São Paulo, segunda-feira, 26 de maio de 2008

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Governo cobra taxa errada de proprietário de imóvel

Mesmo com decisão judicial favorável, contribuinte tem dificuldade para limpar nome

Secretaria do Patrimônio da União atribui demora à falta de funcionários, à tecnologia ultrapassada e a pendências anteriores


DENYSE GODOY
DA REPORTAGEM LOCAL

Engenheiro, o marido da artista plástica Darcy Sanchez, 72, gostava de ver seu dinheiro tomar a forma de bens concretos. Por isso, investiu todas as economias de décadas de trabalho em imóveis. Um ano após ficar viúva e passando dificuldades financeiras, tudo o que Sanchez deseja é se desfazer de quatro casas que tem em Ubatuba, no litoral norte de São Paulo, a fim de garantir a tranqüilidade e o futuro de seus filhos e netos.
Cada uma delas vale cerca de R$ 400 mil -os recursos seriam suficientes para resolver a sua situação, mas a artista plástica não consegue vendê-las. Os imóveis sofrem a cobrança de uma taxa por supostamente estarem localizados em terreno da União, dívida que supera R$ 200 mil. A remuneração ao governo nesse caso pode ser chamada de foro ou taxa de ocupação. Varia de 0,6% a 5% do valor do imóvel ao ano. Ainda tem o laudêmio, de 5%, cobrado na venda da propriedade.
De posse de um laudo técnico, ela luta para provar na Justiça que os imóveis não ficam em terras de marinha, uma faixa de 33 metros traçada da linha da maré (preamar média de 1831, segundo a lei) em direção ao continente, que pertence à União. "É um absurdo, as casas ficam a 50 metros do mar", afirma Sanchez, que está sofrendo execução fiscal por causa dos débitos em atraso. "Não foi fácil comprar esses bens. Batalhamos muito na nossa vida e me dá uma tristeza imensa o que estou enfrentando. Eu me sinto impotente."

Sem demarcação
O caso de Sanchez é apenas um exemplo dos problemas que cercam a delimitação das terras de marinha no Estado. A SPU (Secretaria do Patrimônio da União), administradora de tais bens públicos, admite que acontecem equívocos. "No litoral de São Paulo, existe um conjunto de áreas do qual o processo de demarcação ainda não foi concluído. Chegou ao ponto de ter [somente] uma demarcação presumida feita. São procedimentos formais que teriam que ser terminados", afirma Evangelina de Almeida Pinho, gerente regional da SPU.
Em centenas de processos, a Justiça já reconheceu que imóveis foram incluídos em terras de marinha por engano e determinou o cessamento da cobrança. No entanto, mesmo depois de vencer a ação, os proprietários têm outra batalha pela frente: fazer a SPU retirar o seu nome do Cadin (Cadastro Informativo de Créditos Não Quitados do Setor Público Federal). Um pedido de regularização chega a demorar meses para ser cumprido.
"Isso ocorre porque os sistemas de banco de dados da secretaria estão em uma plataforma arcaica. É difícil fazer uma alteração. Tirar alguém da base é bastante complexo, não é só apertar um botão. Para ter uma idéia, em Belém [PA], uma determinação judicial de bloqueio de cobrança em uma parte da cidade levou mais de seis meses para ser cumprida", diz Louise Ritzel, diretora de gestão de recursos internos da SPU, ressaltando que o sistema está passando por uma reforma "na linha de melhorar o atendimento".

"Crise de confiabilidade"
Ritzel diz que os problemas vêm da administração federal anterior, a qual deixou acumular grande volume de solicitações e outras pendências. A situação tornou-se tão grave que a gerência regional paulista obteve um habeas corpus preventivo para evitar que funcionários sejam presos por desobediência a ordens judiciais. Argumenta não contar com servidores e tecnologia suficientes para atender rapidamente todos os pedidos de correções.
Constatando a precariedade das condições da SPU, o TCU (Tribunal de Contas da União) recomendou, no ano passado, após realizar auditoria, que fosse criado um fundo "destinado exclusivamente à modernização da secretaria". "Esse órgão sofre carência crônica de recursos humanos e materiais para levar adiante seu mister", disse o ministro Ubiratan Aguiar, do TCU, em seu relatório. Após perceber diversos erros no cadastro de imóveis pertencentes à União, Aguiar alertou: "Caso não forem corrigidas, as falhas podem causar uma "crise de confiabilidade contábil", que se somaria ao quadro das diversas crises que o país vem passando -seja no setor aéreo ou em segurança pública".
O médico Hermettis Ferrarini, 82, sabe perfeitamente o significado dessas palavras. Vendeu uma casa de veraneio em Ubatuba em 1995, mas continua recebendo boletos de cobrança referentes à taxa de ocupação. Ele ganhou um mandado de segurança em outubro de 2006 para que seu nome fosse retirado da lista de inadimplentes, mas até agora a SPU não o fez. "Gostaria de limpar o meu nome para não deixar nenhum contratempo para os meus filhos. Porém, a realidade é que, no Brasil, não podemos nem sequer morrer em paz."


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