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BANCOS
Comandante da instituição afirma que não haverá passagem do controle para o BBV e cobra reformas do governo
Salles nega assédio espanhol ao Unibanco
Pio Figueira/"Valor Econômico" - 03.jul.00
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O banqueiro Pedro Moreira Salles, 41, que está no comando do Unibanco desde 1989 e nega que a instituição esteja à venda |
GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S/A
Há pelo menos cinco anos, comenta-se no mercado sobre a
possibilidade de o Unibanco ser
comprado por outro banco. Já se
falou em nomes como os do Citibank, Bradesco e Itaú. Agora, depois da compra do Banespa pelo
Santander, fala-se de novo sobre
um possível e irresistível assédio
do BBV Banco (ex-BBVA).
Nos últimos dez anos, em meio
a todos esses boatos, o Unibanco,
comandado por Pedro Moreira
Salles, 41, só tem crescido. No início da década, o Unibanco era 15
vezes menor do que o Banco do
Brasil. Hoje, só é três vezes menor.
Só neste ano, o Unibanco comprou três bancos: o Bandeirantes,
o Credibanco e, na semana que
passou, adquiriu por R$ 480 milhões os 50% restantes do Fininvest. Numa de suas raras entrevistas, concedida à Folha antes do
anúncio da compra do Fininvest,
Pedro Moreira Salles garante que
o Unibanco não está à venda. Só o
tempo, segundo ele, vai mais uma
vez mostrar que ele está dizendo a
verdade. Nesse momento, ele está
de férias com o irmão João em São
Petesburgo, na Rússia, Camboja e
Tailândia. "Não é um programa
para quem está vendendo seu
banco, não é mesmo?", diz Pedro,
como prefere ser chamado. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Folha - O banco espanhol BBV
contratou um banco de investimento para descobrir oportunidades no Brasil. O Unibanco foi procurado por alguém ligado ao BBV?
Pedro Moreira Salles - De novo?
Como são insistentes esses ibéricos... Mas não, não fomos procurados, talvez porque já conheçam
a resposta. O Unibanco não está à
venda. Agora, eu até entendo a
ansiedade de alguns. Na minha
opinião, a corrida da consolidação bancária no Brasil praticamente se encerrou. Plagiando
aqueles joguinhos eletrônicos do
meu filho, é "game over". Vejo
seis grandes bancos disputando o
mercado de varejo a partir de agora: três brasileiros e três estrangeiros.
Folha - A última grande chance,
então, foi o Banespa?
Salles - O Banespa, pela sua dimensão, traria um relevante ganho de escala para qualquer um
de seus potenciais compradores.
Pós-Banespa, a briga pelo crescimento se dará no dia-a-dia, no esforço de conquista de mais um
novo cliente. Não há mais, no
mercado, alternativa de aquisição
de banco que mude de forma relevante a escala relativa dos concorrentes que aí estão. É preciso lembrar que os bancos brasileiros, assim como a maior parte das empresas locais, têm estruturas de
controle definidas. Para se adquirir algo, não basta fazer uma oferta ao mercado. Aqui, é preciso
convencer os controladores. E eu
não acredito que os grupos que
controlam os grandes bancos no
país estejam interessados em vendê-los.
Folha - Mas há espaço para bancos médios?
Salles - Se você estiver se referindo ao mercado de varejo, o banco
médio tem de ser muito focado e
eficiente para sobreviver. Por isso,
a briga pela escala. Ao longo da última década, por exemplo, o Unibanco triplicou sua rede de distribuição -temos hoje 1.500 pontos-de-venda- e quintuplicou
sua base de clientes. Nossos ativos
totais foram multiplicados por oito. O Unibanco tornou-se, nesse
período, um dos maiores bancos
da América Latina. Hoje, somos
bem maiores, por exemplo, do
que o Galícia, o principal banco
argentino. Aqueles que não conseguiram ganhar escala, mas insistiram num modelo varejista
não diferenciado, saíram do mercado. E isso aconteceu tanto com
bancos brasileiros quanto com estrangeiros, o que mostra que escala é uma coisa eminentemente local e não é transferível.
Folha - Não há bancos demais no
Brasil?
Salles - Não, o mercado de serviços financeiros como um todo
tem enormes oportunidades de
crescimento no país. A nossa relação crédito/PIB é uma das menores do mundo. O volume total de
crédito no país corresponde a
28,5% do PIB, quando no Chile,
por exemplo, atinge 67%. Na Europa e nos EUA, esse total ultrapassa a casa dos 100% do PIB. A
penetração de produtos de seguro
e previdência também é baixíssima. A indústria de fundos é outra
que oferece boas oportunidades.
Folha - Na Argentina, não há tantos bancos nacionais como no Brasil?
Salles- O número por aqui também anda bem reduzido... Mas
sempre é bom lembrar que, mesmo na Argentina, onde o sistema
sofreu uma grande desnacionalização, o maior grupo financeiro
continua sendo local. O Galícia é
controlado por três famílias, cujo
principal negócio sempre foi o
banco. Mantiveram o foco, a disciplina e cresceram.
