São Paulo, sexta-feira, 25 de julho de 2008

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Índia trava negociações comerciais na OMC

Discussões sobre abertura "começam a andar", mas país asiático se mostra inflexível em relação a mecanismo de salvaguarda

Impasse pode colocar Brasil e Índia em choque; Amorim diz que hoje é um dia crucial para saber se acordo na Rodada Doha é possível

MARCELO NINIO
DE GENEBRA

A intransigência da Índia deixou por um fio as negociações da Rodada Doha da OMC (Organização Mundial do Comércio). Após quatro dias de intensas negociações, o encontro em Genebra destinado a finalmente fechar as bases de um acordo global de comércio esteve perto do colapso.
Os esforços para avançar esbarraram na resistência do ministro do Comércio indiano, Kamal Nath, em fazer concessões. Além de ameaçar a rodada, o impasse pode colocar Brasil e Índia em choque.
O chanceler Celso Amorim reconheceu que as discussões estão em um momento "complexo" e disse que hoje será um dia decisivo para a rodada. "Amanhã [hoje] vamos ter que saber se um acordo é possível."
Amorim disse que as discussões continuam em ritmo lento e que ainda há muitos pontos de divergência. Fontes próximas às negociações, entretanto, contaram que elas "começaram a andar", com os principais países envolvidos dando demonstrações de flexibilidade. A exceção foi a Índia.
Kamal Nath, que ficou ausente dos dois primeiros dias do encontro para poder acompanhar no Parlamento indiano a votação de uma moção de desconfiança que quase derrubou o seu governo, não aceita fazer concessões nos temas que lhe são prioritários. Fortalecido pela vitória de seu governo, voltou com posições duras.
Na proposta agrícola, o maior entrave é o Mecanismo de Salvaguarda Especial (SSM, na sigla em inglês), que prevê aumentos tarifários no caso de súbitos aumentos de importação de um produto. A Índia exige um nível muito alto de tarifa como remédio, o que sofre resistências abertas dos EUA e veladas de outros grandes exportadores agrícolas, entre eles o Brasil e a Argentina.
O impasse coloca em risco a aliança de Brasil e Índia como líderes do G20 de países em desenvolvimento, pois passam a ter posições divergentes na discussão agrícola.
Uma nova proposta sobre o mecanismo começou a ser negociada, e até a China, que também vinha se mostrando inflexível, começou a ceder. Mas o representante indiano não se mexeu. "Ele é o "senhor não'", ironizou um negociador.
A resistência da Índia levou o presidente dos EUA, George W. Bush, a intervir. Ele telefonou ontem para o primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh, e pediu que coopere.
A reunião de ontem seguiu o formato reduzido de apenas sete ministros, de Brasil, Índia, EUA, União Européia, China, Austrália e Japão. O ministro indiano chamou a atenção pela recusa em ceder e por momentos de desdém. Num certo momento do encontro de 35 ministros, Kamal Nath simplesmente passou a ler jornal.
Flexibilidades começaram a ser demonstradas ontem, embora de forma moderada. Os europeus mostraram espaço para aumentar o acesso a seus mercados agrícolas. Os EUA indicaram que poderão melhorar a oferta feita na terça-feira, de fixar o teto de seus subsídios agrícolas a US$ 15 bilhões anuais. A representante do Comércio americana, Susan Schwab, porém, avisou ontem aos demais ministros que a redução não será significativa.

Tarifas industriais
O Brasil acenou com uma concessão num dos temas que têm sido mais insistidos pelos americanos, a exigência de acordos setoriais para redução ou até eliminação de tarifas industriais. O Itamaraty está disposto a "engajar-se" com os americanos, enquanto tenta fazer com que os acordos sejam voluntários, como exige a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
O temor é desproteger setores sensíveis da indústria, como o automotivo e o químico, com a eliminação de tarifas.
Um outro movimento feito pelo Brasil foi desistir da exigência do Mercosul de proteger 16% de sua indústria dos cortes tarifários. O Brasil concordou que o número baixe para 14%, e isso poder gerar atrito com outro aliado-chave. A Argentina insiste nos 16%.
Por outro lado, a diplomacia brasileira começou a receber uma contrapartida num dos assuntos que mais lhe interessam, o álcool. Antes refratários à idéia de aumentar o acesso a mercado do combustível, europeus e norte-americanos já aceitam negociar.


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