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São Paulo, domingo, 25 de maio de 2003

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"FASE DOIS"

Segundo ministro, "em vez de o banqueiro ter um lucro de dez, vai ter de oito"; trabalhador ganharia a diferença

Nova estratégia só virá após queda dos juros, diz Mantega

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A "fase dois" da política econômica do governo ainda não tem data para começar, mas depende da queda dos juros, diz o ministro Guido Mantega (Planejamento), encarregado de coordenar a redação do documento "Orientação estratégica de governo".
"A "fase dois" pode começar a qualquer momento, quando a inflação estiver debelada e o Copom chegar à conclusão de que é possível baixar os juros", disse o ministro na manhã seguinte à reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central que manteve a taxa básica em 26,5% ao ano. (MARTA SALOMON)

Folha - Quando essa orientação estratégica sairá do papel?
Guido Mantega -
O modelo de certa forma já está sendo posto em prática e a política industrial talvez seja a parte mais complexa. Mas, por esse documento, fica claro que uma das prioridades é diminuir a vulnerabilidade externa, o que significa que a política industrial vai ter de estimular o setor exportador e a substituição de importação. Além de medidas gerais, vamos priorizar alguns setores. Se a prioridade é aumentar o saldo comercial, os setores que respondem a essa prioridade serão estimulados com incentivos fiscais, com créditos favorecidos pelos bancos públicos. O BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] já está cuidando disso.
Sem atacar a vulnerabilidade externa, pode até haver crescimento, mas será ilusório. Dá uma acalmada no mercado internacional, sobra crédito, aí vem dinheiro para o Brasil. Mas aí há uma turbulência lá fora, escasseia o dinheiro e vamos para o chão de novo. Corremos o risco de acreditar que o problema está superado, mas, se bobear, volta tudo de novo. O Estado tem de atuar. E outra prioridade é a infra-estrutura, um grande gargalo para qualquer crescimento mais ambicioso.

Folha - Mas como se faz isso com uma meta de superávit primário de 4,25%, que neste ano bloqueou 72% dos investimentos neste ano?
Mantega -
Atraindo capital privado também. Significa que temos inicialmente poucos recursos, mas vamos direcionar.

Folha - O que faz o governo apostar, neste momento, num consumo de massa para basear um projeto de desenvolvimento?
Mantega -
Olha, o consumo de massa é a realização de um crescimento sustentado de outra natureza daquele que foi implantado no Brasil no passado. Já tivemos aqui períodos de grande crescimento econômico, porém era com concentração de renda.

Folha - Como vai haver aumento do consumo dos mais pobres se o quadro atual mostra uma queda no rendimento? Se há dificuldade para gerar emprego para quem não tem qualificação e se falta dinheiro para ampliar os programas de transferência de renda?
Mantega -
O período de curto prazo é um período de restrição. Esse projeto de consumo de massa é o objetivo que se quer alcançar, não é uma meta de curto prazo. O ponto de partida tem os constrangimentos que você mencionou. A questão é como sair desses constrangimentos e é claro que, se não tiver uma mudança da política monetária, que se dará no tempo certo, portanto a queda da taxa de juros, a retomada do investimento e uma aceleração do PIB não acontecerão.

Folha - Sem a queda dos juros, nada feito? A fase dois é para depois?
Mantega -
Temos o detonador do processo, que é esse: a redução nas taxas de juros, que permite a retomada do investimento, que dá aumento do PIB e aumento do emprego, que leva ao aumento de renda. Mas já estou dando de barato que isso vai ser reduzido. Fizemos uma previsão na LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias] de juro real de 8,5% em 2004. A fase dois pode começar a qualquer momento, quando a inflação estiver debelada e o Copom concluir que é possível baixar os juros.

Folha - Como o governo fará para expandir o consumo dos mais pobres e segurar o dos mais ricos?
Mantega -
Não é que o governo vai querer diminuir o consumo de quem ganha mais. O que aconteceu no Brasil nesses anos todos é que os aumentos de produtividade, que são a mola do capitalismo, são apropriados pelo setor dominante. Então cabe ao Estado utilizar instrumentos fiscais, tributários e sociais que permitam mudar essa lógica. Em vez de o banqueiro ter um lucro de dez, vai ter um lucro de oito e esses dois vão passar para os trabalhadores. Isso se dá por aumento espontâneo de salário, aumento do salário mínimo, o direcionamento dos recursos do governo para os segmentos de mais baixa renda. Então o Estado faz redistribuição de renda.

Folha - Será uma intervenção do Estado como nunca houve no país?
Mantega -
No passado, o Estado teve um papel de direcionamento bastante profundo, digamos. Não é exatamente isso o que faremos. Será uma política menos dirigista, intervencionista do que houve aqui no passado. O governo militar escolhia empresa por empresa, e a gente não quer escolher empresa, quer escolher setor.

Folha - Nem quando o governo decide que vai estimular o consumo de massa?
Mantega -
Nesse sentido, sim. É beneficiar toda a população da classe média para baixo. Nesse sentido, o Estado vai procurar dirigir mesmo. E vai procurar transferir renda dos setores mais ricos para os setores mais pobres. E vai estimular os setores que geram mais emprego, que são a pequena e média empresa.

Folha - O documento tem aprovação do governo inteiro ou de uma ala mais "desenvolvimentista"?
Mantega -
Esse documento é um documento de governo.

Folha - Ele concilia a corrente que defende um ataque mais contundente à vulnerabilidade externa e quem acha que o ajuste fiscal é o mais importante?
Mantega -
Esse é um falso dilema. Na verdade, existem dois problemas, gêmeos, que se geraram mutuamente. O governo anterior desequilibrou as contas externas, criou um déficit em transações correntes e aí tinha de atrair capital externo. Para isso criou uma política monetária maluca e produziu um grande déficit. O desequilíbrio das contas externas criou um desequilíbrio fiscal.

Folha - Qual dos dois documentos traduz a política econômica do governo Lula? O que foi divulgado pela Fazenda, com prioridade à geração de superávits primários ou esse último?
Mantega -
São documentos com objetivos diferentes. Aquele documento diz quais são as bases do desenvolvimento sustentável e não é um documento que tenha sido discutido por todo o governo. Esse aqui é o projeto.

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