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Cade quer mais rigor contra os cartéis
Presidente do órgão defende projeto de lei de concorrência que prevê punições mais severas em casos de crimes contra a ordem econômica
Em tramitação no Senado, nova legislação deve evitar que o cartel seja tratado como um crime comum, afirma Arthur Badin
JULIO WIZIACK
FÁTIMA FERNANDES
DA REPORTAGEM LOCAL
Arthur Badin, presidente do
Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), diz
que a nova legislação para o
SBDC (Sistema Brasileiro de
Defesa da Concorrência), que
está em discussão no Senado,
deve tornar as punições por
práticas de cartel mais severas.
O novo projeto de lei prevê
impedir uma pessoa acusada
desse crime de suspender o
processo na Justiça em troca de
deixar de fazer cartel e cumprir
penas alternativas. Hoje esse é
um artifício recorrente. "Quando chega à Justiça, o cartel [que
fere a ordem econômica] é tratado como um crime comum.
Não faz sentido que o sujeito
que participou de um cartel
termine o processo penal dando cestas básicas para a igreja
Nossa Senhora do Ó."
Formado pela Faculdade de
Direito da USP, Badin chegou
ao governo com a equipe do ex-ministro da Justiça Márcio
Thomaz Bastos. Foi chefe de
gabinete da SDE (Secretaria de
Direito Econômico) e procurador-geral do Cade de 2006 até
assumir a presidência do órgão,
em novembro passado.
Sua atuação dura como procurador-geral fez com que algumas grandes empresas fizessem lobby contra sua aprovação, por comissão do Senado,
para a presidência do Cade.
Após duas trocas de relatores e
muita pressão, ele acabou aprovado por unanimidade ao cargo. Leia trechos da entrevista.
FOLHA - Até hoje nenhum empresário condenado por crime de cartel
pelo Cade cumpriu pena na prisão. O
projeto de lei vai mudar a situação?
ARTHUR BADIN - O número de
ações penais movidas pelo Ministério Público [Estadual e Federal] contra empresários condenados pelo Cade por prática
de cartel aumentou muito nos
últimos quatro anos. Teve gente presa preventivamente, mas
ninguém cumpriu pena. O novo projeto muda isso porque
acaba com a suspensão condicional do processo na Justiça,
um benefício concedido a
quem cometeu crimes comuns
que poderiam ser resolvidos
com penas alternativas, como a
prestação de serviço à comunidade. Crimes econômicos são
diferentes porque causam prejuízos às pessoas de carne e osso. A consumidora consegue
entender que o preço do feijão
aumentou no supermercado,
mas é difícil explicar para ela
que, quando um cartel funciona, o preço cobrado ao consumidor sobe e alguns deixam de
ter acesso ao produto por causa
disso. No caso de cartéis de serviços de saúde, uma parcela da
população deixa de ter acesso a
medicamentos. Nem os juízes
entendiam esses efeitos.
FOLHA - O Judiciário não conhecia
a diferença entre esses crimes?
BADIN - Tanto a polícia como o
Ministério Público e os magistrados não têm "expertise" em
direito econômico. Esse não é
nem um assunto obrigatório
nas faculdades de direito.
Por isso, a Secretaria de Direito Econômico fez uma espécie de campanha de conscientização com os promotores.
Também decidimos firmar
uma parceria com a polícia e o
Ministério Público sempre que
conduzimos uma investigação.
O Supremo Tribunal Federal
já tem dito que um juiz não pode aceitar acordo proposto pelo
réu se o Ministério Público não
for favorável. Não faz sentido
que o sujeito que participou de
um cartel termine o processo
penal dando cestas básicas para
a igreja Nossa Senhora do Ó.
FOLHA - Haverá prêmio para quem
delatar cartéis?
BADIN - Sim. Hoje a lei garante
isenção da multa administrativa [aplicada pelo Cade] e cancelamento do processo penal
[aberto pelo Ministério Público
na Justiça] a quem pratica cartel e resolve denunciá-lo. Mas
existem brechas para interpretações. Um exemplo: os advogados entendem que um delator que formou quadrilha para
praticar cartel estaria livre do
crime de cartel, mas não têm
certeza se ele seria perdoado
pelo de formação de quadrilha.
O novo projeto deixa tudo claro. Queremos estimular a delação. Por isso, o primeiro que
"tocar a campainha" receberá
isenção de todos os crimes cometidos.
FOLHA - Hoje há uma inversão. Primeiro as empresas anunciam fusões
e aquisições. Depois, comunicam ao
Cade para saber se o negócio ameaça a concorrência. Isso vai mudar?
BADIN- A nova lei prevê que as
empresas anunciem ao Cade
antes de dar início ao negócio.
Isso evita prejuízos para as
companhias e para os consumidores. Quase três anos depois
de anunciar a compra da Garoto, a Nestlé teve de voltar atrás
por uma decisão do Cade.
Quanto mais tempo essas questões levam para serem decididas, pior. Tudo isso representa
custos financeiros para as empresas, que deixam de incorporar ativos; e de reputação para o
Cade, que pode parecer ineficiente. Apesar de ter poder para
impedir essas operações, em
geral, é muito difícil separar a
clara do ovo quando os processos de fusões e aquisições já estão adiantados.
FOLHA - Além dessa inversão, o
que mais será feito para tornar a
atuação do Cade mais eficiente?
BADIN - Duas coisas são fundamentais. Primeiro, vamos contratar mais examinadores [a
meta é ter 200 até 2012]. Hoje
eles são apenas 33, sendo 15 da
Seae [Secretaria de Acompanhamento Econômico], que fazem as instruções dos processos. O problema é que a lei vigente impõe uma via-crúcis ao
processo, que vai e volta para
cerca de oito lugares e recebe
pareceres que, em 97% dos casos, são similares. Isso toma
um tempo incrível. A média hoje de demora para os processos
mais simples de fusões [eles são
cerca de 95% do total] é de 48
dias. Queremos chegar a 20
dias. Além disso, a nova lei pretende "blindar" os investigadores da SDE. Como os conselheiros do Cade, eles deverão ter
mandato, o que impedirá que
sejam demitidos mesmo se tomarem decisões contrárias aos
interesses do governo.
FOLHA - O projeto impede interferência das agências reguladoras em
processos de fusões e aquisições?
BADIN - Hoje a única agência
que conduz uma instrução em
casos contra a concorrência é a
Anatel [Agência Nacional de
Telecomunicações]. Nas demais, quem faz a instrução é a
SDE, do Ministério da Justiça.
O novo projeto acaba com essa
idiossincrasia.
FOLHA - Sua indicação ao Cade teve resistência de empresas que se fizeram representar no Senado contra seu nome. O que achou disso?
BADIN - Não vejo problema na
manifestação contrária de algumas empresas. É bom saber
que existem instituições que
permitem que isso aconteça,
como o Senado. Melhor foi ver
que os senadores aprovaram
minha indicação sem nenhum
voto contrário, procedendo
com Justiça em relação às controvérsias existentes. O senador Pedro Simon (PMDB-RS)
disse que as críticas contra
mim, de ser muito aguerrido,
acabaram justificando minha
aprovação, e não o contrário.
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