São Paulo, domingo, 25 de dezembro de 2005

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

O custo do arbítrio auto-suficiente

LUCIANO COUTINHO

O ano de 2005 termina com resultados macroeconômicos bisonhos, aquém das promessas e das expectativas: crescimento magro do PIB (Produto Interno Bruto), dívida mobiliária inflada, câmbio superapreciado, investimentos prejudicados. Essa mediocridade foi provocada, como sabemos, pela política de juros reais muito altos que o Banco Central perseguiu desde o ano passado. A causa remonta a decisões pouco sensatas tomadas em 2003 e 2004.
Vejamos. Em meados de 2003, o Copom reviu as metas de inflação para 2004 e 2005, posto que as metas originais haviam sido inviabilizadas pela crise cambial de 2002, que empurrou o câmbio para perto de R$ 4 por dólar. Por causa dessa pressão, as expectativas do mercado quanto à inflação pelo IPCA para 2003 situavam-se ao redor de 11% (o Copom mirava 8,5%). Pois bem, apesar disso foram fixadas metas superambiciosas de 5,5% e 4,5%, respectivamente, para 2004 e 2005. Seria prudente ter estabelecido metas mais realistas e factíveis (digamos, de 6,5% e 5,5%).
Ao longo do primeiro semestre de 2004, um forte choque externo de preços de commodities (cerca de 45% de aumento), provocado pelo superaquecimento da economia mundial (notadamente da China), acirrou as pressões sobre a inflação brasileira. Teria sido inteligente se, na reunião de revisão das metas, em junho de 2004, o Copom reavaliasse a de 2005.
Mas, apesar das advertências, prevaleceu o voluntarismo míope -e a meta continuou irrealisticamente fixada em 4,5%. Como essa logo ficou inatingível, foi feito um ajuste (insuficiente) para 5,1%. Para correr atrás de um resultado que não desmoralizasse esse objetivo, o BC escalou a taxa real de juros para 14% ao ano, e a manteve por vários meses em 2005, provocando superapreciação cambial nociva e desaceleração econômica. A relação da dívida mobiliária/PIB, que havia caído auspiciosamente de 52% para 46% entre meados de 2002 e final de 2004, voltou a subir, inchada pela taxa Selic, situando-se hoje em 52% do PIB. Só não subiu mais porque o Tesouro Nacional intensificou o superávit primário (executou 6% do PIB de janeiro a setembro) contendo o nível desejado de investimento público, com evidente desgaste político.
O custo da incompetência do Copom está aí, inegável: no plano fiscal, cerca de 2,2 pontos percentuais do PIB em encargos adicionais de juros (a bagatela de R$ 42 bilhões!); no plano econômico, uma taxa de crescimento anêmica, com sacrifício de decisões de investimento. A conclusão é que o regime de metas de inflação precisa urgentemente ser aperfeiçoado. A fixação das metas requer discussão técnica muito mais profunda e transparente.
Já é hora de utilizar como medida o "núcleo" e não a inflação "cheia". Enfim, no que tange ao funcionamento do Copom/BC, a sociedade não pode mais continuar refém de um arranjo institucional mal-ajambrado, em que convivem falta de independência formal com arbítrio informal, auto-suficiente e sem responsabilização por erros onerosos que poderiam ter sido evitados.


Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e Tecnologia (1985-88).

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