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ARTIGO
Tiro no pé
MARCOS DE BARROS LISBOA
ESPECIAL PARA A FOLHA
NOS ÚLTIMOS dois
anos, para surpresa e
crítica de muitos analistas, a equipe econômica tem
anunciado seguidamente propostas que aparentemente conflitam com os fundamentos da
política em vigor. Não poucas
vezes, a proposta se revela ausente de solidez técnica. No entanto, a seqüência de propostas
não tem por objetivo, necessariamente, produzir efeitos econômicos.
Desde 2003, há um inevitável
desconforto em setores da esquerda com uma política econômica oposta às suas tradicionais palavras de ordem. A ausência de uma alternativa consistente e os resultados da política em vigor têm levado parcela da sociedade, e mesmo alguns economistas de esquerda,
a defender posições que até recentemente eram identificadas
como a essência do neoliberalismo, como, por exemplo,
maior superávit primário.
No debate público, os símbolos são tão importantes quanto
os fatos. Parte do governo procura enfrentar o desconforto
com propostas que permitam
argumentar a sobrevivência de
algum resquício do velho discurso. Por isso, a relevância de
anúncios que ao menos sugiram a aparência de uma prática
distinta. Trata-se da tentativa
de criar a impressão de algum
aspecto à esquerda em uma política essencialmente tradicional, mesmo que seu impacto seja apenas retórico.
Entretanto, a política econômica da entrevista coletiva, caso utilizada exageradamente,
não afeta apenas a militância.
Os anúncios ansiosos de que algo será feito (ainda que nada
muito relevante, até agora, tenha ocorrido) aumentam a volatilidade dos preços dos ativos
e reduzem a segurança para os
investimentos de longo prazo.
A ansiedade com o aumento
da taxa de juros, por exemplo,
gerou diversas propostas que se
contrapunham à política monetária, mas que terminaram
tendo um efeito perverso: ao
contrário do pretendido, o resultado foi a piora tanto da curva de juros como das expectativas, ampliando as conseqüências negativas do ajuste monetário.
O debate sobre metas de inflação em meados do ano passado, as seguidas medidas sobre o crédito, os ajustes tributários que distorcem preços relativos e a série de debates sobre
propostas pouco fundamentadas apenas fragilizam, desnecessariamente, as perspectivas
econômicas para o próximo
ano. Os aumentos do IOF, por
exemplo, tiveram como efeito
colateral encarecer o financiamento para as empresas, indo
na direção contrária à ampliação da capacidade de crescimento sustentável. Pior, essa
seqüência de propostas veio
precisamente em um momento
difícil da economia internacional, que encareceu o crédito e
reduziu o acesso à liquidez.
Os adequados fundamentos
econômicos, depois de vários
anos de uma política consistente, e a firmeza do presidente
nos momentos mais críticos
têm garantido o bom desempenho da produção e do emprego.
Entretanto, o ajuste macroeconômico neste momento um
pouco mais difícil poderia ser
bem menos custoso não fossem
os ruídos desnecessários que
têm sido gerados seguidamente. Na condução da política econômica, muitas vezes, silêncio
e serenidade auxiliam mais do
que ativismo e declarações sucessivas. Sobretudo quando
não se tem nada a dizer.
MARCOS LISBOA , 43, doutor em economia pela
Universidade da Pensilvânia (EUA), é diretor-executivo no Unibanco. Foi secretário de Política
Econômica do Ministério da Fazenda de 2003 a
2005 e diretor-presidente do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) de 2005 a 2006.
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