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São Paulo, domingo, 26 de janeiro de 2003

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COMÉRCIO EXTERIOR

País amplia transações com o mercado mais populoso do planeta, mas corre o risco de transferir tecnologia

Negócio na China seduz e expõe Brasil a armadilhas

CÍNTIA CARDOSO
JOSÉ ALAN DIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

Mais 1,2 bilhão de potenciais consumidores, taxa de crescimento do PIB de 8% ao ano na última década. A despeito das enormes oportunidades, a intensificação do comércio com a China esconde armadilhas para o Brasil.
De acordo com a Secex (Secretaria de Comércio Exterior), de janeiro a novembro do ano passado o Brasil exportou US$ 2,348 bilhões para a China. O total é 11% maior do que as vendas brasileiras ao Oriente Médio (US$ 2,120 bilhões no mesmo período) e apenas 29% menos que os US$ 2,994 bilhões obtidos no comércio com o Mercosul.
""A população chinesa é toda de consumidores, no sentido básico de que todos demandam produtos e serviços. Essa é a razão pela qual a China representa um mercado com tanto apelo", disse à Folha James Dorn, do Cato, centro de pesquisas econômicas baseado em Washington (EUA).
O Politburo (a cúpula do Partido Comunista) privilegia a formação de joint ventures entre empresas estrangeiras e chinesas. Mas, segundo Durval Noronha, sócio do único escritório de advocacia brasileiro na China, há uma lista de setores nos quais empresas estrangeiras podem se estabelecer de forma independente.

Comércio orientado
"As compras na China são "orientadas"", argumenta José Augusto de Castro, diretor da AEB (Associação dos Exportadores de Brasil). ""É política comercial chinesa importar produtos in natura e processar internamente para estimular a produção local e dar emprego a todos", completa.
As exportações do complexo soja ilustram essa circunstância. Dados da Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais) mostram que, em 1995, a China importou quase 1 milhão de toneladas de óleo de soja. A partir do ano seguinte, porém, as importações do produto declinaram -chegaram a 17 mil toneladas em 2001- em favor da importação de soja em grão. Para a associação, esse movimento foi consequência da política chinesa, cujo centro é o incentivo da industrialização local com importação de insumos básicos.
No ano passado, a pauta de exportações brasileiras para o país concentrou-se, justamente, em matérias-primas para transformação nas indústrias chinesa: soja em grão e minério de ferro.
A maior e mais óbvia armadilha é o fato de o que, ao exportar tecnologia para a China, o Brasil termine por armar um concorrente.
"A transferência de tecnologia é uma faca de dois gumes. O Brasil pode acabar sendo deixado para trás", disse Dirceu Coutinho, da Aduaneiras Comércio Exterior.
As vantagens comparativas chinesas, que aliam da educação de boa qualidade e mão-de-obra barata para produzir e para exportar, podem corroer a participação brasileira no mercado mundial.
Essa "armadilha" é parte do jogo do comércio internacional, na avaliação de Antonio Lacerda, presidente da Sobeet (Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais). "Em vez da globalização, a China privilegiou o plano de Estado e usa o tamanho do mercado interno como barganha para atrair investimentos. Para se beneficiar da abertura desse mercado, precisaremos aprender a negociar", afirma.
O economista sustenta que a China é um parceiro indispensável para o Brasil. Aviação, máquinas e equipamentos e, sobretudo, produtos agrícolas são os itens que podem se beneficiar do crescimento da economia chinesa.
Para Antonio Carlos Manfredini, professor da FGV-SP, o intercâmbio tecnológico para a China não representa ameaça iminente. "O Brasil faz bem em exportar tecnologia. Se o Brasil não fizer isso, outro país vai ocupar esse espaço. O importante é não deixar de lado o investimento em tecnologia e educação. Se o Brasil abandonar essas áreas, aí sim estará correndo perigo", argumenta.

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