São Paulo, segunda-feira, 25 de maio de 2009

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Banco vende crédito até de porta em porta

Na periferia, vendedores agenciados por financeiras "caçam" servidores e aposentados para oferecer empréstimo e cartão consignados

"Homem-porta" e "pastinha" são estratégias para captar clientes no mercado de consignado, que cresceu 15% no mês passado

Rafael Andrade/Folha Imagem
Paulo Curvelo, terceirizado de um banco, que controla em casa endividamento de 1.200 aposentados de sua carteira de clientes


ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO

Da sala de sua casa em construção, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, Paulo Curvelo, 44, acessa o sistema de computador do banco BMG e controla o endividamento de 1.200 aposentados do INSS que constituem sua carteira de clientes de empréstimos para desconto direto em folha.
Ele é um ponta de lança da instituição financeira para capturar clientes. Segundo informação dos bancos, a indústria do crédito consignado cresceu 15% no mês passado e foi turbinada pela medida do governo que aumentou a margem de comprometimento de renda do aposentado do INSS para pagamento de empréstimos, de 20% para 30%. O último dado disponível do Ministério da Previdência Social é o de que 9,39 milhões de aposentados e pensionistas tinham empréstimo consignado em novembro de 2008 e que as operações ativas somavam R$ 14,9 bilhões. O dado indica um crescimento em abril acima de R$ 2 bilhões.
O aumento da margem autorizado pelo governo aqueceu o mercado de trabalho dos vendedores autônomos que atuam para os bancos nas áreas de baixa renda. É uma atividade informal e não regulamentada. Os bancos calculam que 50 mil pessoas estejam envolvidas na atividade em todo o país. Em geral, eles trabalham para mais de uma instituição.
Há os ""pastinhas", que percorrem escolas, hospitais e delegacias para oferecer contratos de empréstimo a funcionários públicos que não dispõem de tempo para ir ao banco.
Há os vendedores de rua e os chamados HP -homem-porta-, cuja tarefa é convencer passantes a entrar na loja representante do banco, e há os agentes que trabalham em casa, diante do computador.
Os vendedores não têm vínculo empregatício, recebem comissão sobre o valor dos empréstimos aprovados e se reportam a corretoras e financeiras, intermediárias dos bancos. Paulo Curvelo reporta-se à corretora RCS Financeira, de Nova Iguaçu, que tem mais 348 vendedores em igual situação.
Os ""pastinhas" surgiram porque os bancos de menor porte assumiram a dianteira do mercado de crédito consignado. Foi uma forma de terem capilaridade nacional. Um diretor de um grande banco relatou à Folha que já foi abordado por um ""pastinha" em um rio, na Amazônia. Ele estava em um barco, quando o vendedor encostou sua canoa e o abordou.

Cliente 465
Os grandes bancos informam que passaram a usar o mesmo expediente para não ficarem de fora do mercado de crédito consignado, mas defendem a formalização do trabalho dos ""pastinhas".
Na Baixada Fluminense, até bancas de revistas e ""lan houses" são usadas como pontos de captação de contratos de empréstimo consignado.
Os aposentados do INSS com rendimento de um salário mínimo são a principal clientela. São chamados, genericamente, de cliente 465, numa referência ao valor líquido da aposentadoria, de R$ 465 que recebem mensalmente da Previdência.
O crédito consignado não traz risco de inadimplência para os bancos, porque a dívida é deduzida do benefício, em até 60 parcelas mensais. Quanto maior o número de parcelas, maior a comissão recebida pelos vendedores. O percentual varia de 1% a 5%. O sistema objetiva manter o aposentado no limite do endividamento permitido. As instituições calculam o empréstimo a partir da margem passível de retenção.
Dentro do margem de 30% autorizada pelo governo, há a possibilidade de usar 10% para pagamento de faturas de cartão de crédito consignado, o que se tornou um outro flanco de disputa comercial entre os bancos.
As instituições calculam o valor do crédito (para empréstimo e para cartão) a partir da margem possível de retenção e do limite de parcelamento permitido. O aposentado de um salário mínimo pode comprometer até R$ 138 de sua aposentadoria. Se o empréstimo for pelo prazo de 60 meses, poderá contrair uma dívida de R$ 4.169, segundo cálculos feitos por agentes dos bancos Cruzeiro do Sul e BMG.
Na disputa pelos aposentados, os bancos chegam a recomprar dívidas que eles tenham contraído com outras instituições. O expediente é comum quando o aposentado já pagou metade ou mais de sua dívida. O banco paga o saldo devedor existente com a outra instituição concorrente e faz um novo contrato de empréstimo com o aposentado. O principal produto do crédito consignado, no momento, é o de refinanciamento de dívidas.


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