|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Sandro Campardo - 19.jun.06/Associated Press
|
O chanceler Amorim, que ainda tem esperança na Rodada Doha |
Rodada Doha não morreu, diz Amorim
Após fracasso de reunião em Genebra, representante dos Estados Unidos vem ao Rio para negociação no sábado
"Não dá para dourar a pílula, porque realmente a situação está complicada, mas também não é o caso de desespero", diz chanceler
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
A representante de Comércio dos EUA, Susan Schwab,
vem ao Brasil no sábado para
um encontro com o chanceler
Celso Amorim, no Rio, para
tentar salvar a Rodada Doha da
OMC (Organização Mundial do
Comércio), suspensa anteontem em Genebra.
A informação é de Amorim,
que falou à Folha de Istambul,
insistindo em que a rodada
"não morreu, levou um choque". Esse choque, deixou claro, é justamente para que os
EUA flexibilizem sua proposta
para reduzir subsídios agrícolas internos -que ele vê como
o maior entrave a um acordo.
FOLHA - O sr. está desolado?
CELSO AMORIM - Fiquei triste,
não estou soltando foguetes.
Mas a rodada não morreu, ela
levou um choque. O próprio
Pascal Lamy [diretor-geral da
OMC] já admitiu que, para haver avanços, era preciso um
choque para despertar a vontade política dos líderes globais.
FOLHA - Qual o maior obstáculo?
AMORIM - A principal deficiência, digamos assim, é a insuficiência da oferta americana em
subsídios internos, domésticos.
Se ficássemos em torno da mesa, discutindo, discutindo, discutindo, eles iriam baixar um
milhãozinho daqui, outro dali,
mas isso não ia resolver a questão maior, de maior equilíbrio
nas relações comerciais, num
momento em que todo o sistema multilateral está em xeque.
FOLHA - O sr. tinha esperanças de
fechar um acordo em Genebra?
AMORIM - Claro que eu preferiria que o acordo fosse fechado
agora, mas fechar um de mentirinha não dá. Não dá para aceitar qualquer acordo. Não dá para fingir que as coisas não estão
acontecendo, que não há impasses. As negociações andaram muito bem na parte de
subsídios às exportações, mas
não nos subsídios internos.
É claro que há outras dificuldades, e tudo isso é como um
quebra-cabeça, que você vai encaixando peça a peça. Mas a peça principal do quebra-cabeça é
essa: a proposta americana não
é suficiente, e precisamos provocar as consciências.
FOLHA - Os EUA são o vilão?
AMORIM - Prefiro não ver vilões. Digamos que é um jogo do
mico-preto, e cada hora um é o
mico-preto. Há seis meses, reclamávamos muito da União
Européia, e ela melhorou um
bocado, apesar de não ter resolvido tudo. E os EUA tinham feito uma oferta até razoável, mas
não avançaram.
FOLHA - Ainda dá para avançar?
AMORIM - A representante do
Comércio dos EUA, Susan
Schwab, está chegando ao Brasil no sábado, para conversarmos. Portanto, é importante
acabar com o catastrofismo de
que tudo acabou.
FOLHA - Quando foi acertada a vinda dela?
AMORIM - Ontem [segunda],
em Genebra. Eu já vinha fazendo convites para ela ir ao Brasil,
reiterei num encontro em São
Petesburgo [Rússia] na semana
passada. Mas, ontem, depois do
anúncio de que a Rodada estava
suspensa, ela me procurou e
disse: "Está na hora de eu ir ao
Brasil". Isso é uma demonstração inequívoca de engajamento, do desejo de continuarmos
as discussões.
FOLHA - E os demais? A União Européia? O G20?
AMORIM - Ninguém desistiu.
Não dá para dourar a pílula,
porque realmente a situação
está complicada, mas também
não é o caso de desespero. Há
muito o que conversar. E é claro que há os que são contra, que
torcem para tudo dar errado.
FOLHA - Quem?
AMORIM - Os agricultores dos
países ricos, que têm subsídios
e não querem perder, e aqueles
que são contra a globalização
em geral. Digamos que são a
extrema direita e a extrema esquerda, apesar de não exatamente num corte ideológico.
FOLHA - As eleições presidenciais
no Brasil e parlamentares nos EUA
contribuem ao impasse?
AMORIM - O presidente Lula
tem uma visão histórica de longo prazo da importância da Rodada Doha para o Brasil. É, sem
dúvida, uma questão de interesse nacional, acima de qualquer partido, porque uma relação comercial mundial mais
equilibrada é fundamental para
os nossos povos.
Quanto aos EUA: eu confio
no desejo e no interesse político do presidente [George W.]
Bush de chegar a um acordo. Os
EUA são os promotores do livre
comércio, são muito orgulhosos disso, e há gente que vê necessidade de reformas no setor
agrícola americano. Os EUA
têm responsabilidade de liderança global, queiramos ou não.
FOLHA - A ONU pode interferir para
a retomada das negociações?
AMORIM - Tanto que liguei para
o secretário-geral, Kofi Annan,
ontem [segunda] mesmo, para
relatar em que pé estamos. É
evidente que ele não vai falar
sobre uma ou duas toneladas
de carne, mas pode ter um bom
papel para mostrar a importância política. Há uma questão
maior, que é a arquitetura da
ordem internacional, e a OMC
é uma peça fundamental nisso.
Se querem acabar com o terrorismo, a pobreza, o crime transnacional, não podem deixar essa peteca cair. Por isso, repito:
não há razão para soltar foguetes, mas também não há motivo
para desespero.
FOLHA - As negociações bilaterais
do Mercosul com os EUA e a UE são
um alternativa ao fracasso na OMC?
AMORIM - Elas não são nem seriam substitutas para a OMC,
pois não eliminariam subsídios
nem criariam regras mais justas, como o crédito às exportações, que afetam a Embraer,
por exemplo, ou antidumping,
que afetam o nosso aço.
FOLHA - A presença da Venezuela
no Mercosul atrapalha ou ajuda?
AMORIM - Não fiz essas especulações ainda, porque meu espírito está concentrado na OMC,
mas o correto é dizer que há fatores complicadores e fatores
encorajadores. O principal é
que o Mercosul, hoje, tem muito mais força, é muito maior.
Texto Anterior: Mercado aberto Próximo Texto: Frase Índice
|