Folha - Como o senhor analisa,
para o Unibanco, a compra do Banespa pelo Santander?
Salles- Considerando que não
vencemos o leilão, eu acho que o
resultado foi muito bom para nós.
A razão é muito simples; as distâncias entre os grandes bancos
foram preservadas, ou seja, as escalas relativas se mantiveram.
Folha - Mas, se o Unibanco tivesse
comprado o Banespa, teria passado o Itaú e encostado no Bradesco.
Salles- É verdade, só que não
deu. Mas não podemos reclamar,
já que neste ano compramos o
Bandeirantes e o Credibanco, o
que aumentou nossa presença
nos mercados de varejo e de atacado. Encurtamos as distâncias.
Folha - Mas o Unibanco desceu
um degrau no ranking.
Salles- Sem querer desmerecer
essa história de ranking, até pela
sua visibilidade, tenho a dizer
duas coisas sobre o assunto. A primeira é que olhar ranking apenas
por ativos totais, como em geral se
faz no Brasil, pode ser enganoso,
pois não reflete necessariamente a
real dimensão de uma organização financeira. No ativo do Banespa, R$ 5 bilhões são créditos e R$
18 bilhões são títulos públicos.
Depois que for depurada a carteira de títulos públicos, vamos ver o
número final. A nossa carteira de
crédito é de quase R$ 20 bilhões,
quatro vezes mais do que a do Banespa. A outra coisa é que nós somos muito maiores em outros
segmentos de grande relevância,
como por exemplo administração
de recursos de terceiros, seguros,
previdência e cartão de crédito. E
temos uma das principais e mais
qualificadas operações de atacado
do país. É esse conjunto de atividades que espelha a verdadeira
capacidade de competir, de gerar
resultados crescentes, com qualidade. Vamos ver mais na frente os
números que vão permanecer.
Folha - Se o presidente do BBV ligar, o senhor atende o telefone?
Salles- (Rindo) Eu sou educado,
sempre atendo as ligações. Mas
acho que ele não vai ligar...
Folha - E se o BBV ou outro banco
lhe oferecer uma daquelas quantias absurdas, irresistíveis?
Salles- Vou me sentir muito lisonjeado. Mas não acho que o
grande objetivo na vida seja o de
maximizar o patrimônio. O Unibanco tem 76 anos e existe aqui
um projeto de construir uma empresa de excelência. Eu faço parte
da terceira geração que persegue
esse ideal, que é sempre redefinido. Para isso tenho total apoio de
minha família. Não está nos nossos planos trocar todo esse trabalho por um cheque, por mais sedutor que ele possa ser. Naturalmente, é importante sempre se
perguntar se as condições para se
tocar o projeto para a frente continuam existindo e se a sua presença contribui para tal. Se a resposta
for sim, estaremos criando valor
-não apenas patrimônio- e o
esforço terá feito sentido.
Folha - Desde quando o senhor
está no banco?
Salles - Vim para o banco em
1989. E tive, assim, a sorte de presenciar e participar do grande
processo de crescimento que o
banco teve ao longo da década de
90, um período de enormes mudanças e desafios. Se for feito um
apanhado do desempenho do
banco nesses anos, conclui-se que
seu crescimento relativo foi muito
grande, talvez o maior de todos.
Basta ver que, hoje, o banco está
muito mais próximo do Bradesco
e do Itaú do que há dez anos, por
qualquer critério que se queira
usar -ativos totais, carteira de
crédito, recursos administrados
ou patrimônio líquido. No início
da década passada, havia dois
bancos privados na frente de todo
mundo, o Bradesco e o Itaú, e cinco no segundo pelotão, que eram
Nacional, Unibanco, Real, Bamerindus e Econômico. Demos partida no processo de consolidação
desse pelotão intermediário em
1995, ao comprarmos o Nacional.
Na sequência, os outros três foram adquiridos por bancos estrangeiros. Bradesco e Itaú também se mexeram, de forma competente, comprando instituições
públicas e privadas. Passados dez
anos, eles mantiveram as primeiras posições. Mas conseguimos
diminuir as distâncias por uma
ordem de magnitude e mudamos
de pelotão. O Unibanco teve um
enorme sucesso nesta década.
Agora, daqui para a frente, é a briga do crescimento orgânico, é
guerra de trincheira.
Folha - O Unibanco poderia comprar mais alguma instituição?
Salles- Sempre existirão oportunidades. Mas as instituições que,
de fato, fariam a diferença, trazendo ganhos de escala significativos,
não estão mais disponíveis. Aquilo que, em ultima instância, traz o
verdadeiro ganho de escala é base
de clientes. Não há mais bancos
com um ou dois milhões de clientes à venda. Pelo menos, eu não
consigo enxergar. A última grande chance foi mesmo o Banespa.
Mas não se cresce apenas comprando agências bancárias. Existem clientes em outros lugares...
