São Paulo, domingo, 25 de junho de 2006

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LUÍS NASSIF

A Varig e a herança brasiliana


Não se pensa na lógica econômica de salvar a aérea, só no clichê de que o governo não deve ajudar empresas

CERTA VEZ , em um debate, um notável palestrante criticava nossas raízes lusitanas, quando um dos membros da platéia, executivo português, pediu a palavra: "Gostaria de informar o ilustre palestrante que vós conquistastes a Independência em 1822. De lá para cá, a responsabilidade é toda vossa".
Pois, pois, não há nada de mais anacrônico do que a herança burocrática brasiliana, muitas vezes travestida de falsa modernidade. Um dos clichês mais usados, nessa agonia da Varig, é que o governo não deve colocar dinheiro em empresa privada quebrada. Não se pensa na lógica econômica da operação, apenas no clichê, na visão católica do devedor, de que empresas em dificuldades são como pecadores impenitentes, que não merecem ser salvos.
Após o 11 de Setembro, as quatro maiores empresas aéreas americanas estiveram a pique de quebrar. A decisão foi rápida e cirúrgica. O Tesouro deu avais de US$ 2 bilhões, rapidamente aprovados pelo Congresso. Executivo e Legislativo correram o risco, porque estava em jogo o interesse nacional.
Na década de 80, impediu-se a quebra da Chrysler, terceira fabricante de veículos dos EUA. O Tesouro aprovou aval de US$ 7 bilhões, sem nenhuma contra-garantia. A Chrysler foi salva e dois anos e meio depois o aval ficou desnecessário.
Criar uma nova empresa área de grande porte leva tempo e investimento. Se tiver linhas internacionais, haverá necessidade de acordos com outros países, a montagem de uma infra-estrutura cara e complexa -que a Varig já tem e que virará fumaça com seu desaparecimento.
Além disso, vai se reduzir o mercado brasileiro a duas grandes companhias, com todos os malefícios advindos de uma estrutura oligopolizada. Há pouco tempo, em nome da competição, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) atropelou a lógica econômica, impedindo TAM e Varig de operarem no sistema de "code-sharing", um compartilhamento de custos com lógica econômica. Agora, vão permitir duas empresas controlando efetivamente o mercado.
Nos últimos anos, desde que teve início a desregulamentação do mercado aéreo brasileiro, o país não dispôs de uma política para o setor. O governo deveria estatizar temporariamente a Varig, com data para reestruturar e vender. Nenhum governo americano ou europeu deixou que fechasse sua principal companhia aérea. A Air France, a Alitalia, todas estiveram à beira da falência e foram recuperadas, porque sua recuperação estava dentro da lógica do interesse nacional.
Por aqui, a solução do caso Varig foi uma imensa perda de tempo, que começou no governo FHC e terminou no governo Lula. Ninguém quer colocar o guizo no pescoço do gato, com medo de alguma autuação do Tribunal de Contas, alguma ação do Ministério Público.
Em vez de discutir a lógica econômica do não-fechamento, ficou-se no clichê, nessa bobagem de que o governo não pode injetar dinheiro em uma empresa privada, como se fosse atitude de país moderno queimar ativos valiosos, unicamente em nome de uma posição ideológica pretensamente moderna -mas tão atrasada quanto a Inquisição.


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