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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Pragmatismo ameaçado
ALOIZIO MERCADANTE
Para o observador imparcial,
as políticas externa e de comércio exterior são grandes destaques do governo Lula. Tal fato é
reconhecido no exterior, onde a
avaliação dos formadores de opinião sobre o novo protagonismo
internacional do Brasil é, em geral, muito positiva.
No plano interno, contudo, alguns teimam em ignorar as realizações marcantes dessas políticas,
como a geração de superávit comercial de US$ 103 bilhões em
apenas três anos, que contrasta
vivamente com os US$ 8,7 bilhões
de déficit deixados, em oito anos,
pela administração anterior.
Mas, além de ignorar fatos, os críticos da nova política externa
brasileira esmeram-se em elucubrações ideológicas que nada têm
a ver com o pragmatismo racional da nossa diplomacia.
Isso é evidente nas discussões
sobre a Alca. Com efeito, alguns,
tomados por desvario típico dos
idos da guerra-fria, vêem a atitude firme do governo brasileiro em
relação às negociações da Alca
como sintoma de "terceiro-mundismo" e "antiamericanismo".
Ora, a atitude do governo Lula de
propor alternativa light ao modelo da Alca ampla norte-americana nada tem de ideológica. Ela é
resposta realista à ênfase posta,
pelos EUA, em temas que poderiam dificultar a nossa capacidade de implementar política de desenvolvimento, como propriedade intelectual e compras governamentais, por exemplo. Ademais, a
Alca, tal como vinha sendo negociada pelo governo anterior, não
contemplava satisfatoriamente
nossos interesses no que tange à
conquista de novos mercados,
pois as autoridades norte-americanas se negavam, e ainda se negam, a ceder em subsídios agrícolas e antidumping, principais mecanismos que entravam a entrada de produtos brasileiros no
mercado dos Estados Unidos.
Na realidade, a ideologia está
do outro lado. Ela está do lado
daqueles que crêem, ingenuamente, que a retomada das negociações da Alca ampla poderia
trazer vantagens para o Brasil.
Basta ler o texto da TPA (Trade
Promotion Authority) para se
convencer do contrário. Esse
mandato negociador aprovado
no Congresso dos EUA veda concessões significativas em temas do
interesse brasileiro, além de ter
colocado, na lista de "produtos
sensíveis", itens que estão entre os
nossos principais bens de exportação, como suco de laranja, aço e
carnes, por exemplo. Saliente-se
que estudo elaborado pelo Ipea,
que não levou em consideração
todas as barreiras não-tarifárias
impostas na TPA, demonstra que
a liberação do comércio bilateral
Brasil/EUA resultaria em aumento de apenas US$ 1,2 bilhão nas
nossas exportações, mas em alta
de US$ 2,2 bilhões nas importações. Um déficit de US$ 1 bilhão.
Evidentemente, é do interesse
do Brasil aumentar o intercâmbio bilateral com aquele país,
uma vez que os Estados Unidos
importam muito mais do que
qualquer outra nação e as nossas
exportações para o gigantesco
mercado norte-americano estão
bem abaixo do seu potencial. Porém, esse esforço desejável de incremento do comércio bilateral
não pode assentar-se em miragens livre-cambistas que nos levaram, em passado recente, a cambiar superávits e soberania por
déficits e dependência.
Aloizio Mercadante, 51, é economista e
professor licenciado da PUC e da Unicamp, senador por São Paulo e líder do
governo no Senado Federal.
Internet: www.mercadante.com.br
E-mail -
mercadante@mercadante.com.br
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