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(DES)INTEGRAÇÃO
Ameaça de acordos com EUA e tensão entre vizinhos prejudicam bloco
Mercosul chega aos 15
anos em crise e sem festa
CLÁUDIA DIANNI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O Mercosul completa 15 anos
hoje sem clima para baile de debutante. O aniversário do bloco
coincide com mais uma da reincidentes crises. A disputa entre Argentina e Uruguai por causa da
instalação de duas fábricas de papel na fronteira e a insatisfação do
Uruguai e do Paraguai com o domínio dos sócios maiores, Brasil e
Argentina, no processo de integração malograram os planos de
comemorar a data.
A avaliação dos governos é que
o bloco chegou a um ponto em
que terá de fazer uma opção: ou
promove profundo aperfeiçoamento do ordenamento jurídico e
institucional, o que implica certa
perda de soberania, ou fica estagnado e pode até retroceder comercialmente, já que os países,
principalmente os pequenos, precisam buscar novos mercados.
A última ameaça veio do Uruguai. Com população de 3,3 milhões de habitantes e pouca diversidade industrial, em tempos de
crise a associação ao Mercosul parece mais uma condenação para o
Uruguai do que uma opção.
No ano passado, as exportações
do sócio para o Brasil cresceram
27%, mas o país acumulou déficit
de US$ 355 milhões. O vizinho
quer mais acesso ao mercado dos
sócios e mais investimentos.
Com pouco poder de barganha
para negociar com os EUA, com
quem ameaça assinar sozinho
acordo de livre comércio, o que
não é permitido no Mercosul, o
governo uruguaio escolheu a estratégia de dar uma martelada no
ferro e outra na ferradura.
Enquanto o pragmático ministro da Economia, Danilo Astori,
admite que o país quer mais comércio com os americanos e não
descarta um acordo, o presidente
Tabaré Vazquez e seu chanceler,
Reinaldo Gargano, sopram a
mordida e defendem o Mercosul.
O que Astori defende é que os
sócios menores possam assinar
acordos bilaterais com outros países, sem prejuízo à sua participação no Mercosul. Na semana passada, ele disse ao jornal "Financial
Times" que o bloco vive sua pior
crise e creditou isso ao bilateralismo entre Brasil e Argentina.
O lado mais diplomático do governo contemporiza. "O Mercosul não vive sua pior fase. Tivemos crescimento regional do comércio enorme, mas todos passamos por crises internas. É preciso
aprofundar a integração e internalizar as normas, avançar no
processo jurídico e não restringir
a integração apenas ao comércio,
mas a investimentos, temas macroeconômicos e aduaneiros", diz
o embaixador do Uruguai no Brasil, Pedro Humberto Vaz Ramela.
Comércio quadruplica
Em 15 anos de integração, o comércio entre os países mais que
quadruplicou. A corrente comercial saltou de US$ 8,2 bilhões em
1990 para US$ 34,2 bilhões em
2004, apesar dos sobressaltos no
caminho, como os choques externos 1997 e 1998 e a debacle econômica da Argentina em 2002.
Mas os avanços não foram muito além do aumento do comércio.
A união aduaneira não funciona,
e isso significa muito para o investidor. Brasil, Argentina, Uruguai e
Paraguai ainda não têm política
comercial comum nem regras
iguais nas aduanas, e produtos
que entram por um porto do bloco voltam a pagar imposto de importação quando cruzam fronteiras dentro do Mercosul. Uma
união aduaneira serve, entre outras coisas, para acabar com isso.
O Paraguai é outro que não vê
motivos para comemoração. Recentemente, o país também
ameaçou recorrer aos EUA, ao
oferecer território para a instalação de uma base militar americana em troca de acordo comercial.
Agora, o país também quer ter direito a aplicar salvaguardas.
O Brasil ofereceu a construção
de uma nova ponte da Amizade
na fronteira e aumentou o preço
pago pela energia que consome
produzida pelo lado paraguaio de
Itaipu, o que amenizou críticas.
País mais pobre do bloco, o Paraguai tem déficit comercial com
os sócios e também quer mais
acesso ao mercado brasileiro.
De acordo com o embaixador
Luis Gonzalez Arias, os caminhões paraguaios chegam a ficar
30 dias parados na fronteira com
o Brasil e com a Argentina por
causa de normas técnicas.
O problema, segundo o governo
brasileiro, é falta de harmonização de regras que poderiam evitar
esses prejuízos, que ficam com os
produtores para não serem transferidos aos consumidores.
A harmonização e o cumprimento de regras dependem justamente do fortalecimento jurídico
e institucional do bloco.
Muitos passos já foram dados,
mas não cumpridos. O Mercosul
tem mais de mil normas que foram aprovadas ao longo desses 15
anos, mas não saem do papel porque as normativas não foram internalizadas pelos países. A maior
parte fica parada nos Congressos.
"O maior problema são as assimetrias jurídicas. As leis do Mercosul não têm valor igual nos países. No Brasil e no Uruguai, a
prioridade é para as leis nacionais,
mas na Argentina as regras do
bloco valem mais do que as nacionais", afirma o embaixador argentino, Juan Pablo Lohle.
Uma das principais reivindicações da Argentina são normas para os investimentos. "É preciso ter
regras, caso contrário os investimentos sempre vão querer se fixar no país maior. O país que recebe investimentos poderia dividir a produção com outro ou se
tornar um sócio fornecedor de
matéria-prima. Isso é o que a AmBev está fazendo no Uruguai, por
exemplo, mas é resultado do planejamento da empresa, não de
políticas públicas coordenadas
dos governos para integrar a produção, como deveria ocorrer."
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