São Paulo, quinta-feira, 25 de agosto de 2005

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Ex-FMI vê perigo de "mexicanização"

CÍNTIA CARDOSO
ENVIADA A CAMPOS DO JORDÃO

O maior perigo que a atual crise política pode trazer para o país é fazer o Brasil passar por um processo de "mexicanização". Ou seja, um quadro de estagnação das reformas necessárias para a modernização da economia. "Eu acredito que seria um problema para o Brasil se as reformas que estão em andamento hoje parassem e se o Brasil seguir o mesmo caminho que o México. Nos últimos anos, na verdade desde o final dos anos 90, nada acontece no México. Nenhuma reforma vem sendo implementada", disse à Folha Kenneth Rogoff.
Ex-diretor do FMI (Fundo Monetário Internacional) e professor na Universidade Harvard, ele está no Brasil para participar do Congresso Internacional de Derivativos e Mercado Financeiro organizado pela BM&F em Campos do Jordão (SP). Leia a seguir entrevista concedida à Folha.
 

Folha - Quão bem vão os fundamentos da economia brasileira?
Kenneth Rogoff -
Há dois fatores essenciais. Um é a economia global, que tem sido excepcionalmente favorável para o Brasil, os preços das commodities estão altos, o Brasil tem conseguido diversificar sua pauta exportadora, a demanda da China e dos EUA está elevada... Em suma, há combinação favorável de altos preços de commodities e baixas taxas de juros globalmente.

Folha - E em relação ao cenário político brasileiro. Essa crise atual traz riscos? Os investidores parecem não ter se afastado do Brasil.
Rogoff -
O Brasil tem ido muito bem. O recente ruído político não tem ainda eclipsado a impressão geral de que o Brasil está crescendo, que é um dos maiores países emergentes. Ao lado de China, Índia e Rússia, será uma das maiores forças da próxima década. Sob a perspectiva exterior, há internacionalmente ainda hoje uma impressão muito boa a respeito da transição suave que se deu do governo de Fernando Henrique para o governo Lula. Houve uma continuidade da política macroeconômica do governo anterior e isso agradou a todos. Quanto à crise, não estou tão bem informado em relação a todos os rumores políticos do Brasil atualmente, mas eu acredito que seria um problema para o Brasil se as reformas que estão em andamento hoje parassem e se o Brasil seguir o mesmo caminho que o México. Nos últimos anos, na verdade desde o final dos anos 90, nada acontece no México. Nenhuma reforma vem sendo implementada. A sorte da economia mexicana são as reservas de petróleo e também esse momento de boom nos preços do produto. Sem isso e sem o fato de a economia dos EUA estar se expandindo, o México não cresceria nem 3%. A longo prazo, essa é a principal questão para o Brasil: manter as reformas. É por isso que a crise política é preocupante. O Brasil tem que continuar a liberalizar a sua economia, flexibilizar certos setores, abrir-se para o comércio exterior. Se muitos anos passarem sem que nenhuma reforma seja feita, as vulnerabilidades da economia brasileira tendem a crescer.

Folha- O que está atravancando o crescimento brasileiro?
Rogoff -
O setor exportador é muito dinâmico, mas há muitos setores na economia brasileira que não o são. Eu vejo uma relação entre o que está acontecendo no Brasil e o que está se passando na Europa, a despeito das diferenças entre os dois. Hoje vivemos uma era de mudanças e é preciso uma economia capaz de responder a essas mudanças rápidas. No Brasil, as leis trabalhistas, por exemplo, ainda fazem difícil o ambiente para novos investimentos. Mas são situações que podem ser resolvidas facilmente. Não precisa esperar 20 anos para isso.

Folha - E qual o peso do atual patamar da taxa de juros no crescimento lento do Brasil?
Rogoff -
A taxa real de juros de uma economia não é definida apenas por políticas monetárias do Banco Central. São questões muito complexas, mas é desencorajador que esteja levando tanto tempo para haver queda na taxa de juros e para independência [oficial] no Banco Central. Mas é verdade que o Banco Central também tem que lidar com um legado de 20 anos de hiperinflação e desconfiança e agora tem que tentar procurar estabelecer credibilidade nos mercados. Por isso acredito que a primeira coisa a ser tentada é o estabelecimento legal da independência do Banco Central.


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