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MARCOS CINTRA
"Simples", uma superconfusão
A tarefa de formulação de
um novo sistema tributário simplificado não é tarefa para tecnocratas da Receita
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"É possível enganar gente demais, por tempo demais" (James Thurber, 1945)
UM ESCORPIÃO era transportado a nado nas costas de uma
rã. Durante a travessia ela foi
ferroada, e ambos morreram. Da
mesma forma, os burocratas também não conseguem resistir à sua
natureza: tendem a enfeitar tanto a
boneca que sempre acabam criando
monstros. Isso acontece com o Simples. Quando foi instituído, em 1997,
o sistema simplificado de tributação
das micro e pequenas empresas ajudou a fomentar o crescimento, a
combater a informalidade e a coibir
a evasão de impostos naquelas empresas, atoladas na complexidade e
na brutalidade do sistema tributário
convencional brasileiro. Foi um caminho inovador pelo qual se imaginava que iriam trilhar as reformas
que se tornavam inadiáveis.
Infelizmente, em vez de o Simples
inocular a tributação com os germes
da simplicidade, da transparência e
da universalidade, valeu a Lei de
Murphy, e ocorreu o inverso. O novo
Simples, chamado de Supersimples,
foi infectado pelos agressivos vibriões da burocracia, da complexidade, da arrogância governamental
e do detalhismo tecnocrático.
O que deveria ser reto ficou incrivelmente tortuoso, cheio de meandros e desvios. O Simples perdeu o
charme, e seguirá, com certeza, a
mesma trágica seqüência que tornou o tão desejado PIS/Cofins não-cumulativo um emaranhado incompreensível de regras, de exceções e
de casos especiais que seus antigos
defensores conceituais acabaram se
tornando ardorosos pleiteantes da
antiga cumulatividade.
O Supersimples tornou-se complexo demais para um regime de tributação simplificado. Isso poderá
induzir as micro e pequenas empresas a optarem por voltar aos mecanismos convencionais do lucro presumido e até mesmo do lucro real,
ou pior, à informalidade.
A quantidade de faixas de alíquotas dobrou de 10 para 20; a alíquota
máxima do primeiro Simples, de
10% sobre o faturamento, quase dobrou para 17,42%; há cinco tabelas
de alíquotas, várias opções de enquadramento que dependem de relações entre folha de salários e receita bruta, deduções, compensações e
acréscimos vinculados a regimes tributários diferenciados; continuam
excluídos do sistema dez tributos
importantes, como o IOF, a CPMF,
o ICMS de substituição tributária e
sobre importação na entrada, nos
Estados, de petróleo e energia elétrica, e o ISS em regime de substituição
tributária; a receita de exportação
deverá ser computada separadamente, bem como o ICMS de substituição para posterior dedução do Supersimples; haverá necessidade
de cálculos separados de tipos de receitas e da apresentação de declarações periódicas; as empresas ficarão
sujeitas a três esferas de fiscalização... Enfim, são 89 artigos e centenas de parágrafos e alíneas de simples e generalizada confusão.
Um exemplo ilustra as inconsistências do Supersimples: aplica-se a
alíquota de 12% para uma indústria
com receita bruta anual de R$ 2,4
milhões (isentando-a da contribuição ao INSS), mas, paradoxalmente,
exige-se de uma microempresa
prestadora de serviços, com alguns
poucos funcionários e faturamento
de R$ 120 mil (receita equivalente a
5% daquela), uma alíquota de 15%,
acrescida da contribuição ao INSS e
do recolhimento do ISS, se devido.
Certamente haverá justificativas
tecnocráticas para todo esse absurdo pandemônio normativo. Mas esquecem os técnicos de que o excessivo "fine tuning" é incompatível com
a filosofia que deveria nortear o Supersimples. O emaranhado legislativo e a falta de transparência são de
tal monta que se tornou necessária a
criação de um Comitê Gestor faz-de-tudo, com prazo de seis meses
para, em vôo cego, tornar o sistema
aplicável. O recurso ao Judiciário
com certeza passará a povoar as histórias do Supersimples, aumentando o "custo Brasil".
O bom senso e a experiência recomendam que a tarefa de formulação
de um novo sistema tributário simplificado não é tarefa para tecnocratas da Receita, que deveriam ser responsáveis apenas por sua aplicação.
Trata-se de instrumento de desenvolvimento, e não de arrecadação.
O mais incrível é que o projeto do
Supersimples foi aprovado pela virtual unanimidade dos parlamentares, que, ao que parece, não atentaram para os desatinos cometidos pela burocracia fiscal brasileira. Provavelmente, estavam ocupados demais engendrando fórmulas para
aumentar seus salários.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 60,
doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular
e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a
cada 15 dias, nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
mcintra@marcoscintra.org
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