São Paulo, quarta-feira, 26 de julho de 2006

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Sandro Campardo - 19.jun.06/Associated Press
O chanceler Amorim, que ainda tem esperança na Rodada Doha


Rodada Doha não morreu, diz Amorim

Após fracasso de reunião em Genebra, representante dos Estados Unidos vem ao Rio para negociação no sábado

"Não dá para dourar a pílula, porque realmente a situação está complicada, mas também não é o caso de desespero", diz chanceler

ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

A representante de Comércio dos EUA, Susan Schwab, vem ao Brasil no sábado para um encontro com o chanceler Celso Amorim, no Rio, para tentar salvar a Rodada Doha da OMC (Organização Mundial do Comércio), suspensa anteontem em Genebra.
A informação é de Amorim, que falou à Folha de Istambul, insistindo em que a rodada "não morreu, levou um choque". Esse choque, deixou claro, é justamente para que os EUA flexibilizem sua proposta para reduzir subsídios agrícolas internos -que ele vê como o maior entrave a um acordo.
 

FOLHA - O sr. está desolado?
CELSO AMORIM
- Fiquei triste, não estou soltando foguetes. Mas a rodada não morreu, ela levou um choque. O próprio Pascal Lamy [diretor-geral da OMC] já admitiu que, para haver avanços, era preciso um choque para despertar a vontade política dos líderes globais.

FOLHA - Qual o maior obstáculo?
AMORIM
- A principal deficiência, digamos assim, é a insuficiência da oferta americana em subsídios internos, domésticos. Se ficássemos em torno da mesa, discutindo, discutindo, discutindo, eles iriam baixar um milhãozinho daqui, outro dali, mas isso não ia resolver a questão maior, de maior equilíbrio nas relações comerciais, num momento em que todo o sistema multilateral está em xeque.

FOLHA - O sr. tinha esperanças de fechar um acordo em Genebra?
AMORIM
- Claro que eu preferiria que o acordo fosse fechado agora, mas fechar um de mentirinha não dá. Não dá para aceitar qualquer acordo. Não dá para fingir que as coisas não estão acontecendo, que não há impasses. As negociações andaram muito bem na parte de subsídios às exportações, mas não nos subsídios internos. É claro que há outras dificuldades, e tudo isso é como um quebra-cabeça, que você vai encaixando peça a peça. Mas a peça principal do quebra-cabeça é essa: a proposta americana não é suficiente, e precisamos provocar as consciências.

FOLHA - Os EUA são o vilão?
AMORIM
- Prefiro não ver vilões. Digamos que é um jogo do mico-preto, e cada hora um é o mico-preto. Há seis meses, reclamávamos muito da União Européia, e ela melhorou um bocado, apesar de não ter resolvido tudo. E os EUA tinham feito uma oferta até razoável, mas não avançaram.

FOLHA - Ainda dá para avançar?
AMORIM
- A representante do Comércio dos EUA, Susan Schwab, está chegando ao Brasil no sábado, para conversarmos. Portanto, é importante acabar com o catastrofismo de que tudo acabou.

FOLHA - Quando foi acertada a vinda dela?
AMORIM
- Ontem [segunda], em Genebra. Eu já vinha fazendo convites para ela ir ao Brasil, reiterei num encontro em São Petesburgo [Rússia] na semana passada. Mas, ontem, depois do anúncio de que a Rodada estava suspensa, ela me procurou e disse: "Está na hora de eu ir ao Brasil". Isso é uma demonstração inequívoca de engajamento, do desejo de continuarmos as discussões.

FOLHA - E os demais? A União Européia? O G20?
AMORIM
- Ninguém desistiu. Não dá para dourar a pílula, porque realmente a situação está complicada, mas também não é o caso de desespero. Há muito o que conversar. E é claro que há os que são contra, que torcem para tudo dar errado.

FOLHA - Quem?
AMORIM
- Os agricultores dos países ricos, que têm subsídios e não querem perder, e aqueles que são contra a globalização em geral. Digamos que são a extrema direita e a extrema esquerda, apesar de não exatamente num corte ideológico.

FOLHA - As eleições presidenciais no Brasil e parlamentares nos EUA contribuem ao impasse?
AMORIM
- O presidente Lula tem uma visão histórica de longo prazo da importância da Rodada Doha para o Brasil. É, sem dúvida, uma questão de interesse nacional, acima de qualquer partido, porque uma relação comercial mundial mais equilibrada é fundamental para os nossos povos. Quanto aos EUA: eu confio no desejo e no interesse político do presidente [George W.] Bush de chegar a um acordo. Os EUA são os promotores do livre comércio, são muito orgulhosos disso, e há gente que vê necessidade de reformas no setor agrícola americano. Os EUA têm responsabilidade de liderança global, queiramos ou não.

FOLHA - A ONU pode interferir para a retomada das negociações?
AMORIM
- Tanto que liguei para o secretário-geral, Kofi Annan, ontem [segunda] mesmo, para relatar em que pé estamos. É evidente que ele não vai falar sobre uma ou duas toneladas de carne, mas pode ter um bom papel para mostrar a importância política. Há uma questão maior, que é a arquitetura da ordem internacional, e a OMC é uma peça fundamental nisso. Se querem acabar com o terrorismo, a pobreza, o crime transnacional, não podem deixar essa peteca cair. Por isso, repito: não há razão para soltar foguetes, mas também não há motivo para desespero.

FOLHA - As negociações bilaterais do Mercosul com os EUA e a UE são um alternativa ao fracasso na OMC?
AMORIM
- Elas não são nem seriam substitutas para a OMC, pois não eliminariam subsídios nem criariam regras mais justas, como o crédito às exportações, que afetam a Embraer, por exemplo, ou antidumping, que afetam o nosso aço.

FOLHA - A presença da Venezuela no Mercosul atrapalha ou ajuda?
AMORIM
- Não fiz essas especulações ainda, porque meu espírito está concentrado na OMC, mas o correto é dizer que há fatores complicadores e fatores encorajadores. O principal é que o Mercosul, hoje, tem muito mais força, é muito maior.


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