São Paulo, sábado, 26 de maio de 2007

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Alta dos alimentos chega ao supermercado

Cotações das commodities sobem devido a problemas com as safras e porque a demanda cresce com a maior renda dos pobres

Alta das matérias-primas faz analistas começarem a rebaixar indicação de ações de empresas processadoras de alimentos


JENNY WIGGINS
DO "FINANCIAL TIMES", EM LONDRES

O velho provérbio de que "a soja vai para onde a prata vai" é mais do que uma simples fórmula folclórica de sabedoria rural norte-americana. O fato de que os preços das commodities tendem a subir e a cair em uníssono representa um fenômeno econômico sério para consumidores de todo o mundo, em meio a altas acentuadas nos preços dos alimentos em certos países, ao ritmo mais veloz registrado em décadas.
Os preços das commodities agrícolas são muitas vezes voláteis, em parte devido às flutuações do clima, que afetam as safras. Mas o que as recentes altas de preços têm de incomum é que muitas commodities -dos grãos aos óleos extraídos de sementes oleaginosas- estejam subindo ao mesmo tempo.
Os observadores dos mercados dizem que os preços das matérias-primas estão sendo estimulados pela escassez de oferta (em parte devido ao crescimento do setor de biocombustível e em parte devido à seca na Austrália) e que a alta da procura em países como China e Índia também exerce um papel nessa equação.
Eles alertam de que o mundo pode passar por um período de "inflação sem precedentes nos preços dos alimentos", nos próximos 18 meses, com as empresas processadoras tentando repassar aos consumidores os aumentos das matérias-primas. "A situação pode se tornar a perfeita tempestade", diz Michael Steib, analista de alimentos do Morgan Stanley. Ele também alertou sobre possíveis conseqüências humanitárias. "O preço poderia se tornar uma questão grave em determinadas regiões do mundo."
O crescimento anualizado de 6,7% no preço dos alimentos registrado no começo deste ano nos Estados Unidos, caso se mantenha, representaria a maior elevação anual desde 1980. No Reino Unido, os preços estão subindo em ritmo comparável. Na China, a mesma tendência prevalece, com alta anualizada de 6,2% nos preços dos alimentos no primeiro trimestre do ano. Em todos esses países, os preços da comida estão subindo mais rápido do que os demais preços. "Temos uma tendência mundial", disse Mislav Matejka, estrategista do JP Morgan para o mercado europeu de ações.

Por que todas
Nenhum representante do setor de alimentos duvida de que o motivo para a inflação de preços seja o aumento das cotações das commodities agrícolas. O que está em debate é o motivo por que todas elas estão subindo tão repentinamente, e a duração desse período de alta.
Os preços médio do milho no mercado "spot" norte-americano subiram 86% no primeiro trimestre em relação a 2006; o óleo de palma subiu 41%; o leite não-processado subiu 22,5%; o óleo de soja tem alta de 32%; o cacau subiu 16%; e a alta do café é de 23,5%, de acordo com dados do Morgan Stanley.
O banco de investimento Goldman Sachs acredita que a alta nos preços tenha chegado para ficar, em parte porque a demanda por matérias-primas agrícolas é tão forte que o países terão de expandir a área cultivada a fim de atendê-la. Isso sai mais caro do que simplesmente elevar o rendimento da terra atualmente sob cultivo, alega o banco. "Ampliar a área cultivada sairá muito mais caro do que ampliar o rendimento", disse Jeffrey Currie, diretor mundial de pesquisa de commodities do Goldman Sachs.

Mais renda, mais comida
A maioria dos analistas diz que a recuperação econômica mundial também representa uma causa de longo prazo: à medida que as pessoas se tornam mais prósperas, elas passam a ter dinheiro para comer mais carne, leite e ovos, produtos cujos preços são mais elevados do que os dos demais alimentos básicos.
A Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) diz que os aumentos na renda per capita e a expansão das populações urbanas nos países em desenvolvimento gerarão maior consumo de produtos derivados do gado, frutas e legumes.
Uma análise do crescimento da renda na China, conduzida pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação), também previu que renda mais alta poderia gerar maior consumo de óleos vegetais, carne e laticínios.
Ainda que a China deva atender a boa parte da demanda adicional por carne, ampliando a produção interna, a expectativa é que o país tenha de importar mais óleos vegetais e alguns laticínios. As importações agrícolas totais da China cresceram mais rápido do que o previsto, e entre 2001 e 2004 mais que dobraram, ultrapassando US$ 33 bilhões.
Os economistas se preocupam com a possibilidade de que o aumento no custo de um produto básico -como a comida- alimente a inflação. James Paulsen, estrategista-chefe de investimentos na Wells Capital Management, afirma que a alta nos preços das commodities não relacionadas à energia poderia prenunciar alta na inflação básica dos preços ao consumidor neste ano.
Enquanto isso, as agências humanitárias estão preocupadas porque uma alta sustentada dos preços poderia dificultar seus esforços para alimentar as pessoas nos países mais pobres. Uma alta sustentada dos alimentos poderia significar que a FAO tenha de solicitar mais dinheiro aos doadores ou reduzir sua assistência aos 90 milhões de pessoas que alimenta.

Rebaixar ações
Os analistas começaram a rebaixar suas recomendações quanto às ações de empresas processadoras de alimentos, que, na opinião deles, terão dificuldades para repassar aos consumidores a alta nos preços das matérias-primas. Na semana passada, o Deutsche Bank rebaixou suas recomendações quanto às ações da Unilever, Danone e Nestlé, mencionando preocupações quanto ao impacto dos aumentos de preços sobre as margens de lucro futuras, enquanto o Morgan Stanley rebaixava sua recomendação com relação à Numico.
O grupo suíço Nestlé anunciou, no mês passado, que não só estava enfrentando alta nos custos de matérias-primas como grãos, milho e café mas que o preço do leite, sua matéria-prima mais importante, estava "subindo como um foguete".
As matérias-primas agrícolas tipicamente respondem por entre 20% e 25% dos custos de uma empresa de alimentos. Nestlé e Unilever, a exemplo de outras empresas de alimentos e bebidas, como a Hershey, Mars, Wrigley, Coca-Cola, PepsiCo e SABMiller, vêm impondo aumentos de preços para recuperar em parte a alta nos custos.
Mas os analistas se preocupam com a possibilidade de que o varejo de alimentos comece em breve a resistir às tentativas das produtoras de alimentos de repassar os aumentos, e estas vêm procurando alternativas.
O grupo anglo-holandês Unilever disse, recentemente, que havia começado a "jogar com a formulação de produtos" a fim de tentar reduzir custos. Uma das práticas adotadas foi reduzir o uso de óleo de linhaça em suas margarinas.
Uma tática que os fabricantes de alimentos costumavam empregar no passado era a venda de menos comida pelo mesmo preço. A Hershey, por exemplo, é famosa por ter mantido o preço de uma barra de seu chocolate em cinco centavos de dólar entre 1900 e 1969.
Quando os preços do cacau subiam, ela simplesmente comprava menos matéria-prima e produzia barras menores. Isso funcionou até os anos 70, quando a inflação descontrolada impossibilitou o método.
A estratégia agora está sendo tentada por processadores de cereais matinais. John McMillin, analista de alimentos na Prudential Securities, diz que "tanto a Kellogg's como a General Mills estão reduzindo os tamanhos de suas embalagens. A questão é: o país perceberá?".


Tradução de PAULO MIGLIACCI

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