São Paulo, sábado, 26 de maio de 2007

Texto Anterior | Índice

Cannes pode ter mais banqueiros do que astros de cinema

Mais dinheiro para setor tem elevado presença norte-americana; montante subiu 7%, ante alta de 3% no número de participantes

Instituições como Citigroup, Merrill Lynch, Royal Bank of Scotland e JP Morgan Chase enviam representantes em busca de negócios


Cristophe Karaba/EFE
Atriz Angelina Jolie chega à pré-estréia do filme "13 Homens e um Novo Segredo', em Cannes


LIZA KLAUSSMANN
DO "NEW YORK TIMES", EM CANNES

Certa manhã, mais de uma década atrás, John Miller se viu tentando explicar o Festival de Cinema de Cannes a seus colegas do Chemical Bank, em uma teleconferência. Contou que, no esforço por organizar as transações financeiras que permitem a produção de filmes, seu dia envolvia por exemplo uma excursão de seis horas de iate, em companhia de Madonna e Arnold Schwarzenegger.
"É difícil", ele se lembra de ter contado, com sinceridade.
Os executivos do Chemical, presos às suas mesas nos escritórios em Londres e NY, receberam a informação com ceticismo. Hoje, o trabalho só se tornou mais difícil. Em meio ao glamour e sob o sol da Riviera, mais e mais bancos de Wall Street, empresas de capital privado e fundos de hedge estão enviando representantes ao festival de 12 dias, o maior mercado internacional de cinema, para negociar e fechar contratos de financiamento.
O setor vem recebendo mais dinheiro, o que ajudou a elevar a presença norte-americana em Cannes. O número cresceu 7%, ante alta de 3% no número de participantes, disse Jerome Paillard, diretor do mercado de cinema. Merrill Lynch, Citigroup, Royal Bank of Scotland e JP Morgan Chase enviaram representantes ao festival e estão à procura de negócios. E há empresas híbridas como a Relativity Media, de Los Angeles, que alega ter feito negócios de mais de US$ 4 bilhões em financiamento "seqüencial", onde se investe em grupos de filmes.
"Cinco ou dez anos atrás, alguns poucos bancos vinham a Cannes", disse Miller, que teve de cancelar a viagem a Cannes por causa de negócios. "Hoje, temos 60 ou 80 bancos por aqui, todos batalhando", disse ele, agora diretor-executivo da divisão de entretenimento do JP Morgan Chase, com atuação no financiamento de filmes como "Menina de Ouro".
O crédito barato e o dilúvio de dinheiro que varre os fundos de hedge e os grupos de capital privado estão concedendo a Wall Street um papel mais importante em Hollywood.
Em relatório do final de 2006, Jessica Reif Cohen, analista do Merrill Lynch, estimou que os seis grandes estúdios recorrem a financiamento externo para filmes, em montante entre US$ 2 bilhões e US$ 2,5 bilhões anuais.
Quando se trata de fazer negócios, porém, a parte de Cannes foi sempre a do contato pessoal. Há executivos de bancos hospedados nas casas de campo instaladas nas colinas que cercam a cidade ou no Hotel du Cap, em Cap d'Antibes, bebendo champanhe em iates ou presentes às salas VIP de festas exclusivas. Um dos pontos mais populares é o Eden Rock, no Hotel du Cap, restaurante e bar na ponta oposta de um gramado meticulosamente aparado, sobre o braço do Mediterrâneo que avança em direção ao hotel. Lá, é tão provável ver Harvey Weinstein almoçando com um gigante dos fundos de hedge quanto com um astro de cinema.
Os executivos de bancos e fundos de hedge mesmo assim tentam manter perfil bem mais discreto do que o dos demais visitantes. "Nenhum executivo de fundo de hedge me pediu para ser apresentado a um astro ou convite a uma estréia", disse Ryan Kavanaugh, presidente-executivo da Relativity Media, no Hotel du Cap. "Eles são paranóicos a ponto de exagerar nos esforços para escapar a qualquer coisa desse tipo."
Empresas financiadas por dinheiro de fundos de hedge, de capital privado e de investimento estão no festival e não hesitam em abrir os cofres, anunciando acordos e enriquecendo seus acervos de filmes. A Relativity Media canalizou dinheiro de mais de 20 fundos de hedge para filmes, entre eles um projeto de cinebiografia da rainha Mary da Escócia, estrelado por Scarlett Johansson.
A presença delas tornou mais conflituosas as batalhas pelos direitos de distribuição de filmes, um dos marcos do mercado de cinema de Cannes. Enquanto no passado as produções dos grandes estúdios tinham preços mais altos, agora filmes bancados por Wall Street atraem grande interesse, porque os distribuidores podem estar seguros de que estão adquirindo direitos sobre um filme bancado por investidores com recursos consideráveis.
"Há mais dinheiro envolvido na busca de conteúdo que existe em escala limitada, e por isso os preços estão naturalmente subindo", disse Bill Block, presidente-executivo da QED International, distribuidora e financiadora de filmes cujo dinheiro provém em parte de fundo de capital privado administrado por ela mesma.
Um dos filmes mais procurados do mercado neste ano é "Pompeii", de Roman Polanski, negociado pela Summit Entertainment, criada em abril com dinheiro fornecido pelo Merrill Lynch. O orçamento de US$ 135 milhões é o maior com que Polanski já trabalhou. Os trabalhos do diretor polonês costumam fazer mais sucesso de crítica que de público.
"Cannes é um grande mercado para quem vende", disse Robert Friedman, presidente-executivo e co-presidente do conselho da Summit, no mês passado. "É uma oportunidade para que ofereçamos produções em nível de grande estúdio aos nossos parceiros". Mas Friedman, em Cannes à procura de filmes para adquirir em nome da Summit, acrescentou que não havia tantas oportunidades assim, do ponto de vista dos compradores.
A Halcyon Entertainment, empresa de produção e financiamento de cinema bancada por grupos de capital privado, veio a Cannes para encontros com possíveis parceiros em futuros projetos. A Halcyon, que adquiriu os direitos sobre os filmes da série "Exterminador do Futuro", concentra-se em filmes de orçamento médio -US$ 30 milhões- e espera ocupar um espaço ignorado pelos grandes estúdios.
A despeito da avidez dos financistas por contratos, resta alguma inquietação, disseram alguns executivos. As empresas de Wall Street podem hesitar sobre promover demais seu elo com o cinema, pela reputação de risco do setor. "Muitas das transações anunciadas como empréstimos são investimentos", disse Alan Schwartz, do escritório de advocacia Greenberg Taurig. "Mas os grupos financeiros não querem isso divulgado porque poderiam ter problemas de imagem ante outras empresas de investimento." Schwartz disse que o relacionamento entre Wall Street e Hollywood funciona há muito sob o signo da desconfiança.
"Hollywood foi criada por caubóis como Louis Mayer", disse, na casa em que está hospedado em Cannes. "E mesmo naquela época os banqueiros de NY hesitavam em se envolver com tipos como ele."

Tradução de PAULO MIGLIACCI

Texto Anterior: Supersimples taxará mais setor de serviços
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.