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MARCOS CINTRA
Futebol à parte
A propriedade privada passou a ser um direito relativo com a inatividade
do governo ante as invasões
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A AUTO-ESTIMA dos brasileiros
está arrasada. E não é para
menos. Os acontecimentos
recentes são deprimentes.
Uma nação precisa sentir orgulho
de si mesma para poder avançar
com otimismo e espírito de luta. Necessita de líderes que formulem projetos e apontem caminhos. Mas, futebol à parte, o país acha-se em depressão, órfão, e sem alternativas capazes de estimular os cidadãos a
querer participar de um projeto nacional.
Creio que foi Getúlio Vargas quem
disse que o Brasil era um país de
gente honrada dirigido por corruptos. Os acontecimentos dos últimos
anos comprovam essa triste avaliação sobre nossa elite dirigente.
Corrupção e enriquecimento ilícito tornaram-se fatos corriqueiros e
tolerados pela população: os anões
do Orçamento, a compra de votos no
Congresso, o valerioduto, os sanguessugas, os vampiros do Ministério da Saúde e os gafanhotos de Roraima... Fatos graves como esses
derrubariam governos e fariam revoluções em países ciosos de seus direitos. Aqui viraram "folclore", como vaticinou nosso presidente da
República em entrevista recente à
televisão. A culminação dessa injustificável tolerância está sendo plenamente completada com a provável
reeleição do grupo político que chafurdou na lama à vista de toda a nação.
O mensalão não é apenas uma
ação de quadrilheiros roubando em
benefício próprio. Sempre houve ladrões, aqui e no resto do mundo. É
da natureza humana. Mas no Brasil
é mais do que isso. Criou-se uma organização criminosa, uma estrutura
político-social organizada, incrustada no poder, agindo de maneira sistêmica e orgânica, comprando votos
e consciências e violentando o funcionamento das instituições republicanas.
Tudo isso afasta da política os homens bem-intencionados, criando
uma reserva de mercado e um vasto
campo de atuação para os setores
podres da sociedade que fazem da
política e da atividade pública uma
profissão, tendo como única meta
atingir seus objetivos pessoais. A política deixa de ser uma contribuição
que os cidadãos devem sentir-se
moralmente obrigados a oferecer
circunstancialmente aos demais
concidadãos e passa a ser um meio
de vida. Homens públicos abandonam suas atividades profissionais e
passam a depender da política para
garantir sua sobrevivência. Pessoas
nessas circunstâncias tornam-se capazes de tudo e de qualquer coisa
para sobreviver. Em vez de profissionalizar a administração pública,
como fazem os países avançados,
profissionaliza-se a política, que
passa a substituir o burocrata de carreira (no bom sentido) na gestão do
Estado.
Quando as elites se locupletam, o
povo sente-se legitimado para fazer
o mesmo.
Os meios de comunicação glorificam desvios de conduta éticos e morais. Novelas principalmente, escoradas no princípio inquestionável da
liberdade de opinião e estimuladas
pela desbragada luta por audiência,
desafiam a consciência dos cidadãos
que ainda possuem algumas referências para discernir o certo do errado. A apologia da malandragem,
da ganância, da luxúria e de outros
vícios corrói instituições e valores
tradicionais como a família e a convivência pacífica e civilizada entre
pessoas.
A acintosa ostentação dos ricos é
ofensiva e aguça a violência. A indústria do medo prospera de forma assombrosa. A propriedade privada
passou a ser um direito relativo com
a inatividade do governo ante as invasões de terras e de imóveis urbanos. A depredação de bens não é
mais punida, desde que seja protegida sob o manto dos "movimentos
sociais". O poder público se omite e
complacentemente tenta acomodar
a situação. O Brasil beira a afronta
institucional com o recente episódio
do ataque à Câmara dos Deputados.
E, enquanto tudo isso ocorre, a
chamada "sociedade civil organizada" apenas esboça reação com inúteis mobilizações midiáticas que em
geral posicionam-se contra, corretamente, muitos aspectos de nossa vida institucional, mas mostram-se
incapazes de serem a favor de algo
capaz de avançar na busca de soluções efetivas. Mobilizam, sem propor. Deixam a impressão de terem
apenas objetivos políticos eleitorais.
Só uma revolução salva este país.
Revolução de idéias, e disposição para mudar.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 60,
doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular
e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a
cada 15 dias, nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
mcintra@marcoscintra.org
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