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OPINIÃO ECONÔMICA
O novo modelo elétrico e os investimentos
LUIZ PINGUELLI ROSA
O novo modelo para o setor
elétrico foi elaborado na expectativa de criar as condições para a expansão da geração elétrica.
É fiel em muitos aspectos às diretrizes elaboradas pelo grupo de
trabalho reunido pelo Instituto de
Cidadania, cujo documento final
foi concluído em 2002. O primeiro objetivo é a expansão do setor,
de modo a evitar a repetição do
apagão que assolou a população e
as empresas em 2001, devido ao
modo desastrado pelo qual foi feita a privatização, enfocada na
venda de ativos das empresas estatais sem estimular devidamente
os investimentos para expansão.
Outro objetivo é enfatizar o aspecto de serviço público de energia elétrica, sendo o mercado um
meio complementar, e não um
fim em si. Vários fatos recentes
ratificam a tese de que energia elétrica não pode ser deixada ao sabor do mercado: o racionamento
de 2001 no Brasil e a queda do sistema nas principais cidades brasileiras, em 1999, bem como o racionamento da Califórnia e o recente colapso em Nova York. A
energia elétrica é séria demais para ser deixada apenas com o mercado.
Há certa confusão nas informações divulgadas pela mídia sobre
a operação do modelo. A EPE
(Empresa de Planejamento Energético), criada pelo novo modelo,
evitará percalços como o de 2001,
causado pela abolição do planejamento normativo que era feito
pela Eletrobrás e que até hoje vem
mostrando seus efeitos. Em 2001,
faltava energia elétrica e sobrava
gás, enquanto agora sobra energia
elétrica e há usinas termelétricas
sem gás para operar. Por sua vez,
o preço da geração a gás é muito
alto.
A previsão da demanda será feita com base em informações e
projeções das empresas distribuidoras, consolidadas pela EPE, que
planejará a oferta. Com base nisso, o Ministério de Minas e Energia abrirá licitações para as geradoras e vencerá a que oferecer o
menor preço de energia.
Considero a filosofia do modelo
basicamente correta. Entretanto
no detalhamento pesaram muito
as pressões das distribuidoras e
das geradores privatizadas, dos
grandes consumidores eletrointensivos e do produtores independentes, a maioria desses com
termelétricas a gás natural. Isso
certamente interfere com um dos
objetivos do mercado, que é dar
prioridade ao serviço público.
Um efeito perverso foi o deslocamento da energia mais barata
substituída pela energia cara que
as distribuidoras contrataram, repassando o preço para os consumidores. Essa substituição se deu
desde 2001, criando até hoje distorções que prejudicam a implementação do modelo. Enquanto
algumas geradoras puderam "desovar" sua energia excedente para
grandes consumidores, as distribuidoras fizeram contratos de
longo prazo com termelétricas, algumas pertencentes ao mesmo
grupo econômico que controla a
distribuidora. Em alguns casos,
energia hidrelétrica de R$ 70/
MWh foi substituída por energia
termelétrica de R$ 150/MWh. Tal
situação não foi corrigida pelo governo, que, ao meu ver, erroneamente, decidiu não renegociar
contratos, mesmo os contrários à
filosofia que deve imperar no novo modelo: energia elétrica é um
serviço público. E o pior, a termelétrica em muitas casos fica desligada e seu proprietário compra
energia no mercado "spot" a R$
18/MWh gerada pelas hidrelétricas, em sua maioria do Grupo Eletrobrás. E, pior ainda, em alguns
casos em que o ONS mandou termelétricas fornecerem energia,
houve algumas que não puderam
fazê-lo por não dispor de gás natural, quebrando o contrato de
venda de energia.
Agravando esse quadro, um
dispositivo legal obrigou a descontratação pelas distribuidoras
da energia das geradoras na proporção de 25%, em 2003, e mais
25%, em 2004, totalizando já 50%.
Isso atingiu pesadamente as empresas federais pois ficaram impedidas, por outro dispositivo da
lei, de vender diretamente sua
energia descontratada exceto por
leilões públicos que se mostraram
irreais, pois as geradoras privadas, livres dessa restrição, tomaram boa parte do mercado fazendo negócios bilaterais, livres de
qualquer controle. Furnas foi a
que mais sofreu. O novo modelo
fará leilões específicos para a venda dessa energia, tendendo a baixar muito a remuneração das estatais. Ou seja, elas vão pagar o pato para atenuar esses altos preços.
Essa situação pode descapitalizar as empresas do Grupo Eletrobrás, que poderiam impulsionar
investimentos a custos menores,
pois trabalham com baixas taxas
de retorno e não referenciam seu
retorno ao dólar. Com o esperado
crescimento da economia, cujos
sinais se mostram hoje, aumenta
o risco de falta de energia. Se os
investimentos não forem feitos
desde logo, a curva de demanda
poderá cruzar a de oferta de energia, como demonstrei na Reunião
Anual da SBPC e no Energy Summit, no Rio, eventos realizados
em julho. Neste mês, a ministra
Dilma Rousseff confirmou esse
risco em entrevista à imprensa,
atribuindo-o às exigências ambientais, que são inevitáveis e têm
de ser levadas em conta nos prazos dos projetos, não só de hidrelétricas como também das termelétricas.
Luiz Pinguelli Rosa, 62, é professor
titular do Programa de Planejamento
Energético da Coppe/UFRJ
Hoje, excepcionalmente, a coluna
de Antonio Barros de Castro
não é publicada.
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