São Paulo, domingo, 26 de maio de 2002

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Protecionismo é perverso para a América Latina

RICHARD LAPPER
DO "FINANCIAL TIMES"

Na política, a distância mais curta entre dois pontos nem sempre é uma linha reta. Isso talvez seja uma espécie de clichê, mas é uma explicação prática para os defensores do livre comércio no governo de George W. Bush que se vêem obrigados a defender as tarifas sobre o aço e a nova lei agrícola. Infelizmente, o desvio pode ser especialmente tortuoso e arriscado para a América Latina, onde o protecionismo norte-americano, ainda que temporário, talvez tenha consequências lastimáveis.
As oportunidades de exportação perdidas para produtores agrícolas como o Brasil e a Argentina são parte do problema. Mas as verdadeiras perdas devem ser políticas.
Qualquer que seja a lógica eleitoral que a justifique, a disposição de Bush de apaziguar os interesses dos operários siderúrgicos ou fazendeiros norte-americanos não beneficiou em nada os políticos latino-americanos que lutam pelo processo de liberalização.
"As medidas solapam aqueles que são favoráveis a políticas abertas, porque criam um sentimento de que os EUA pregam uma coisa e fazem o oposto", diz Rubens Barbosa, embaixador brasileiro em Washington. "O Brasil demitiu 100 mil operários em sua indústria siderúrgica e agora vemos os EUA tomando medidas para proteger a siderurgia deles."
Alejandro Foxley, senador e antigo ministro das Finanças do Chile, concorda. "As medidas foram devastadoras para aqueles que acreditam em livre comércio. Torna-se cada vez mais difícil resistir às pressões [protecionistas] internas. Muita gente diz que é ridículo que estejamos jogando um jogo de que ninguém mais participa", diz.
De fato, as medidas podem até aumentar o risco de que alguns países rejeitem as reformas pró-mercado e embarquem em novas experiências populistas.
As iniciativas norte-americanas certamente não poderiam vir em momento pior, com populistas ao velho estilo, como Alan Garcia, ex-presidente e hoje líder da oposição do Peru, ocupando boas posições nas corridas eleitorais. Como diz Foxley, "pode-se sentir a reação, o reforço das alternativas populistas e até mesmo certas tentações autoritárias".
A situação política é especialmente sensível no Brasil, onde o rápido avanço de Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas de opinião vem sendo a mais marcante característica de uma virada acentuada à esquerda nos meses que antecedem as eleições de outubro.
Determinar se Washington se preocupará caso a "dinâmica da dívida" brasileira escape ao controle é ainda outra questão. O surto protecionista foi acompanhado pelo que se pode descrever como um descaso maligno para com a região.
Depois dos ataques de 11 de setembro e da guerra no Afeganistão, nem o desastre econômico na Argentina nem a crise política na Venezuela (apesar da controvérsia quanto à posição do governo Bush durante o golpe malsucedido do mês passado contra o presidente Hugo Chávez) atraíram grande interesse do governo ou do Congresso.
"A América Latina não tem influência suficiente para se fazer sentir", diz Jim Moran, deputado democrata que apóia a criação de laços mais estreitos com a região e é ferrenho adversário da lei agrícola e das tarifas sobre o aço. "As coisas estão mal e podem piorar ainda mais, sem que ninguém aqui sinta que haverá consequências sérias caso ignoremos a América Latina", acrescenta o deputado.


Tradução de Paulo Migliacci


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