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OPINIÃO ECONÔMICA
A parte urgente da reforma
BENJAMIN STEINBRUCH
Donas-de-casa responsáveis costumam cumprir
uma regrinha básica sobre finanças domésticas: não se deve ir ao
supermercado com fome. Consumidores famintos tendem a enfiar no carrinho de compras toda
comida que vêem pela frente.
O imbróglio da reforma tributária, que começa a tramitar na Câmara, faz lembrar essa regra. Discute-se a nova estrutura tributária num momento de retração
econômica, em que União, Estados e municípios, principalmente
estes dois últimos, estão famintos
de recursos.
O ideal seria fazer a reforma
completa em um momento de
crescimento econômico. Fazê-la
agora implica correr risco de estimular disputas fratricidas entre
os três segmentos do setor público
por fatias maiores do bolo tributário. Os conflitos da semana passada, entre governadores e o governo federal, mostram que isso
já começa a ocorrer. Nessas condições, fica difícil direcionar a reforma para aquilo que ela traria
de mais útil para o país: descomplicar a arrecadação, desonerar a
produção e os investimentos e reduzir de forma geral a carga de
impostos suportada pelos brasileiros.
A visão do ex-ministro e deputado Antonio Delfim Netto ganha
aliados: não faz sentido promover
a ferro e fogo uma ampla reforma
tributária em ambiente recessivo,
porque isso redundará, sem dúvida, em aumento de impostos. É
inoportuno propor, como fizeram
alguns, o aumento da Cide (Contribuição de Intervenção para o
Domínio Econômico), que foi
criada para incidir sobre os combustíveis líquidos, de forma a regularizar seus preços no mercado
interno independentemente das
oscilações do petróleo. Se esse tributo regulatório for utilizado para elevar a arrecadação, terá efeitos desastrosos para toda a economia, porque provocará aumento
dos preços dos combustíveis, que
nos últimos meses já têm sido
mais altos no Brasil do que no exterior.
A idéia de Delfim é aprovar
agora apenas as mudanças absolutamente necessárias, como a
prorrogação da vigência da
CPMF e da DRU (Desvinculação
das Receitas da União), além da
redução e isenção de impostos em
setores estratégicos para promover o desenvolvimento. O próprio
presidente Lula defendeu a idéia
de que o objetivo da reforma não
é resolver os problemas fiscais do
poder público, e sim desonerar a
produção. Foi uma declaração feliz do presidente, porque até então a proposta de reforma do governo concentrava-se demasiadamente na resolução dos problemas do ICMS e das relações entre
os entes da Federação e quase nada nas demandas do setor privado.
Por trás da declaração de Lula
está a percepção sensata de que
não haverá crescimento econômico sustentável sem a participação
do setor privado. E, para isso, as
empresas brasileiras, de capital
nacional ou estrangeiro, precisam
ser estimuladas a investir. Sozinho, mesmo que venha usar uma
parte de seu superávit fiscal, o governo não tem força para disparar uma nova fase de desenvolvimento. Então, não há como fugir
da evidência de que a reforma tributária terá de promover a desoneração das exportações e dos investimentos em bens de capital,
para acelerar a incorporação de
novas tecnologias e a modernização do parque produtivo.
A reflexão sobre a importância
do momento vivido pelo país não
cabe apenas aos governos, incluídos governadores e prefeitos. Nas
costas do Congresso, a despeito de
sua indiscutível autonomia para
negociar e votar as propostas, pesa a responsabilidade sobre os
efeitos de tudo aquilo que vai
aprovar ou rejeitar. O voto político é válido em muitas circunstâncias, mas nunca nos casos em que
está evidente o prejuízo nacional.
O PT, que hoje se esfalfa para
conseguir aprovar as reformas
constitucionais, já usou o artifício
da obstrução política no passado
e pagou caro por isso. Ficou longos anos alijado do poder pelo voto. À oposição de hoje, situação de
ontem, vale lembrar que o eleitor
brasileiro ainda é o mesmo e certamente continuará a rejeitar radicalismos impatrióticos.
Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
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