São Paulo, domingo, 26 de março de 2006

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(DES)INTEGRAÇÃO

Ameaça de acordos com EUA e tensão entre vizinhos prejudicam bloco

Mercosul chega aos 15 anos em crise e sem festa


CLÁUDIA DIANNI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O Mercosul completa 15 anos hoje sem clima para baile de debutante. O aniversário do bloco coincide com mais uma da reincidentes crises. A disputa entre Argentina e Uruguai por causa da instalação de duas fábricas de papel na fronteira e a insatisfação do Uruguai e do Paraguai com o domínio dos sócios maiores, Brasil e Argentina, no processo de integração malograram os planos de comemorar a data.
A avaliação dos governos é que o bloco chegou a um ponto em que terá de fazer uma opção: ou promove profundo aperfeiçoamento do ordenamento jurídico e institucional, o que implica certa perda de soberania, ou fica estagnado e pode até retroceder comercialmente, já que os países, principalmente os pequenos, precisam buscar novos mercados.
A última ameaça veio do Uruguai. Com população de 3,3 milhões de habitantes e pouca diversidade industrial, em tempos de crise a associação ao Mercosul parece mais uma condenação para o Uruguai do que uma opção.
No ano passado, as exportações do sócio para o Brasil cresceram 27%, mas o país acumulou déficit de US$ 355 milhões. O vizinho quer mais acesso ao mercado dos sócios e mais investimentos.
Com pouco poder de barganha para negociar com os EUA, com quem ameaça assinar sozinho acordo de livre comércio, o que não é permitido no Mercosul, o governo uruguaio escolheu a estratégia de dar uma martelada no ferro e outra na ferradura.
Enquanto o pragmático ministro da Economia, Danilo Astori, admite que o país quer mais comércio com os americanos e não descarta um acordo, o presidente Tabaré Vazquez e seu chanceler, Reinaldo Gargano, sopram a mordida e defendem o Mercosul.
O que Astori defende é que os sócios menores possam assinar acordos bilaterais com outros países, sem prejuízo à sua participação no Mercosul. Na semana passada, ele disse ao jornal "Financial Times" que o bloco vive sua pior crise e creditou isso ao bilateralismo entre Brasil e Argentina.
O lado mais diplomático do governo contemporiza. "O Mercosul não vive sua pior fase. Tivemos crescimento regional do comércio enorme, mas todos passamos por crises internas. É preciso aprofundar a integração e internalizar as normas, avançar no processo jurídico e não restringir a integração apenas ao comércio, mas a investimentos, temas macroeconômicos e aduaneiros", diz o embaixador do Uruguai no Brasil, Pedro Humberto Vaz Ramela.

Comércio quadruplica
Em 15 anos de integração, o comércio entre os países mais que quadruplicou. A corrente comercial saltou de US$ 8,2 bilhões em 1990 para US$ 34,2 bilhões em 2004, apesar dos sobressaltos no caminho, como os choques externos 1997 e 1998 e a debacle econômica da Argentina em 2002.
Mas os avanços não foram muito além do aumento do comércio. A união aduaneira não funciona, e isso significa muito para o investidor. Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai ainda não têm política comercial comum nem regras iguais nas aduanas, e produtos que entram por um porto do bloco voltam a pagar imposto de importação quando cruzam fronteiras dentro do Mercosul. Uma união aduaneira serve, entre outras coisas, para acabar com isso.
O Paraguai é outro que não vê motivos para comemoração. Recentemente, o país também ameaçou recorrer aos EUA, ao oferecer território para a instalação de uma base militar americana em troca de acordo comercial. Agora, o país também quer ter direito a aplicar salvaguardas.
O Brasil ofereceu a construção de uma nova ponte da Amizade na fronteira e aumentou o preço pago pela energia que consome produzida pelo lado paraguaio de Itaipu, o que amenizou críticas.
País mais pobre do bloco, o Paraguai tem déficit comercial com os sócios e também quer mais acesso ao mercado brasileiro.
De acordo com o embaixador Luis Gonzalez Arias, os caminhões paraguaios chegam a ficar 30 dias parados na fronteira com o Brasil e com a Argentina por causa de normas técnicas.
O problema, segundo o governo brasileiro, é falta de harmonização de regras que poderiam evitar esses prejuízos, que ficam com os produtores para não serem transferidos aos consumidores.
A harmonização e o cumprimento de regras dependem justamente do fortalecimento jurídico e institucional do bloco.
Muitos passos já foram dados, mas não cumpridos. O Mercosul tem mais de mil normas que foram aprovadas ao longo desses 15 anos, mas não saem do papel porque as normativas não foram internalizadas pelos países. A maior parte fica parada nos Congressos.
"O maior problema são as assimetrias jurídicas. As leis do Mercosul não têm valor igual nos países. No Brasil e no Uruguai, a prioridade é para as leis nacionais, mas na Argentina as regras do bloco valem mais do que as nacionais", afirma o embaixador argentino, Juan Pablo Lohle.
Uma das principais reivindicações da Argentina são normas para os investimentos. "É preciso ter regras, caso contrário os investimentos sempre vão querer se fixar no país maior. O país que recebe investimentos poderia dividir a produção com outro ou se tornar um sócio fornecedor de matéria-prima. Isso é o que a AmBev está fazendo no Uruguai, por exemplo, mas é resultado do planejamento da empresa, não de políticas públicas coordenadas dos governos para integrar a produção, como deveria ocorrer."


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