São Paulo, sábado, 26 de junho de 2004

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VACA DOENTE

Missão de brasileiros viaja hoje para a Rússia a fim de negociar fim de embargos comerciais entre os dois países

Para liberar veto à carne, Brasil negocia trigo

Tamara Saré/Agência Pará
Equipe da Vigilância Sanitária aplica vacina contra a febre aftosa em gado em Monte Alegre, Pará, onde foi detectado foco da doença


CÍNTIA CARDOSO
DA REPORTAGEM LOCAL

ANDRÉ SOLIANI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A Rússia e a Argentina continuam a manter o embargo às importações de carne brasileira e sinalizam que a solução desse impasse terá que passar por negociações comerciais mais amplas.
Hoje à noite, uma missão do Ministério da Agricultura viaja para a Rússia para negociar o fim do embargo. Na bagagem, levará a oferta do fim da suspensão das importações brasileiras de trigo russo em troca da reabertura do mercado para a carne brasileira.
"Ela [a questão do trigo] é importante dentro dessa temática", afirmou o secretário de Defesa Agropecuária, Maçao Tadano, ao comentar os objetivos da missão que chegará à Rússia amanhã.
A decisão de aceitar negociar o trigo russo pela carne brasileira poderá causar constrangimentos com a Argentina, que também anunciou nesta semana o seu embargo à carne do Brasil.
Técnicos da Agricultura argumentam que os argentinos não correm o risco de perder o seu quase monopólio do mercado brasileiro. Como o vizinho faz parte do Mercosul, vende trigo para o Brasil com tarifa zero.
A decisão de negociar o mercado de trigo com a Rússia se justifica pela importância das vendas de carne para o parceiro. Os russos compraram, em 2003, 57% do total de carne suína vendida pelo Brasil e são responsáveis por 12% das exportações totais de carnes.
Desde o ano passado, o Brasil enviou à Rússia documento no qual apresenta medidas que o parceiro precisaria adotar para garantir que não venderia junto com o trigo pragas ou doenças que poderiam prejudicar a agricultura brasileira.
A missão, liderada pelo secretário de Produção e Comercialização, Linneu Lima, discutirá os controles que a Rússia precisa implementar para vender trigo.
De acordo com um técnico da Agricultura, se a Rússia demonstrar que está preparada para cumprir as exigências de sanidade vegetal do Brasil, poderia receber autorização para a venda do trigo em menos de um mês.
O ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues se esquivou de fazer uma associação categórica entre uma possível liberação das importações brasileiras em troca da abertura russa para a carne.
"Não acredito que haja correlação direta entre a questão do trigo e o boicote da carne necessariamente", disse ontem, durante seminário da Abag (Associação Brasileira de Agribusiness), em São Paulo. "Essa missão tem um caráter essencialmente técnico."
Além da suspensão russa, o setor de carne brasileiro também terá que lidar com a Indonésia, que anunciou ontem a suspensão das importações de produtos de origem animal e de matéria-prima para ração animal. A informação, porém, não foi confirmada oficialmente pelo governo brasileiro.
A medida também foi uma resposta à confirmação de um foco de febre aftosa no Pará na semana passada. A região é considerada pelo próprio governo como de alto risco para a doença, pois o sistema de defesa sanitária animal ainda não está concluído.
O Pará não vende carne bovina para o exterior -nem ao menos para outros Estados brasileiros.
Após o Brasil ter comunicado a descoberta do foco para a OIE (Organização Internacional de Epizootias), Rússia e Argentina suspenderam o comércio de carnes com o país.
Quanto à Argentina, Rodrigues disse que os vizinhos devem voltar a importar o produto até a próxima quarta-feira. Mas o órgão de defesa sanitária argentino afirmou que ainda não há previsão do fim do embargo e que segue preocupado com a falta de informações sobre o combate à doença.
O imbróglio com a carne é o segundo dilema importante no comércio exterior brasileiro, após o embargo da China à soja. Sobre essa questão, o ministro da Agricultura disse acreditar que o problema já esteja resolvido.
Para o setor privado, porém, a questão não está encerrada. "Não estamos satisfeitos", afirmou o presidente da Abag, Carlo Lovatelli. Para ele, as razões chinesas para a suspensão de soja brasileira foram "vagas" e, por isso, poderiam constituir a abertura de um painel na OMC (Organização Mundial do Comércio).
"A China aproveitou um pequeno erro nosso para criar um grande caso, mas houve de fato um erro do Brasil", afirmou Pedro de Camargo Neto, da Sociedade Rural Brasileira. Camargo diz ainda que a defesa sanitária e animal é um dos principais gargalos do agronegócio brasileiro. "Ainda não fizemos a lição completa."


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