São Paulo, Quinta-feira, 25 de Março de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUíS NASSIF

Maluf e o caso do lixo


A apuração do escândalo das regionais da Prefeitura de São Paulo e as primeiras revelações sobre o esquema montado em cima dos serviços de lixo é um feito extraordinário do Ministério Público paulista. Mais importante que a prisão de suspeitos é a definição de regras que impeçam a repetição dos ilícitos, assim que a Justiça e a mídia desviarem o foco para outro caso.
A grande armação do lixo foi feita em 1993. Na época, revelei os detalhes em duas colunas -de 16 de dezembro de 1993, sob o título "Uma licitação malcheirosa", e de 23 de dezembro, sob o título "Se não mudar, o lixo fede". Decorreu de uma ação combinada entre a prefeitura e o Tribunal de Contas do Município, que permitiu atropelar leis em vigor -como a lei 8.666, das licitações- sem que nenhuma ação efetiva fosse adotada pela Justiça e Ministério Público da época. E sem que merecesse uma cobertura sistemática da mídia, posto que Paulo Maluf ainda não voltara a ser a bola da vez.
A licitação do lixo de São Paulo foi a primeira a ser feita sob a égide da Lei das Licitações. Em geral, as manipulações de edital ocorriam na fixação do preço mínimo, bem acima do razoável, e de normas técnicas subjetivas, que permitiam a classificação da empresa previamente escolhida.
Pouco antes da licitação de Maluf, a então prefeita Luiza Erundina fez uma licitação do lixo. Uma empresa de Sorocaba -a Splice- resolveu apostar nos novos tempos, rompeu com o cartel das empreiteiras, apresentou preços bem abaixo das demais e conquistou o serviço em algumas regiões da cidade. A licitação foi embargada pelo conselheiro Paulo Planet Buarque, do TCM, em voto polêmico e pouco claro. No curto espaço de tempo em que prestou serviços para a prefeitura, a Splice recebeu CR$ 15,11 (preços de outubro de 1993) por quilômetro rodado.

Nova licitação
Com a licitação de Erundina embargada, eleito, o prefeito Paulo Maluf planejou nova licitação. Ai começa a marola. A lei 8.666 proibia a fixação de preços mínimos. O edital fixou-o em CR$ 27,99 -quase o dobro do que a Splice recebia, e lhe permitia trabalhar com lucro.
Depois, fixou uma relação enorme de exigências descabidas a título de norma técnica, entre as quais a de as concorrentes apresentarem um mapa de São Paulo com as 110 mil ruas, definindo mão e contramão (trabalho que a prefeitura não disponibilizava).
A Splice atendeu as exigências e apresentou um preço mínimo inferior ao fixado no edital. Foi desclassificada. A alegação era que seu preço mínimo só seria possível se não pagasse encargos trabalhistas. A empresa pode rebater com tranquilidade essas acusações porque tinha trabalhado na área, no curto período Erundina, e portanto podia comprovar concretamente que o preço era factível.
Alertei na época: "A decisão de uma das concorrentes -a Splice-de enfrentar o que ela chama de cartel do lixo, solicitando uma liminar (concedida) contra a licitação, deixa em situação delicada a Prefeitura de São Paulo. Primeiro, porque os argumentos da Splice são bastante consistentes. Depois, porque, entre os concorrentes supostamente beneficiados pelas regras do jogo, constam alguns dos financiadores do esquema Pau Brasil".
O caso rolou na Justiça esses anos todos. Agora o escândalo vem a público, sendo quase impossível avaliar o que a cidade perdeu, em enchentes provocadas por varrição insuficiente e em dinheiro de imposto pago por serviços que não foram feitos.
Repito o que escrevi na primeira coluna sobre o tema: "Seria melhor, para a transparência do processo -e para não comprometer definitivamente os esforços de mudar sua própria imagem-, que o prefeito Paulo Maluf revisse os termos do edital. E que, na qualidade de defensores da lei, os Ministérios Públicos federal e estadual entrassem no assunto, para assegurar que a nova lei das licitações -a 8.666- será cumprida".
Passados esses anos todos, pergunto: há razão para existir um Tribunal de Contas do Município?

E-mail: lnassif@uol.com.br


Texto Anterior: Perguntas e respostas
Próximo Texto: Socorro de US$ 8,6 bilhões chega na semana que vem
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.