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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
O custo do arbítrio auto-suficiente
LUCIANO COUTINHO
O ano de 2005 termina com
resultados macroeconômicos
bisonhos, aquém das promessas e
das expectativas: crescimento magro do PIB (Produto Interno Bruto), dívida mobiliária inflada,
câmbio superapreciado, investimentos prejudicados. Essa mediocridade foi provocada, como sabemos, pela política de juros reais
muito altos que o Banco Central
perseguiu desde o ano passado. A
causa remonta a decisões pouco
sensatas tomadas em 2003 e 2004.
Vejamos. Em meados de 2003, o
Copom reviu as metas de inflação
para 2004 e 2005, posto que as metas originais haviam sido inviabilizadas pela crise cambial de 2002,
que empurrou o câmbio para perto
de R$ 4 por dólar. Por causa dessa
pressão, as expectativas do mercado quanto à inflação pelo IPCA
para 2003 situavam-se ao redor de
11% (o Copom mirava 8,5%). Pois
bem, apesar disso foram fixadas
metas superambiciosas de 5,5% e
4,5%, respectivamente, para 2004 e
2005. Seria prudente ter estabelecido metas mais realistas e factíveis
(digamos, de 6,5% e 5,5%).
Ao longo do primeiro semestre de
2004, um forte choque externo de
preços de commodities (cerca de
45% de aumento), provocado pelo
superaquecimento da economia
mundial (notadamente da China),
acirrou as pressões sobre a inflação
brasileira. Teria sido inteligente se,
na reunião de revisão das metas,
em junho de 2004, o Copom reavaliasse a de 2005.
Mas, apesar das advertências,
prevaleceu o voluntarismo míope
-e a meta continuou irrealisticamente fixada em 4,5%. Como essa
logo ficou inatingível, foi feito um
ajuste (insuficiente) para 5,1%. Para correr atrás de um resultado que
não desmoralizasse esse objetivo, o
BC escalou a taxa real de juros para 14% ao ano, e a manteve por vários meses em 2005, provocando
superapreciação cambial nociva e
desaceleração econômica. A relação da dívida mobiliária/PIB, que
havia caído auspiciosamente de
52% para 46% entre meados de
2002 e final de 2004, voltou a subir,
inchada pela taxa Selic, situando-se hoje em 52% do PIB. Só não subiu mais porque o Tesouro Nacional intensificou o superávit primário (executou 6% do PIB de janeiro
a setembro) contendo o nível desejado de investimento público, com
evidente desgaste político.
O custo da incompetência do Copom está aí, inegável: no plano fiscal, cerca de 2,2 pontos percentuais
do PIB em encargos adicionais de
juros (a bagatela de R$ 42 bilhões!); no plano econômico, uma
taxa de crescimento anêmica, com
sacrifício de decisões de investimento. A conclusão é que o regime
de metas de inflação precisa urgentemente ser aperfeiçoado. A fixação das metas requer discussão técnica muito mais profunda e transparente.
Já é hora de utilizar como medida o "núcleo" e não a inflação
"cheia". Enfim, no que tange ao
funcionamento do Copom/BC, a
sociedade não pode mais continuar refém de um arranjo institucional mal-ajambrado, em que
convivem falta de independência
formal com arbítrio informal, auto-suficiente e sem responsabilização por erros onerosos que poderiam ter sido evitados.
Luciano Coutinho, 54, é professor titular
do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi
secretário-geral do Ministério da Ciência
e Tecnologia (1985-88).
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