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ANÁLISE
Cresce o risco de nova contração
NOURIEL ROUBINI
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"
A ECONOMIA mundial
está começando a se recuperar da pior recessão e crise financeira desde a
Grande Depressão. No quarto
trimestre de 2008 e nos primeiros três meses de 2009, o
ritmo de contração na maioria
das economias avançadas era
semelhante à queda livre do
PIB que os países registraram
nos estágios iniciais da Depressão. No entanto, no final do ano
passado, as autoridades econômicas, que até aquele momento
estavam agindo tardiamente,
enfim começaram a usar a
maioria das armas disponíveis
em seus arsenais.
Os esforços deram frutos, e a
queda livre da atividade econômica se atenuou. Existem agora
três questões em aberto quanto
às perspectivas. Quando a recessão mundial vai acabar? Que
forma tomará a recuperação
econômica? Existem riscos de
recaída?
Quanto à primeira questão,
parece que a economia mundial chegará ao fim da queda no
segundo semestre de 2009. Em
muitas economias avançadas
(Espanha, Estados Unidos, Itália, Reino Unido e em alguns
países da zona do euro) e em alguns emergentes (principalmente na Europa), a recessão
não se encerrará formalmente
antes do final do ano, já que os
brotos verdes da recuperação
ainda estão cercados de ervas
daninhas. Em algumas outras
economias avançadas (Alemanha, Austrália, França e Japão)
e na maioria dos mercados
emergentes (China, Índia, Brasil e outras partes da Ásia e
América Latina), a recuperação
já começou.
Quanto à segunda questão, o
debate se trava entre aqueles
-a maioria do consenso econômico- que antecipam uma recuperação em forma de V, com
rápida retomada de crescimento, e aqueles -como eu- segundo os quais a recuperação
será em U e se manterá anêmica e abaixo da tendência por ao
menos dois anos, após um par
de trimestres de rápido crescimento alimentado por reposição de estoques e recuperação
da produção ante os níveis quase tão desfavoráveis quanto os
da Grande Depressão.
Existem diversos argumentos que apontam para uma recuperação fraca e em forma de
U. O emprego continua a cair
acentuadamente nos Estados
Unidos e em vários mercados
-em economias avançadas, o
desemprego estará acima dos
10% em 2010. Isso é má notícia
não só em termos de demanda
e prejuízos bancários mas também em termos de capacitação
profissional, um fator chave para o crescimento da produtividade em longo prazo.
Segundo, temos uma crise de
solvência, e não apenas de liquidez, mas ainda não começou
uma redução real no endividamento, porque os prejuízos das
instituições financeiras foram
socializados e transferidos aos
balanços dos governos. Isso limita a capacidade de empréstimo das instituições financeiras,
a capacidade de gasto dos domicílios e a capacidade de investimento das empresas.
Terceiro, nos países que operam com deficit em conta corrente, os consumidores precisam começar a cortar gastos e
poupar mais, em um momento
em que as pessoas endividadas
enfrentam um choque de patrimônio causado pela queda nos
preços das casas e dos mercados de ações e pela retração na
renda e no emprego.
Quarto, o sistema financeiro
-a despeito do apoio das autoridades- continua severamente danificado. A maior parte do
sistema bancário paralelo desapareceu, e os bancos tradicionais estão sobrecarregados
com trilhões de dólares em prejuízos inesperados com empréstimos e títulos, enquanto
ainda se mantêm perigosamente subcapitalizados.
Quinto, os lucros fracos (causados por dívidas elevadas e riscos de inadimplência, crescimento baixo e persistentes
pressões deflacionárias sobre
as margens de ganhos empresariais) restringirão a disposição das companhias de produzir, contratar trabalhadores e
investir.
Sexto, o endividamento do
setor público por meio do acúmulo de pesados deficits fiscais
ameaça dificultar a recuperação nos gastos do setor privado.
Os efeitos das políticas de estímulo, além disso, se dissiparão
no começo do ano que vem, o
que vai requerer maior demanda privada para sustentar o
crescimento.
Sétimo, a redução nos desequilíbrios mundiais implica em
que os deficits em conta corrente de economias perdulárias, como a dos EUA, vão reduzir os superávits das economias
que poupam em excesso (Japão, Alemanha, China e outros
emergentes). Mas, caso a demanda interna não se expanda
rapidamente o bastante nos
países superavitários, resultará
em recuperação mais lenta do
mundo.
Recessão em forma de W
Também existem duas razões para que exista risco ascendente de uma recessão de
duplo mergulho, em forma de
W. Para começar, existem riscos associados às estratégias de
saída para o grande relaxamento da política monetária e de estímulo fiscal: as autoridades serão criticadas por agir e também por não agir. Caso decidam levar a sério os grandes deficits fiscais e decretem aumento de impostos, corte de gastos
e redução da liquidez excessiva,
poderão solapar a recuperação
e levar a economia a uma estagdeflação (recessão e deflação).
Mas, caso mantenham grandes deficits orçamentários, os
ativistas dos mercados de títulos públicos punirão as autoridades econômicas. As pressões
inflacionárias subirão, os rendimentos dos títulos públicos
de longo prazo terão de subir e
as taxas de empréstimo dispararão, gerando estagflação.
Outro motivo para temer
uma recessão de duplo mergulho é que os preços de petróleo,
energia e alimentos agora estão
subindo mais rápido do que os
fundamentos econômicos justificam e podem ser propelidos
a alta ainda maior pela liquidez
excessiva em busca de ativos e
pela demanda especulativa.
No ano passado, o petróleo a
US$ 145 por barril marcou um
ponto de inflexão para a economia mundial, ao criar termos
negativos de comércio internacional e um choque na renda
disponível para as economias
importadoras da commodity. A
economia mundial não suportaria outro choque contrativo
caso especulação semelhante
conduza o preço do petróleo a
um rápido retorno para a marca dos US$ 100.
Em resumo, a recuperação
deve ser anêmica e abaixo da
tendência nas economias avançadas e existe forte risco de uma
recessão de duplo mergulho.
O autor é professor de Economia na Escola Stein
de Administração de Empresas na Universidade
de Nova York.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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