São Paulo, terça-feira, 25 de novembro de 2008

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BENJAMIN STEINBRUCH

O gosto do cliente


O medo do inesperado leva empresas a segurar a produção de forma preventiva, e vendas são perdidas

CHRISTIANO, um cidadão, bastante conservador, nunca foi eleitor de Lula, por considerá-lo esquerdista demais. Nos últimos tempos, porém, tem apoiado algumas atitudes do presidente no enfrentamento da crise financeira internacional.
Desde que a crise começou, Lula fez seguidos apelos aos brasileiros para que não reduzam o consumo e assim ajudem a economia brasileira a manter-se aquecida. Christiano concorda plenamente com esses apelos do presidente. Mais do que isso, resolveu dar uma colaboração pessoal para sustentar o crescimento da demanda.
No fim de semana, Christiano decidiu trocar de carro. Tem um automóvel modelo 2004, com apenas 33 mil quilômetros rodados e que atende perfeitamente às suas necessidades. A rigor, poderia ficar com ele mais um ou dois anos, mas resolveu atender ao pedido do presidente.
No sábado, Christiano foi a uma concessionária em São Paulo para escolher um carro novo. Queria um modelo semelhante ao seu atual, com preço na faixa de R$ 60 mil a R$ 70 mil. Encontrou o carro que queria, num preço que considerou razoável, mas dois detalhes não lhe agradaram. Primeiro, só havia modelos na cor cinza. Christiano queria preto ou grafite. Segundo, só havia modelos com câmbio automático para pronta entrega. Christiano, conservador também em matéria de carros e metido a piloto, odeia câmbios automáticos. Queria câmbio mecânico, que, segundo ele, dá muito mais arranque ao veículo.
A vendedora da concessionária, muito simpática, não pôde atender ao desejo de Christiano. Infelizmente, explicou desolada, a fábrica está em férias coletivas e não há esse modelo no estoque. A data da entrega do carro 2.0 com câmbio mecânico e na cor preta ou grafite era imprevisível naquele momento, lamentou a vendedora.
Christiano ficou chateado. Não por continuar com o carro velho, que de velho não tem nada, na sua avaliação, mas por não poder dar sua colaboração consumista contra o desaquecimento da economia. Na mesma rua da concessionária havia outra, de marca diferente. Christiano entrou na loja e gostou muito de um modelo 1.8 desse fabricante. Pediu câmbio mecânico e cor preta ou grafite. Comprometeu-se a incluir na negociação seu carro usado, mesmo tendo sido avaliado em apenas R$ 20 mil, 50% do preço de tabela, e a pagar a diferença à vista. Mas saiu igualmente frustrado. Havia uma fila de espera de pelo menos 45 dias para aquele modelo, porque a montadora também está em férias coletivas.
Como Christiano odeia filas (mais do que câmbios automáticos), a indústria automobilística perdeu uma venda no fim de semana. Ele decidiu ficar com o carro velho por mais um ou dois anos e voltou para casa com uma pergunta na cabeça: por que, afinal, essas fábricas entram em férias coletivas se não têm produtos em estoque suficientes para atender os consumidores?
Recessões se instalam na economia não apenas por razões objetivas.
Em muitos casos, o medo do inesperado leva empresas a segurar a produção de forma preventiva. Não dá para generalizar o caso de Christiano para toda a indústria, nem mesmo para todo o setor automobilístico, que enfrenta problemas reais de crédito e demanda. Mas o caso é um exemplo típico da redução de venda por contenção de oferta, não por falta de demanda. Outros Christianos podem ter tido frustrações semelhantes no fim de semana e voltado para casa com a sensação de que a crise é mais grave do que pensavam, porque as empresas estão com medo de produzir.


BENJAMIN STEINBRUCH, 55, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

bvictoria@psi.com.br


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