São Paulo, segunda-feira, 25 de dezembro de 2000

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BANCOS

Comandante da instituição afirma que não haverá passagem do controle para o BBV e cobra reformas do governo

Salles nega assédio espanhol ao Unibanco

Pio Figueira/"Valor Econômico" - 03.jul.00
O banqueiro Pedro Moreira Salles, 41, que está no comando do Unibanco desde 1989 e nega que a instituição esteja à venda


GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S/A

Há pelo menos cinco anos, comenta-se no mercado sobre a possibilidade de o Unibanco ser comprado por outro banco. Já se falou em nomes como os do Citibank, Bradesco e Itaú. Agora, depois da compra do Banespa pelo Santander, fala-se de novo sobre um possível e irresistível assédio do BBV Banco (ex-BBVA).
Nos últimos dez anos, em meio a todos esses boatos, o Unibanco, comandado por Pedro Moreira Salles, 41, só tem crescido. No início da década, o Unibanco era 15 vezes menor do que o Banco do Brasil. Hoje, só é três vezes menor. Só neste ano, o Unibanco comprou três bancos: o Bandeirantes, o Credibanco e, na semana que passou, adquiriu por R$ 480 milhões os 50% restantes do Fininvest. Numa de suas raras entrevistas, concedida à Folha antes do anúncio da compra do Fininvest, Pedro Moreira Salles garante que o Unibanco não está à venda. Só o tempo, segundo ele, vai mais uma vez mostrar que ele está dizendo a verdade. Nesse momento, ele está de férias com o irmão João em São Petesburgo, na Rússia, Camboja e Tailândia. "Não é um programa para quem está vendendo seu banco, não é mesmo?", diz Pedro, como prefere ser chamado. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Folha - O banco espanhol BBV contratou um banco de investimento para descobrir oportunidades no Brasil. O Unibanco foi procurado por alguém ligado ao BBV?
Pedro Moreira Salles
- De novo? Como são insistentes esses ibéricos... Mas não, não fomos procurados, talvez porque já conheçam a resposta. O Unibanco não está à venda. Agora, eu até entendo a ansiedade de alguns. Na minha opinião, a corrida da consolidação bancária no Brasil praticamente se encerrou. Plagiando aqueles joguinhos eletrônicos do meu filho, é "game over". Vejo seis grandes bancos disputando o mercado de varejo a partir de agora: três brasileiros e três estrangeiros.

Folha - A última grande chance, então, foi o Banespa?
Salles
- O Banespa, pela sua dimensão, traria um relevante ganho de escala para qualquer um de seus potenciais compradores. Pós-Banespa, a briga pelo crescimento se dará no dia-a-dia, no esforço de conquista de mais um novo cliente. Não há mais, no mercado, alternativa de aquisição de banco que mude de forma relevante a escala relativa dos concorrentes que aí estão. É preciso lembrar que os bancos brasileiros, assim como a maior parte das empresas locais, têm estruturas de controle definidas. Para se adquirir algo, não basta fazer uma oferta ao mercado. Aqui, é preciso convencer os controladores. E eu não acredito que os grupos que controlam os grandes bancos no país estejam interessados em vendê-los.

Folha - Mas há espaço para bancos médios?
Salles
- Se você estiver se referindo ao mercado de varejo, o banco médio tem de ser muito focado e eficiente para sobreviver. Por isso, a briga pela escala. Ao longo da última década, por exemplo, o Unibanco triplicou sua rede de distribuição -temos hoje 1.500 pontos-de-venda- e quintuplicou sua base de clientes. Nossos ativos totais foram multiplicados por oito. O Unibanco tornou-se, nesse período, um dos maiores bancos da América Latina. Hoje, somos bem maiores, por exemplo, do que o Galícia, o principal banco argentino. Aqueles que não conseguiram ganhar escala, mas insistiram num modelo varejista não diferenciado, saíram do mercado. E isso aconteceu tanto com bancos brasileiros quanto com estrangeiros, o que mostra que escala é uma coisa eminentemente local e não é transferível.

Folha - Não há bancos demais no Brasil?
Salles
- Não, o mercado de serviços financeiros como um todo tem enormes oportunidades de crescimento no país. A nossa relação crédito/PIB é uma das menores do mundo. O volume total de crédito no país corresponde a 28,5% do PIB, quando no Chile, por exemplo, atinge 67%. Na Europa e nos EUA, esse total ultrapassa a casa dos 100% do PIB. A penetração de produtos de seguro e previdência também é baixíssima. A indústria de fundos é outra que oferece boas oportunidades.

Folha - Na Argentina, não há tantos bancos nacionais como no Brasil?
Salles
- O número por aqui também anda bem reduzido... Mas sempre é bom lembrar que, mesmo na Argentina, onde o sistema sofreu uma grande desnacionalização, o maior grupo financeiro continua sendo local. O Galícia é controlado por três famílias, cujo principal negócio sempre foi o banco. Mantiveram o foco, a disciplina e cresceram.

