível
se não pagasse encargos trabalhistas. A empresa pode rebater
com tranquilidade essas acusações porque tinha trabalhado na
área, no curto período Erundina,
e portanto podia comprovar concretamente que o preço era factível.
Alertei na época: "A decisão de
uma das concorrentes -a Splice-de enfrentar o que ela chama
de cartel do lixo, solicitando uma
liminar (concedida) contra a licitação, deixa em situação delicada
a Prefeitura de São Paulo. Primeiro, porque os argumentos da Splice são bastante consistentes. Depois, porque, entre os concorrentes supostamente beneficiados pelas regras do jogo, constam alguns
dos financiadores do esquema
Pau Brasil".
O caso rolou na Justiça esses
anos todos. Agora o escândalo
vem a público, sendo quase impossível avaliar o que a cidade
perdeu, em enchentes provocadas
por varrição insuficiente e em dinheiro de imposto pago por serviços que não foram feitos.
Repito o que escrevi na primeira
coluna sobre o tema: "Seria melhor, para a transparência do processo -e para não comprometer
definitivamente os esforços de
mudar sua própria imagem-,
que o prefeito Paulo Maluf revisse
os termos do edital. E que, na qualidade de defensores da lei, os Ministérios Públicos federal e estadual entrassem no assunto, para
assegurar que a nova lei das licitações -a 8.666- será cumprida".
Passados esses anos todos, pergunto: há razão para existir um
Tribunal de Contas do Município?
E-mail: lnassif@uol.com.br
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