São Paulo, segunda-feira, 25 de novembro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Crescer, crescer e crescer

ROBERTO NICOLSKY

O governo Lula adquiriu, nesta eleição histórica, um extraordinário capital de força para empreender as mudanças de que a nação está ávida para poder crescer, gerar mais e melhores empregos para a sua população e, assim, distribuir a sua renda de forma mais justa, promovendo a inclusão social de amplas parcelas da nossa sociedade. Crescer, pois, é a chave de tudo. Isso é uma unanimidade nacional.
A questão fundamental, portanto, é como crescer de modo a absorver, a cada ano, o contingente de jovens que chegam ao mercado de trabalho e, ainda, reincorporar às atividades produtivas os milhões de brasileiros que buscam um trabalho sem encontrá-lo. Precisamos, pois, de uma taxa de crescimento maior do que a do mercado interno. Ou seja, precisamos de elevar as exportações para ampliar o nosso mercado total. Além disso, o aumento das exportações gera saldos comerciais que reduzirão a vulnerabilidade externa da nossa economia. E isso é outra unanimidade nacional.
Se tudo isso é uma unanimidade, por que não temos crescido tanto quanto precisamos? De fato, apesar de o valor do dólar ter dobrado de 1998 para 2001, a exportação foi a mesma, US$ 58 bilhões. Neste ano, em que o dólar custa o triplo do seu preço em relação a 1998, a exportação deve repetir os mesmos US$ 58 bilhões. Por que essa estagnação?
Para termos uma resposta, precisamos analisar a nossa pauta de exportações. Esta se divide em produtos sem marca própria, como soja, frango, carne, óleo, minério, aço etc., chamados de commodities, que são a grande maioria; e os de marca, como os aviões, automóveis, compressores, motores elétricos, máquinas operatrizes, celulares etc., chamados de manufaturados de alto valor agregado ou conteúdo tecnológico.
No primeiro grupo de produtos, principalmente os de origem agropecuária, temos tido um significativo aumento da produtividade em razão das inovações tecnológicas introduzidas na produção por uma empresa, a Embrapa, em parceria com empresas e produtores rurais. Assim, com a mesma área plantada temos, hoje, quase o dobro da produção de grãos -ou 100 milhões de toneladas. Também estão nesse bloco produtos básicos, como o minério e o aço, cuja alta produtividade foi alcançada por investimentos públicos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), pois eram empresas estatais.
Mas em commodities o aumento da nossa produtividade e oferta tem sido até anulado por mecanismos compensatórios. O primeiro desses é a redução do preço, por vezes em consequência de subsídios dos países ricos aos seus produtores. Outro é a sobretaxa, como no caso de suco de laranja e aço, que encarece os nossos produtos. Outro, ainda, é a fixação de cotas, como para tecidos. Enfim, o aumento das exportações desses produtos passa, em muitos casos, por difíceis negociações com os países ricos.
O segundo grupo, o dos produtos com marcas, tem exportações com alta sensibilidade à incorporação das inovações que atendam à demanda dos consumidores externos. A Embraer, por exemplo, com os jatos regionais, passou de US$ 100 milhões, em 1994, para US$ 2,7 bilhões, já a partir de 2000. Mas o que fez para ter sucesso? Fez projetos inovadores usando conhecimentos gerados em todo o mundo, os quais os seus competentes engenheiros souberam incorporar.
Portanto, para crescermos como precisamos, é indispensável gerarmos inovações tecnológicas no setor manufatureiro, por meio de fomento direto à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico nas empresas produtoras. Ou seja, aplicarmos o apoio direto à empresa, que já deu muito certo entre nós, como, por exemplo, a Embrapa, na agropecuária, a Petrobras, no petróleo, a Eletrobrás (e outras), em energia elétrica, a Embraer, na aeronáutica, a Far-Manguinhos, em fármacos para a saúde pública, etc.
A questão, pois, é universalizar a atuação da nossa indústria manufatureira na criação de inovações tecnológicas que façam os seus produtos e processos competitivos no cenário mundial. Isso, porém, não se alcança por meio das forças do mercado, pois, como este exige a minimização dos riscos, acaba levando as empresas a adquirir a tecnologia do exterior. Essa conta tecnológica cresceu de US$ 200 milhões, em 1992, para mais de US$ 3 bilhões, em 2001. Mas o pior é que as tecnologias que nos são vendidas não nos dão competitividade internacional, não aumentam a exportação.
O caminho necessário é uma corajosa política pública de fomento direto às nossas indústrias por meio do rateio no risco de P&D. Os recursos para isso ou já foram destacados das receitas das empresas ou são a Cide incidente nos pagamentos de royalties de patentes e tecnologias compradas do exterior, formando o que se chama de fundos setoriais para P&D. A via do fomento direto é a única para crescermos, como atestam as nossas experiências acima.
Há 35 anos o país tenta a estranha via indireta, utilizando instituições acadêmicas, cuja missão é formar recursos humanos qualificados e gerar conhecimento (ciência), na tentativa de fazer inovações tecnológicas na indústria, o que não nos fez competitivos. Nesse mesmo tempo, Taiwan e Coréia do Sul, com o fomento direto, tornaram-se o quarto e o oitavo patenteadores nos Estados Unidos. E por que tentamos essa malsucedida via indireta? Porque, diferentemente das exceções acima, as indústrias manufatureiras nacionais não são estatais, mas realizações de empreendedores, com risco próprio.
Há pouco mais de 20 anos, a China também adotou o fomento direto com pleno êxito e cresceu mais de 8% ao ano. Nesse período, enquanto nós só aumentamos o PIB 50%, eles cresceram o seu quase seis vezes, e a sua exportação deve alcançar US$ 300 bilhões neste ano, crescendo mais de 20% em relação a 2001.
E o que mais cresce na exportação da China são os produtos de alto conteúdo tecnológico. O nosso laboratório da UFRJ importou de lá 5.000 ímãs, de última geração, feitos com materiais que temos nas areias do norte fluminense, em Minas Gerais e no Amazonas, mas não temos uma empresa que domine a tecnologia. Soube que o presidente Lula esteve na China e ficou muito impressionado. E espero que a visita o tenha inspirado para uma vigorosa mudança: uma política de parceria direta do Estado com a indústria para inovar, competir, exportar e crescer, crescer e crescer.


Roberto Nicolsky, 64, professor do Instituto de Física da UFRJ, é diretor-geral da Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica - Protec.


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