|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LUÍS NASSIF
A Varig e a herança brasiliana
Não se pensa na lógica
econômica de salvar a aérea,
só no clichê de que o governo
não deve ajudar empresas
|
CERTA VEZ , em um debate, um
notável palestrante criticava
nossas raízes lusitanas, quando um dos membros da platéia, executivo português, pediu a palavra:
"Gostaria de informar o ilustre palestrante que vós conquistastes a Independência em 1822. De lá para cá,
a responsabilidade é toda vossa".
Pois, pois, não há nada de mais
anacrônico do que a herança burocrática brasiliana, muitas vezes travestida de falsa modernidade. Um
dos clichês mais usados, nessa agonia da Varig, é que o governo não deve colocar dinheiro em empresa privada quebrada. Não se pensa na lógica econômica da operação, apenas
no clichê, na visão católica do devedor, de que empresas em dificuldades são como pecadores impenitentes, que não merecem ser salvos.
Após o 11 de Setembro, as quatro
maiores empresas aéreas americanas estiveram a pique de quebrar. A
decisão foi rápida e cirúrgica. O Tesouro deu avais de US$ 2 bilhões, rapidamente aprovados pelo Congresso. Executivo e Legislativo correram
o risco, porque estava em jogo o interesse nacional.
Na década de 80, impediu-se a
quebra da Chrysler, terceira fabricante de veículos dos EUA. O Tesouro aprovou aval de US$ 7 bilhões,
sem nenhuma contra-garantia. A
Chrysler foi salva e dois anos e meio
depois o aval ficou desnecessário.
Criar uma nova empresa área de
grande porte leva tempo e investimento. Se tiver linhas internacionais, haverá necessidade de acordos
com outros países, a montagem de
uma infra-estrutura cara e complexa -que a Varig já tem e que virará
fumaça com seu desaparecimento.
Além disso, vai se reduzir o mercado brasileiro a duas grandes companhias, com todos os malefícios advindos de uma estrutura oligopolizada. Há pouco tempo, em nome da
competição, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica)
atropelou a lógica econômica, impedindo TAM e Varig de operarem no
sistema de "code-sharing", um compartilhamento de custos com lógica
econômica. Agora, vão permitir
duas empresas controlando efetivamente o mercado.
Nos últimos anos, desde que teve
início a desregulamentação do mercado aéreo brasileiro, o país não dispôs de uma política para o setor. O
governo deveria estatizar temporariamente a Varig, com data para
reestruturar e vender. Nenhum governo americano ou europeu deixou
que fechasse sua principal companhia aérea. A Air France, a Alitalia,
todas estiveram à beira da falência e
foram recuperadas, porque sua recuperação estava dentro da lógica do
interesse nacional.
Por aqui, a solução do caso Varig
foi uma imensa perda de tempo, que
começou no governo FHC e terminou no governo Lula. Ninguém quer
colocar o guizo no pescoço do gato,
com medo de alguma autuação do
Tribunal de Contas, alguma ação do
Ministério Público.
Em vez de discutir a lógica econômica do não-fechamento, ficou-se
no clichê, nessa bobagem de que o
governo não pode injetar dinheiro
em uma empresa privada, como se
fosse atitude de país moderno queimar ativos valiosos, unicamente em
nome de uma posição ideológica
pretensamente moderna -mas tão
atrasada quanto a Inquisição.
Blog: www.luisnassif.com.br
Luisnassif@uol.com.br
Texto Anterior: Para lotéricas, sorteio é jogo camuflado Próximo Texto: Varig revê drama da Panair 41 anos depois Índice
|