São Paulo, domingo, 26 de agosto de 2007

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JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN

Bernanke e a crise do crédito


Com uma veemência de dar inveja à Fiesp, Wall Street faz intenso lobby por um corte no juro para aliviar os bancos

QUANDO ESCREVO este artigo, as Bolsas estão mais calmas e mesmo o mercado de crédito melhorou, mas a diminuição do apetite para risco entre os investidores ainda afeta os preços dos ativos. No começo desta semana, a diferença entre a taxa que os bancos de primeira linha americanos pagavam no interbancário por um empréstimo de três meses e a taxa do Tesouro norte-americano ultrapassou 2,4%, o maior nível em mais de 20 anos, uma forte indicação da demanda por papéis mais seguros. Na Europa, no mercado de promissórias lastreadas em ativos, uma importante fonte de financiamento para os bancos, apenas 20% dos papéis que venceram foram renovados. Em Nova York, há dúvidas sobre a saúde financeira de uma imobiliária proprietária de alguns dos edifícios comerciais mais conhecidos na cidade.
O problema no "subprime", um pequeno segmento de hipotecas nos Estados Unidos, contagiou a totalidade dos mercados de ativos de risco no mundo e é impossível prever quando a volatilidade vai cair.
Nessa tempestade, todos aguardam as próximas medidas da Fed (Federal Reserve), o banco central norte-americano. Com uma veemência de dar inveja à Fiesp, Wall Street faz desde o começo da crise um intenso lobby por um corte imediato da taxa básica de juros para aliviar a situação dos bancos e fundos de hedge. Nos canais da televisão especializados em notícias sobre os mercados financeiros, comentaristas conservadores que sempre reclamaram de intervenções do governo na economia pedem uma ação urgente e proclamam que Ben Bernanke, o presidente do Fed, simplesmente não entende a profundidade do problema.
A legislação americana dá ao Federal Reserve um mandato claro: Controlar a inflação e preservar o nível de emprego. Como todo banco central, o Fed também se ocupa em regular e manter a solidez do sistema bancário porque isso é necessário para atingir os seus objetivos de crescimento da economia e estabilidade de preços. Mas garantir os ganhos dos investidores não é parte da sua missão.
Há poucos profissionais tão preparados quanto Bernanke para enfrentar essa crise. Na sua carreira acadêmica, ele estudou a crise de 29 e ressaltou o papel desempenhado pelos problemas no mercado financeiro na Grande Depressão. As medidas tomadas até agora pelo BC americano enfatizam sua preocupação com a liquidez no sistema bancário e o desejo de evitar criar um precedente que indique que ele está disposto a salvar os investidores de suas má decisões, o que produziria mais e maiores problemas no futuro. Nesse aspecto, Bernanke parece querer se diferenciar de seu predecessor, Alan Greenspan, que adquiriu uma reputação de se preocupar excessivamente com a saúde financeira de Wall Street, um fator que pode ter gerado o inusitado apetite por ativos arriscados dos investidores nos últimos anos.
Como Bernanke realçou no seu trabalho acadêmico, o banco central precisa estar atento aos efeitos da crise no crédito na economia real.
Há indícios de que a construção civil, um setor importante para o emprego, já está sendo atingida, mas ainda não se sabe o quanto o gasto dos consumidores e o investimento das empresas vão ser afetados. Nada impede que o Fed baixe os juros na sua próxima reunião, em setembro, mas, com a evidência de que dispomos, não parece haver necessidade de um corte antes dessa reunião ou de outras medidas de emergência.


JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN , 59, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
jose.scheinkman@gmail.com


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