Folha - Como o senhor analisa, para o Unibanco, a compra do Banespa pelo Santander?
Salles
- Considerando que não vencemos o leilão, eu acho que o resultado foi muito bom para nós. A razão é muito simples; as distâncias entre os grandes bancos foram preservadas, ou seja, as escalas relativas se mantiveram.

Folha - Mas, se o Unibanco tivesse comprado o Banespa, teria passado o Itaú e encostado no Bradesco.
Salles
- É verdade, só que não deu. Mas não podemos reclamar, já que neste ano compramos o Bandeirantes e o Credibanco, o que aumentou nossa presença nos mercados de varejo e de atacado. Encurtamos as distâncias.

Folha - Mas o Unibanco desceu um degrau no ranking.
Salles
- Sem querer desmerecer essa história de ranking, até pela sua visibilidade, tenho a dizer duas coisas sobre o assunto. A primeira é que olhar ranking apenas por ativos totais, como em geral se faz no Brasil, pode ser enganoso, pois não reflete necessariamente a real dimensão de uma organização financeira. No ativo do Banespa, R$ 5 bilhões são créditos e R$ 18 bilhões são títulos públicos. Depois que for depurada a carteira de títulos públicos, vamos ver o número final. A nossa carteira de crédito é de quase R$ 20 bilhões, quatro vezes mais do que a do Banespa. A outra coisa é que nós somos muito maiores em outros segmentos de grande relevância, como por exemplo administração de recursos de terceiros, seguros, previdência e cartão de crédito. E temos uma das principais e mais qualificadas operações de atacado do país. É esse conjunto de atividades que espelha a verdadeira capacidade de competir, de gerar resultados crescentes, com qualidade. Vamos ver mais na frente os números que vão permanecer.

Folha - Se o presidente do BBV ligar, o senhor atende o telefone?
Salles
- (Rindo) Eu sou educado, sempre atendo as ligações. Mas acho que ele não vai ligar...

Folha - E se o BBV ou outro banco lhe oferecer uma daquelas quantias absurdas, irresistíveis?
Salles
- Vou me sentir muito lisonjeado. Mas não acho que o grande objetivo na vida seja o de maximizar o patrimônio. O Unibanco tem 76 anos e existe aqui um projeto de construir uma empresa de excelência. Eu faço parte da terceira geração que persegue esse ideal, que é sempre redefinido. Para isso tenho total apoio de minha família. Não está nos nossos planos trocar todo esse trabalho por um cheque, por mais sedutor que ele possa ser. Naturalmente, é importante sempre se perguntar se as condições para se tocar o projeto para a frente continuam existindo e se a sua presença contribui para tal. Se a resposta for sim, estaremos criando valor -não apenas patrimônio- e o esforço terá feito sentido.

Folha - Desde quando o senhor está no banco?
Salles
- Vim para o banco em 1989. E tive, assim, a sorte de presenciar e participar do grande processo de crescimento que o banco teve ao longo da década de 90, um período de enormes mudanças e desafios. Se for feito um apanhado do desempenho do banco nesses anos, conclui-se que seu crescimento relativo foi muito grande, talvez o maior de todos. Basta ver que, hoje, o banco está muito mais próximo do Bradesco e do Itaú do que há dez anos, por qualquer critério que se queira usar -ativos totais, carteira de crédito, recursos administrados ou patrimônio líquido. No início da década passada, havia dois bancos privados na frente de todo mundo, o Bradesco e o Itaú, e cinco no segundo pelotão, que eram Nacional, Unibanco, Real, Bamerindus e Econômico. Demos partida no processo de consolidação desse pelotão intermediário em 1995, ao comprarmos o Nacional. Na sequência, os outros três foram adquiridos por bancos estrangeiros. Bradesco e Itaú também se mexeram, de forma competente, comprando instituições públicas e privadas. Passados dez anos, eles mantiveram as primeiras posições. Mas conseguimos diminuir as distâncias por uma ordem de magnitude e mudamos de pelotão. O Unibanco teve um enorme sucesso nesta década. Agora, daqui para a frente, é a briga do crescimento orgânico, é guerra de trincheira.

Folha - O Unibanco poderia comprar mais alguma instituição?
Salles
- Sempre existirão oportunidades. Mas as instituições que, de fato, fariam a diferença, trazendo ganhos de escala significativos, não estão mais disponíveis. Aquilo que, em ultima instância, traz o verdadeiro ganho de escala é base de clientes. Não há mais bancos com um ou dois milhões de clientes à venda. Pelo menos, eu não consigo enxergar. A última grande chance foi mesmo o Banespa. Mas não se cresce apenas comprando agências bancárias. Existem clientes em outros lugares...

