São Paulo, domingo, 26 de março de 2006

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Pragmatismo ameaçado

ALOIZIO MERCADANTE

Para o observador imparcial, as políticas externa e de comércio exterior são grandes destaques do governo Lula. Tal fato é reconhecido no exterior, onde a avaliação dos formadores de opinião sobre o novo protagonismo internacional do Brasil é, em geral, muito positiva.
No plano interno, contudo, alguns teimam em ignorar as realizações marcantes dessas políticas, como a geração de superávit comercial de US$ 103 bilhões em apenas três anos, que contrasta vivamente com os US$ 8,7 bilhões de déficit deixados, em oito anos, pela administração anterior. Mas, além de ignorar fatos, os críticos da nova política externa brasileira esmeram-se em elucubrações ideológicas que nada têm a ver com o pragmatismo racional da nossa diplomacia.
Isso é evidente nas discussões sobre a Alca. Com efeito, alguns, tomados por desvario típico dos idos da guerra-fria, vêem a atitude firme do governo brasileiro em relação às negociações da Alca como sintoma de "terceiro-mundismo" e "antiamericanismo". Ora, a atitude do governo Lula de propor alternativa light ao modelo da Alca ampla norte-americana nada tem de ideológica. Ela é resposta realista à ênfase posta, pelos EUA, em temas que poderiam dificultar a nossa capacidade de implementar política de desenvolvimento, como propriedade intelectual e compras governamentais, por exemplo. Ademais, a Alca, tal como vinha sendo negociada pelo governo anterior, não contemplava satisfatoriamente nossos interesses no que tange à conquista de novos mercados, pois as autoridades norte-americanas se negavam, e ainda se negam, a ceder em subsídios agrícolas e antidumping, principais mecanismos que entravam a entrada de produtos brasileiros no mercado dos Estados Unidos.
Na realidade, a ideologia está do outro lado. Ela está do lado daqueles que crêem, ingenuamente, que a retomada das negociações da Alca ampla poderia trazer vantagens para o Brasil. Basta ler o texto da TPA (Trade Promotion Authority) para se convencer do contrário. Esse mandato negociador aprovado no Congresso dos EUA veda concessões significativas em temas do interesse brasileiro, além de ter colocado, na lista de "produtos sensíveis", itens que estão entre os nossos principais bens de exportação, como suco de laranja, aço e carnes, por exemplo. Saliente-se que estudo elaborado pelo Ipea, que não levou em consideração todas as barreiras não-tarifárias impostas na TPA, demonstra que a liberação do comércio bilateral Brasil/EUA resultaria em aumento de apenas US$ 1,2 bilhão nas nossas exportações, mas em alta de US$ 2,2 bilhões nas importações. Um déficit de US$ 1 bilhão.
Evidentemente, é do interesse do Brasil aumentar o intercâmbio bilateral com aquele país, uma vez que os Estados Unidos importam muito mais do que qualquer outra nação e as nossas exportações para o gigantesco mercado norte-americano estão bem abaixo do seu potencial. Porém, esse esforço desejável de incremento do comércio bilateral não pode assentar-se em miragens livre-cambistas que nos levaram, em passado recente, a cambiar superávits e soberania por déficits e dependência.


Aloizio Mercadante, 51, é economista e professor licenciado da PUC e da Unicamp, senador por São Paulo e líder do governo no Senado Federal.
Internet: www.mercadante.com.br
E-mail -
mercadante@mercadante.com.br


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