São Paulo, quinta, 25 de junho de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Por que Clinton faz festas a FHC

ALOYSIO BIONDI

É preciso ser honesto, e reconhecer: as inverdades cor-de-rosa sobre a situação da economia brasileira não são um monopólio do presidente Fernando Henrique Cardoso e sua harvardiana equipe econômica. A todo momento surgem elogios e previsões otimistas de representantes do governo Clinton, banqueiros internacionais, diretores de bancos idem, altas autoridades do FMI e Banco Mundial, paus-mandados de Washington. A realidade: o déficit público "estoura", o "rombo" das contas com o exterior continua nas nuvens, a quebradeira de empresas avança, os dólares fogem, os investidores não querem comprar títulos do Tesouro brasileiro porque sabem que ele está quebrado. Caos, crise. Qual a reação dos ilustres paparicadores estrangeiros diante desse quadro caótico? Continuam, sem o menor pudor, a dizer que o governo FHC agiu com enorme competência no final do ano passado, ao adotar um "pacote" de medidas diante da crise financeira internacional.
Não falta, nem mesmo, quem -pasme-se- chegue a afirmar, babosamente, que "sem a ação do Brasil, a crise poderia ter atingido toda a América Latina"... Arghhh... Como explicar essa mentiralhada nauseante dos últimos anos, e principalmente dos últimos meses? A explicação é política. Interessa a Washington e seus capachos manter, na opinião pública brasileira, a ilusão de que o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso é altamente competente, que todos os problemas do país eram imprevisíveis, e foram fruto unicamente da crise financeira internacional ou de distorções, também incontornáveis, da chamada globalização.
Nada mais falso. Basta reler jornais dos últimos quatro anos para comprovar que o governo FHC encaminhou a economia brasileira para um desastre inevitável e que, nesse sentido, a "crise asiática" acabou sendo uma bênção para o Planalto, pois passou a servir de "bode expiatório" para todos os problemas preexistentes.
Como explicar, repita-se, o apoio internacional a FHC? Ele executou, ao longo do seu mandato, exatamente a política que os mandatários externos desejam. Agora, ainda falta a privatização das empresas de telecomunicações, e há eleições à vista. Não custa nada esperar, para ver qual será o discurso de Clinton, paus-mandados e banqueiros quando essas duas etapas estiverem superadas. Aí, pode-se apostar, virão as exigências de "aperto de cintos" e que tais...
Falsificação grosseira
O "pacote" de outubro não conseguiu reduzir nem o "rombo" do Tesouro, nem o "rombo" das contas externas. Foi um "tiro n'água", exatamente como críticos (esta coluna, entre eles) previam. Mas a fábrica de mentiras oficiais não cansa, nunca. Agora, tenta-se "provar" que a inadimplência avançou, as vendas caíram, a economia aprofundou a crise graças ao "pacote", isto é, foi tudo planejado para "esfriar a economia" e fazer frente "à crise internacional. Em resumo: a crise é outra prova do sucesso e competência do governo FHC, sim senhores... Tudo falso: Inadimplência - Em 1995, o número de cheques sem fundos era de algo como 2 por 1.000; em 1997 já havia dobrado, para 4 por 1.000; no ano passado, pulou para 8, depois 10, depois 11 por 1.000. Antes do "pacote". Inadimplência pelos motivos conhecidos: perda de poder aquisitivo, desemprego provocado pelas importações e política econômica etc.
Carnês - No passado, o número de carnês em atraso em São Paulo ficava na faixa dos 70 mil por mês; em 1996, pulou para 170 mil, na média; no ano passado, para mais de 200 mil, depois para 350 mil. Antes do pacote. Este ano? Ultrapassou a barreira dos 400 mil. Motivos?
Automóveis - No ano passado, a produção de veículos saiu da faixa dos 130 mil e bateu em 160 mil, 180 mil e até 200 mil (outubro de 97). Um crescimento enganoso -porque os estoques nas revendedoras também deram saltos, duplicando de tamanho. A indústria forçou a produção até que, a partir de novembro, foi forçada a reduzi-la violentamente- apesar das taxas de juros soberbamente baixas oferecidas ao consumidor e toda sorte de promoções. Retração antes do "pacote".
Comércio - O comércio varejista, as grandes redes de lojas, sobretudo de eletroeletrônicos, estão em situação dramática, com dívidas que representam 25% de seu patrimônio, ou quatro vezes os 6% de dois anos atrás. Atribui-se a calamidade -revelada em toda sua extensão por esta Folha na edição de segunda-feira, 22/06- "ao pacote". Qual a verdade? Desde o segundo semestre de 1996, as redes varejistas foram afetadas pela retração do consumidor -e passaram a forçar as vendas. Escancararam o crediário, com vendas em até 18, 24, 36 prestações -apesar da inadimplência já ser alta naquela época. Traduzindo: a economia brasileira já estava estrangulada desde o segundo semestre de 1996, e somente seguiu em frente graças à tática suicida do crediário à vontade, que permitiu manter as vendas mesmo quando a população já estava com seu poder aquisitivo arrasado. O "pacote" não brecou a economia: ela já estava arrasada. Ah, sim: é uma suprema tolice afirmar que o "pacote", ao duplicar os juros, agravou a inadimplência e quebradeira. O "pacote" dobrou apenas os juros cobrados pelo Banco Central no mercado financeiro. Os juros pagos pelo consumidor (e empresas) já estavam há muito tempo a níveis elevadíssimos, na faixa dos 8% a 10%, e subiram apenas 2 a 3 pontos percentuais depois do "pacote". Ao contrário do que Clinton e paus-mandados festejam, o "pacote" não mudou em nada a triste realidade brasileira. Não salvou o Brasil. Nem a América Latina.


Aloysio Biondi, 61, é jornalista econômico. Foi editor de Economia da Folha. É diretor-geral do grupo Visão. Escreve às quintas-feiras no caderno Dinheiro.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.