São Paulo, quarta-feira, 25 de agosto de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

O novo modelo elétrico e os investimentos

LUIZ PINGUELLI ROSA

O novo modelo para o setor elétrico foi elaborado na expectativa de criar as condições para a expansão da geração elétrica. É fiel em muitos aspectos às diretrizes elaboradas pelo grupo de trabalho reunido pelo Instituto de Cidadania, cujo documento final foi concluído em 2002. O primeiro objetivo é a expansão do setor, de modo a evitar a repetição do apagão que assolou a população e as empresas em 2001, devido ao modo desastrado pelo qual foi feita a privatização, enfocada na venda de ativos das empresas estatais sem estimular devidamente os investimentos para expansão.
Outro objetivo é enfatizar o aspecto de serviço público de energia elétrica, sendo o mercado um meio complementar, e não um fim em si. Vários fatos recentes ratificam a tese de que energia elétrica não pode ser deixada ao sabor do mercado: o racionamento de 2001 no Brasil e a queda do sistema nas principais cidades brasileiras, em 1999, bem como o racionamento da Califórnia e o recente colapso em Nova York. A energia elétrica é séria demais para ser deixada apenas com o mercado.
Há certa confusão nas informações divulgadas pela mídia sobre a operação do modelo. A EPE (Empresa de Planejamento Energético), criada pelo novo modelo, evitará percalços como o de 2001, causado pela abolição do planejamento normativo que era feito pela Eletrobrás e que até hoje vem mostrando seus efeitos. Em 2001, faltava energia elétrica e sobrava gás, enquanto agora sobra energia elétrica e há usinas termelétricas sem gás para operar. Por sua vez, o preço da geração a gás é muito alto.
A previsão da demanda será feita com base em informações e projeções das empresas distribuidoras, consolidadas pela EPE, que planejará a oferta. Com base nisso, o Ministério de Minas e Energia abrirá licitações para as geradoras e vencerá a que oferecer o menor preço de energia.
Considero a filosofia do modelo basicamente correta. Entretanto no detalhamento pesaram muito as pressões das distribuidoras e das geradores privatizadas, dos grandes consumidores eletrointensivos e do produtores independentes, a maioria desses com termelétricas a gás natural. Isso certamente interfere com um dos objetivos do mercado, que é dar prioridade ao serviço público.
Um efeito perverso foi o deslocamento da energia mais barata substituída pela energia cara que as distribuidoras contrataram, repassando o preço para os consumidores. Essa substituição se deu desde 2001, criando até hoje distorções que prejudicam a implementação do modelo. Enquanto algumas geradoras puderam "desovar" sua energia excedente para grandes consumidores, as distribuidoras fizeram contratos de longo prazo com termelétricas, algumas pertencentes ao mesmo grupo econômico que controla a distribuidora. Em alguns casos, energia hidrelétrica de R$ 70/ MWh foi substituída por energia termelétrica de R$ 150/MWh. Tal situação não foi corrigida pelo governo, que, ao meu ver, erroneamente, decidiu não renegociar contratos, mesmo os contrários à filosofia que deve imperar no novo modelo: energia elétrica é um serviço público. E o pior, a termelétrica em muitas casos fica desligada e seu proprietário compra energia no mercado "spot" a R$ 18/MWh gerada pelas hidrelétricas, em sua maioria do Grupo Eletrobrás. E, pior ainda, em alguns casos em que o ONS mandou termelétricas fornecerem energia, houve algumas que não puderam fazê-lo por não dispor de gás natural, quebrando o contrato de venda de energia.
Agravando esse quadro, um dispositivo legal obrigou a descontratação pelas distribuidoras da energia das geradoras na proporção de 25%, em 2003, e mais 25%, em 2004, totalizando já 50%. Isso atingiu pesadamente as empresas federais pois ficaram impedidas, por outro dispositivo da lei, de vender diretamente sua energia descontratada exceto por leilões públicos que se mostraram irreais, pois as geradoras privadas, livres dessa restrição, tomaram boa parte do mercado fazendo negócios bilaterais, livres de qualquer controle. Furnas foi a que mais sofreu. O novo modelo fará leilões específicos para a venda dessa energia, tendendo a baixar muito a remuneração das estatais. Ou seja, elas vão pagar o pato para atenuar esses altos preços.
Essa situação pode descapitalizar as empresas do Grupo Eletrobrás, que poderiam impulsionar investimentos a custos menores, pois trabalham com baixas taxas de retorno e não referenciam seu retorno ao dólar. Com o esperado crescimento da economia, cujos sinais se mostram hoje, aumenta o risco de falta de energia. Se os investimentos não forem feitos desde logo, a curva de demanda poderá cruzar a de oferta de energia, como demonstrei na Reunião Anual da SBPC e no Energy Summit, no Rio, eventos realizados em julho. Neste mês, a ministra Dilma Rousseff confirmou esse risco em entrevista à imprensa, atribuindo-o às exigências ambientais, que são inevitáveis e têm de ser levadas em conta nos prazos dos projetos, não só de hidrelétricas como também das termelétricas.


Luiz Pinguelli Rosa, 62, é professor titular do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ

Hoje, excepcionalmente, a coluna de Antonio Barros de Castro não é publicada.


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