Folha - E por que o Unibanco não
comprou o Banespa?
Salles - Porque apareceu alguém
com um cheque R$ 5 bilhões mais
alto. Por outro lado, acho que se
criou na mídia uma falsa expectativa quanto ao real interesse dos
competidores. O risco percebido
na "operação Banespa" sempre
foi bastante alto. Tanto que, dos
nove bancos interessados originalmente, somente três compareceram ao leilão.
Folha - Como o senhor vê o Brasil,
agora?
Salles- O Brasil tem uma real
possibilidade de entrar numa rota
de crescimento sustentável. Depende, como sempre, de um pouco de sorte nas condições externas. A Argentina é um fator de
preocupação importante, assim
como o comportamento do preço
do petróleo, a intensidade da desaceleração econômica dos Estados Unidos, o comportamento
das Bolsas de Valores etc.. Mesmo
assim, acredito que o país possa
crescer 4,5% no ano que vem. Não
é o ideal. O Brasil precisa crescer
mais. Mas, para isso, precisamos
tratar dos problemas estruturais
que afligem o país. E aqui a sorte
nada tem a ver com isso. São os
suspeitos de sempre: a reforma
fiscal, a reforma previdenciária, a
reforma trabalhista, a reforma
partidária, enfim, tudo aquilo que
a gente já sabe.
Folha - Há também outro ponto
importante. As taxas de juros. O
Brasil não precisa reduzir significativamente os juros para crescer ?
Salles - Para os juros caírem
substancialmente, o Brasil precisa
fazer as reformas necessárias, o
que por sua vez contribuiria muito para uma melhor percepção
dos mercados a respeito do Brasil.
Quer a gente goste ou não, as taxas de juros embutem o chamado
risco Brasil, que ainda é muito elevado. Na medida que essas coisas
melhorarem, os juros cairão naturalmente. Os juros não decorrem
de um desvio genético das autoridades econômicas, o cromossoma do viés de alta. Basta querer
olhar: as taxas de juros vêm caindo e a tendência é que o processo
continue.
Folha - Os bancos torcem para
quê? Para a queda dos juros ou para que eles sigam elevados?
Salles- Na medida em que os juros caem, as carteiras de crédito
sobem e a inadimplência diminui.
Isso contribui para a saúde e a estabilidade do sistema financeiro.
Portanto nós queremos que os juros caiam. E junto com eles, a famosa cunha fiscal, que gera distorções alocativas sérias.
Folha - Durante muito tempo, os
bancos ganharam dinheiro em cima da incompetência do governo
em administrar suas contas. Hoje,
esse cenário mudou? Os bancos
voltaram a exercer sua principal
função, que é a de emprestar dinheiro?
Salles- Tome o exemplo do Unibanco. O banco tem R$ 20 bilhões
em crédito, para um patrimônio
de R$ 5 bilhões. Trata-se de um
número relevante. E nosso objetivo é crescer mais. A fase em que se
ganhou muito dinheiro com o
"float" das aplicações, em função
das elevadas taxas de inflação,
acabou faz tempo. É bom lembrar
que, já antes do final do período
inflacionário, os ganhos de "float"
diminuíram muito com a elevação dos recolhimentos compulsórios. O governo chegou a fixar em
100% o compulsório sobre os depósitos à vista. Hoje, estão em
45%, um percentual ainda muito
alto. Mas o BC tem dito que esse
percentual irá para patamares
mais civilizados.
Folha - O senhor gosta de cinema,
ou só seus irmãos, Walter e João?
Salles - (Risos) Adoro. O Waltinho sabe que eu entendo muito
mais de cinema do que ele. Mas
ele até que leva jeito... O filme que
ele está fazendo agora é lindo.
Acho que vai ser um estouro. E os
documentários do João são estupendos. Como você vê, sou absolutamente imparcial.
Folha - Qual é o filme do Walter?
Salles - Chama-se "Abril Despedaçado", inspirado num livro do
escritor albanês Ismail Kadaré. É
um filme adaptado à realidade do
Nordeste brasileiro. Waltinho ficou três meses filmando no sertão. Eu passei um final de semana
no set de filmagem e fiquei impressionado com o trabalho. E fazia 40º C à sombra!
Folha - O senhor acompanha o
trabalho de seus irmãos?
Salles - Claro. Eu tenho a maior
admiração pelo que eles fazem e,
vez ou outra, uma ponta de inveja.
Agora mesmo, estou indo para
São Petersburgo para assistir uma
apresentação do pianista Nelson
Freire. Meu irmão João está preparando um documentário sobre
a vida dele e eu vou lá assistir a
gravação dos concertos. Depois,
vamos juntos ao Camboja e à Tailândia. Estou saindo de férias.
Voltando à sua primeira pergunta, mesmo que me liguem do velho continente, não vai ter ninguém para atender o telefone.
Volto em janeiro para continuar
um trabalho que divido com gente muito boa de continuar construindo uma das melhores empresas deste país.
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