Folha - E por que o Unibanco não comprou o Banespa?
Salles
- Porque apareceu alguém com um cheque R$ 5 bilhões mais alto. Por outro lado, acho que se criou na mídia uma falsa expectativa quanto ao real interesse dos competidores. O risco percebido na "operação Banespa" sempre foi bastante alto. Tanto que, dos nove bancos interessados originalmente, somente três compareceram ao leilão.

Folha - Como o senhor vê o Brasil, agora?
Salles
- O Brasil tem uma real possibilidade de entrar numa rota de crescimento sustentável. Depende, como sempre, de um pouco de sorte nas condições externas. A Argentina é um fator de preocupação importante, assim como o comportamento do preço do petróleo, a intensidade da desaceleração econômica dos Estados Unidos, o comportamento das Bolsas de Valores etc.. Mesmo assim, acredito que o país possa crescer 4,5% no ano que vem. Não é o ideal. O Brasil precisa crescer mais. Mas, para isso, precisamos tratar dos problemas estruturais que afligem o país. E aqui a sorte nada tem a ver com isso. São os suspeitos de sempre: a reforma fiscal, a reforma previdenciária, a reforma trabalhista, a reforma partidária, enfim, tudo aquilo que a gente já sabe.

Folha - Há também outro ponto importante. As taxas de juros. O Brasil não precisa reduzir significativamente os juros para crescer ?
Salles
- Para os juros caírem substancialmente, o Brasil precisa fazer as reformas necessárias, o que por sua vez contribuiria muito para uma melhor percepção dos mercados a respeito do Brasil. Quer a gente goste ou não, as taxas de juros embutem o chamado risco Brasil, que ainda é muito elevado. Na medida que essas coisas melhorarem, os juros cairão naturalmente. Os juros não decorrem de um desvio genético das autoridades econômicas, o cromossoma do viés de alta. Basta querer olhar: as taxas de juros vêm caindo e a tendência é que o processo continue.

Folha - Os bancos torcem para quê? Para a queda dos juros ou para que eles sigam elevados?
Salles
- Na medida em que os juros caem, as carteiras de crédito sobem e a inadimplência diminui. Isso contribui para a saúde e a estabilidade do sistema financeiro. Portanto nós queremos que os juros caiam. E junto com eles, a famosa cunha fiscal, que gera distorções alocativas sérias.

Folha - Durante muito tempo, os bancos ganharam dinheiro em cima da incompetência do governo em administrar suas contas. Hoje, esse cenário mudou? Os bancos voltaram a exercer sua principal função, que é a de emprestar dinheiro?
Salles
- Tome o exemplo do Unibanco. O banco tem R$ 20 bilhões em crédito, para um patrimônio de R$ 5 bilhões. Trata-se de um número relevante. E nosso objetivo é crescer mais. A fase em que se ganhou muito dinheiro com o "float" das aplicações, em função das elevadas taxas de inflação, acabou faz tempo. É bom lembrar que, já antes do final do período inflacionário, os ganhos de "float" diminuíram muito com a elevação dos recolhimentos compulsórios. O governo chegou a fixar em 100% o compulsório sobre os depósitos à vista. Hoje, estão em 45%, um percentual ainda muito alto. Mas o BC tem dito que esse percentual irá para patamares mais civilizados.

Folha - O senhor gosta de cinema, ou só seus irmãos, Walter e João?
Salles
- (Risos) Adoro. O Waltinho sabe que eu entendo muito mais de cinema do que ele. Mas ele até que leva jeito... O filme que ele está fazendo agora é lindo. Acho que vai ser um estouro. E os documentários do João são estupendos. Como você vê, sou absolutamente imparcial.

Folha - Qual é o filme do Walter?
Salles
- Chama-se "Abril Despedaçado", inspirado num livro do escritor albanês Ismail Kadaré. É um filme adaptado à realidade do Nordeste brasileiro. Waltinho ficou três meses filmando no sertão. Eu passei um final de semana no set de filmagem e fiquei impressionado com o trabalho. E fazia 40º C à sombra!

Folha - O senhor acompanha o trabalho de seus irmãos?
Salles
- Claro. Eu tenho a maior admiração pelo que eles fazem e, vez ou outra, uma ponta de inveja. Agora mesmo, estou indo para São Petersburgo para assistir uma apresentação do pianista Nelson Freire. Meu irmão João está preparando um documentário sobre a vida dele e eu vou lá assistir a gravação dos concertos. Depois, vamos juntos ao Camboja e à Tailândia. Estou saindo de férias. Voltando à sua primeira pergunta, mesmo que me liguem do velho continente, não vai ter ninguém para atender o telefone. Volto em janeiro para continuar um trabalho que divido com gente muito boa de continuar construindo uma das melhores empresas deste país.


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