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São Paulo, terça-feira, 26 de agosto de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

A parte urgente da reforma

BENJAMIN STEINBRUCH

Donas-de-casa responsáveis costumam cumprir uma regrinha básica sobre finanças domésticas: não se deve ir ao supermercado com fome. Consumidores famintos tendem a enfiar no carrinho de compras toda comida que vêem pela frente.
O imbróglio da reforma tributária, que começa a tramitar na Câmara, faz lembrar essa regra. Discute-se a nova estrutura tributária num momento de retração econômica, em que União, Estados e municípios, principalmente estes dois últimos, estão famintos de recursos.
O ideal seria fazer a reforma completa em um momento de crescimento econômico. Fazê-la agora implica correr risco de estimular disputas fratricidas entre os três segmentos do setor público por fatias maiores do bolo tributário. Os conflitos da semana passada, entre governadores e o governo federal, mostram que isso já começa a ocorrer. Nessas condições, fica difícil direcionar a reforma para aquilo que ela traria de mais útil para o país: descomplicar a arrecadação, desonerar a produção e os investimentos e reduzir de forma geral a carga de impostos suportada pelos brasileiros.
A visão do ex-ministro e deputado Antonio Delfim Netto ganha aliados: não faz sentido promover a ferro e fogo uma ampla reforma tributária em ambiente recessivo, porque isso redundará, sem dúvida, em aumento de impostos. É inoportuno propor, como fizeram alguns, o aumento da Cide (Contribuição de Intervenção para o Domínio Econômico), que foi criada para incidir sobre os combustíveis líquidos, de forma a regularizar seus preços no mercado interno independentemente das oscilações do petróleo. Se esse tributo regulatório for utilizado para elevar a arrecadação, terá efeitos desastrosos para toda a economia, porque provocará aumento dos preços dos combustíveis, que nos últimos meses já têm sido mais altos no Brasil do que no exterior.
A idéia de Delfim é aprovar agora apenas as mudanças absolutamente necessárias, como a prorrogação da vigência da CPMF e da DRU (Desvinculação das Receitas da União), além da redução e isenção de impostos em setores estratégicos para promover o desenvolvimento. O próprio presidente Lula defendeu a idéia de que o objetivo da reforma não é resolver os problemas fiscais do poder público, e sim desonerar a produção. Foi uma declaração feliz do presidente, porque até então a proposta de reforma do governo concentrava-se demasiadamente na resolução dos problemas do ICMS e das relações entre os entes da Federação e quase nada nas demandas do setor privado.
Por trás da declaração de Lula está a percepção sensata de que não haverá crescimento econômico sustentável sem a participação do setor privado. E, para isso, as empresas brasileiras, de capital nacional ou estrangeiro, precisam ser estimuladas a investir. Sozinho, mesmo que venha usar uma parte de seu superávit fiscal, o governo não tem força para disparar uma nova fase de desenvolvimento. Então, não há como fugir da evidência de que a reforma tributária terá de promover a desoneração das exportações e dos investimentos em bens de capital, para acelerar a incorporação de novas tecnologias e a modernização do parque produtivo.
A reflexão sobre a importância do momento vivido pelo país não cabe apenas aos governos, incluídos governadores e prefeitos. Nas costas do Congresso, a despeito de sua indiscutível autonomia para negociar e votar as propostas, pesa a responsabilidade sobre os efeitos de tudo aquilo que vai aprovar ou rejeitar. O voto político é válido em muitas circunstâncias, mas nunca nos casos em que está evidente o prejuízo nacional.
O PT, que hoje se esfalfa para conseguir aprovar as reformas constitucionais, já usou o artifício da obstrução política no passado e pagou caro por isso. Ficou longos anos alijado do poder pelo voto. À oposição de hoje, situação de ontem, vale lembrar que o eleitor brasileiro ainda é o mesmo e certamente continuará a rejeitar radicalismos impatrióticos.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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