São Paulo, terça, 26 de agosto de 1997.



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ARTIGO
Sem medo de sermos felizes!

ALBERTO GOLDMAN
A discussão, pela imprensa, de uma matéria importante para o país objetiva colocar o leitor a par das diversas concepções que estão se confrontando, para que ele possa tirar suas próprias conclusões.
Para isso, é preciso que os expositores dos diversos pontos de vista, em primeiro lugar, respeitem-se mutuamente. Em segundo lugar, que haja absoluta honestidade intelectual, para não se desvirtuarem nem os fatos nem os conceitos daquele que está sendo contestado, apresentando-o como autor ou defensor de teses impopulares, com a finalidade de trazer para o "acusador" a simpatia do leitor e, com isso, desqualificar o oponente.
Infelizmente, o deputado Walter Pinheiro (PT-BA), em artigo na Folha (11/8), ao abordar a Lei Geral de Telecomunicações aprovada pelo Congresso, da qual fui relator, não mostra respeito pelas pessoas que não pensam como ele, muito menos pelos 312 deputados que aprovaram o projeto, derrotando os 90 que o rejeitaram, em um resultado dos mais expressivos dos últimos anos em matéria complexa e polêmica. E, mais grave ainda, distorceu, deliberadamente, com má-fé, o que a nova lei significa.
É preciso esclarecer que a oposição defendia manter o sistema Telebrás como estatal, atuando em todo o país, e admitia apenas que novas concessões, privadas, pudessem, em diversas áreas do país, concorrer com a estatal.
A proposta da oposição, por paradoxal que possa parecer, ao invés de garantir a existência da Telebrás estatal, levaria-a à destruição. Pois a Telebrás, com a obrigação de manter a rede básica (ela é uma só) disponível para o acesso das demais empresas privadas -que, certamente, vão buscar os "nichos" mais lucrativos-, submetida aos controles estatais (controles internos, Tribunal de Contas, Lei de Licitações), aos padrões salariais das empresas públicas e aos interesses políticos governamentais que impedem um gerenciamento eficaz e a longo prazo, estaria fadada ao fracasso.
Mais adiante, quando tivéssemos de privatizá-la, estaria com seu valor depreciado. A maior prova do que dizemos é o início das concessões da banda B do serviço celular: as primeiras licitações obrigaram a Telebrás a baixar preços, sob pena da perda da clientela. E isso significa menor faturamento, menor lucratividade e, portanto, menor valor da empresa.
Diferentemente do modelo no setor de petróleo que produzimos no Congresso (presidi a comissão especial que deu parecer sobre a matéria), no qual a Petrobrás é mantida como estatal pelo fato de que apenas nos prazos médio e longo se poderá criar um mercado competitivo, no setor de telecomunicações, quanto mais cedo se implantar a ampla competição, privada versus privada, melhor resultado teremos para o patrimônio nacional e para o atendimento às necessidades que o país tem de um serviço amplo e eficiente.
Por um certo tempo, em algumas áreas, ainda teremos a situação de monopólio privado, pois não se imagina que em todas, ao mesmo tempo, a competição se instale. Por isso o papel da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) de controle de tarifas, qualidade e nível de atendimento.
Melhor que a situação atual, em que quem controla a Telebrás estatal é ela mesma, confundindo-se o concessionário com o poder concedente.
Para garantir a competição, a lei é clara: imediatamente após a privatização, abrir-se-ão as áreas de concessão para o setor privado.
Contudo a distorção mais grave na desinformação trazida pelo ilustre deputado é quanto à questão da universalização das telecomunicações, que é, ao lado da garantia da existência da competição e do controle do poder econômico, a alma da lei.
Ela tem um capítulo específico que trata da questão. E diz que a agência regulará as obrigações de universalização atribuídas às prestadoras de serviços, que são definidas como as que objetivam possibilitar o acesso de qualquer pessoa ou instituição de serviço público aos serviços, independentemente de sua localização e condição socioeconômica (artigo 79).
Essas obrigações serão objeto de metas periódicas, conforme plano específico elaborado pela agência após consulta pública e aprovado pelo Poder Executivo, detalhando as fontes de financiamento (artigo 80).
A universalização será concretizada, em primeiro lugar, por meio dos contratos de concessão, provenientes das licitações públicas, nas quais os concorrentes, em função das obrigações determinadas, ofertarão o valor da outorga da concessão e as tarifas a serem cobradas.
Apenas e tão-somente para cobrir custos atribuíveis ao cumprimento das obrigações de universalização que não façam parte do contrato de concessão e que não possam ser recuperados com a exploração eficiente do serviço, poderão ser destinados recursos complementares (artigos 80 e 81) oriundos do Orçamento da União, dos Estados e dos municípios ou do Fundo de Universalização das Telecomunicações -que será constituído com recursos das próprias outorgas, objeto de projeto de lei que deverá ser encaminhado em 120 dias ao Congresso.
Os recursos públicos, assim, só serão destinados a ampliar obrigações não previstas nos contratos de concessão e dependerão das decisões políticas próprias de cada nível de governo, inclusive de seus Poderes Legislativos.
Atualmente, o Brasil tem menos de dez telefones por cem habitantes, média entre 50 telefones por cem habitantes nas áreas mais ricas e zero telefone por cem habitantes em extensas áreas populacionais pobres. 90% dos telefones instalados estão em residências de famílias com renda superior a R$ 1.000,00.
Essa é a situação a que as forças do atraso nos levaram, e é nessa que pretendem que fiquemos. Vamos atacá-la e superá-la, sem medo de sermos felizes.


Alberto Goldman, 59, é deputado federal pelo PMDB de São Paulo. Foi ministro dos Transportes (governo Itamar Franco) e secretário da Administração do Estado de São Paulo (governo Quércia).



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