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LUIZ GONZAGA BELLUZZO
Proezas da mão visível
A perspectiva de uma desaceleração da economia mundial já promove a rápida "correção" no preço dos ativos
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NA POSTERIDADE da crise asiática, a revista "The Economist" dizia que muitas coisas
desagradáveis começam com a letra
D: desastre, dívida e depressão. Na
opinião da revista, depois das fortes
desvalorizações cambiais de 1997/8,
o mundo estaria diante de outra fatalidade alfabética: a deflação, ou seja, o processo cumulativo e generalizado de queda dos preços. A maciça
intervenção do FMI, do Tesouro
americano e dos bancos centrais
-generosos benfeitores da Bolsa-mercado- salvou a pátria e a reputação dos investidores racionais.
Hoje, o quadro é preocupante. Os
frêmitos e calafrios da economia
global são sintomas da febre de liquidez global que agora ameaçam se
transfigurar nas dores da contração
de crédito. A perspectiva de uma desaceleração da economia mundial já
promove a rápida "desalavancagem" dos fundos de hedge, acentuando o estreitamento generalizado da liquidez, ou seja, a "correção"
desordenada nos preços dos ativos,
a precipitar vendas e brecar as compras. Dessa sina não escaparam os
mercados de commodities que juntam forças ao excesso de capacidade
produtiva na indústria manufatureira chinesa e asiática para deflagrar um processo deflacionário.
David Wessell, analista do "Wall
Street Journal", lamenta, em sua coluna do dia 23: os instrumentos manejados por Bernanke são adequados para consertar um Ford-bigode,
maravilha do começo do século 20,
mas inócuos para reparar os estragos de um bólido controlado por
computadores. Wessell diz que "os
bancos estão entupidos de dinheiro,
mas relutam em emprestar quando
todo mundo corre para o dinheiro e
foge da concessão de crédito (...).
Bernanke e sua mecânica monetária
estacionaram em 1913, na era do sistema banco-cêntrico, mas o conserto da finança de mercado exige instrumentos mais sofisticados".
Na década dos 80, a ampliação dos
mercados de capitais, ao estimular a
colocação direta de papéis de dívida,
capturou as empresas mais fortes e
mais bem reputadas, deixando aos
bancos a clientela de maior risco. Os
bancos foram à luta: reivindicaram e
conseguiram se transformar em supermercados financeiros, superando a separação das funções entre os
bancos comerciais, de investimento
e instituições encarregadas do crédito hipotecário, imposta pelo
Glass-Steagall Act na crise bancária
dos anos 30. As regras da Basiléia
empurraram os bancos para a "securitização" de créditos, agregando no
mesmo "pacote" dívidas de péssima
qualidade, como os créditos "subprime", e devedores confiáveis. Em
seu zelo, os reguladores jogaram os
bancos no colo dos "hedge funds",
instituições imunes à regulamentação e à supervisão das autoridades.
Esse processo culminou no endividamento imprudente dos fundos, na
contaminação do mercado de "comercial papers" lastreados em créditos "subprime" e na degradação da
relação risco/capital para o conjunto do sistema financeiro.
Veja caro leitor: a perspicácia dos
investidores racionais é de tal ordem que eles não economizam audácia nos negócios. Estão certos.
Mais uma vez, seus cabedais e reputação serão salvos pela pronta intervenção da mão visível do Estado.
LUIZ GONZAGA BELLUZZO , 64, é professor titular de Economia da Unicamp. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo
Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de
São Paulo (governo Quércia).
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