São Paulo, domingo, 25 de maio de 2008

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ARTIGO

Tiro no pé

MARCOS DE BARROS LISBOA
ESPECIAL PARA A FOLHA

NOS ÚLTIMOS dois anos, para surpresa e crítica de muitos analistas, a equipe econômica tem anunciado seguidamente propostas que aparentemente conflitam com os fundamentos da política em vigor. Não poucas vezes, a proposta se revela ausente de solidez técnica. No entanto, a seqüência de propostas não tem por objetivo, necessariamente, produzir efeitos econômicos. Desde 2003, há um inevitável desconforto em setores da esquerda com uma política econômica oposta às suas tradicionais palavras de ordem. A ausência de uma alternativa consistente e os resultados da política em vigor têm levado parcela da sociedade, e mesmo alguns economistas de esquerda, a defender posições que até recentemente eram identificadas como a essência do neoliberalismo, como, por exemplo, maior superávit primário.
No debate público, os símbolos são tão importantes quanto os fatos. Parte do governo procura enfrentar o desconforto com propostas que permitam argumentar a sobrevivência de algum resquício do velho discurso. Por isso, a relevância de anúncios que ao menos sugiram a aparência de uma prática distinta. Trata-se da tentativa de criar a impressão de algum aspecto à esquerda em uma política essencialmente tradicional, mesmo que seu impacto seja apenas retórico.
Entretanto, a política econômica da entrevista coletiva, caso utilizada exageradamente, não afeta apenas a militância. Os anúncios ansiosos de que algo será feito (ainda que nada muito relevante, até agora, tenha ocorrido) aumentam a volatilidade dos preços dos ativos e reduzem a segurança para os investimentos de longo prazo.
A ansiedade com o aumento da taxa de juros, por exemplo, gerou diversas propostas que se contrapunham à política monetária, mas que terminaram tendo um efeito perverso: ao contrário do pretendido, o resultado foi a piora tanto da curva de juros como das expectativas, ampliando as conseqüências negativas do ajuste monetário.
O debate sobre metas de inflação em meados do ano passado, as seguidas medidas sobre o crédito, os ajustes tributários que distorcem preços relativos e a série de debates sobre propostas pouco fundamentadas apenas fragilizam, desnecessariamente, as perspectivas econômicas para o próximo ano. Os aumentos do IOF, por exemplo, tiveram como efeito colateral encarecer o financiamento para as empresas, indo na direção contrária à ampliação da capacidade de crescimento sustentável. Pior, essa seqüência de propostas veio precisamente em um momento difícil da economia internacional, que encareceu o crédito e reduziu o acesso à liquidez.
Os adequados fundamentos econômicos, depois de vários anos de uma política consistente, e a firmeza do presidente nos momentos mais críticos têm garantido o bom desempenho da produção e do emprego.
Entretanto, o ajuste macroeconômico neste momento um pouco mais difícil poderia ser bem menos custoso não fossem os ruídos desnecessários que têm sido gerados seguidamente. Na condução da política econômica, muitas vezes, silêncio e serenidade auxiliam mais do que ativismo e declarações sucessivas. Sobretudo quando não se tem nada a dizer.


MARCOS LISBOA , 43, doutor em economia pela Universidade da Pensilvânia (EUA), é diretor-executivo no Unibanco. Foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda de 2003 a 2005 e diretor-presidente do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) de 2005 a 2006.


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