São Paulo, sexta-feira, 26 de setembro de 2008

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Economistas criticam lógica do plano

Analistas como Rogoff vêem "idiossincrasia" no preço dos títulos lastreados por hipotecas que pode dificultar negociação

Para Raghuram Rajan, da Universidade de Chicago, "adquirir ativos ao preço deprimido de mercado que existe agora não ajudará"

Tim Sloan/Associated Press
Bush (centro) e os candidatos John McCain (esq.) e Barack Obama (dir.) em reunião com líderes do Congresso na Casa Branca

KRISHNA GUHA
DO "FINANCIAL TIMES"

Quando o secretário do Tesouro, Hank Paulson, expôs pela primeira vez a lógica de seu plano de resgate de US$ 700 bilhões, ele o fez nos seguintes termos: os títulos lastreados por hipotecas e sem liquidez estão "congestionando nosso sistema financeiro" e sufocando o fluxo de crédito. Ao remover esses ativos indesejados, o governo permitiria que os ativos dos bancos ganhassem liquidez, que as instituições limitassem seus prejuízos, levantassem capital novo e voltassem a emprestar normalmente.
O raciocínio não demorou a ser contestado por importantes economistas e figuras de Wall Street. "O verdadeiro problema é que o setor financeiro tem muito pouco capital", disse Raghuram Rajan, da Universidade de Chicago. "Adquirir ativos ao preço deprimido de mercado que existe agora não ajudará."
Caso isso acontecesse, as instituições talvez tivessem de promover redução ainda maior de seu capital, a depender de sua agressividade em contabilizar por valor de mercado as suas carteiras de ativos, até o momento, e isso alimentaria um ciclo vicioso de vendas forçadas que poderiam deprimir ainda mais o preço dos ativos.
O presidente do Fed, Ben Bernanke, respondeu que o objetivo do plano era adquirir ativos a valores superiores ao de seu atual preço de mercado deprimido. Ao fazê-lo, estabeleceria novo conjunto de preços de mercado, contendo a onda de prejuízos ligados à contabilização de ativos pelo valor de mercado e potencialmente permitindo a alguns bancos uma recapitalização contábil, aliviando a compressão de crédito.
Bernanke argumentou que era um erro fundamental imaginar que um ativo tenha apenas um preço de mercado. Os títulos lastreados por hipotecas indesejados têm pelo menos dois preços diferentes: um "preço de venda forçada" e um preço de "retenção até o vencimento", baseado em caixa.
Um programa bem planejado poderia explorar a diferença entre esses dois preços para ajudar a recapitalizar os bancos a custo baixo, se algum, para o contribuinte, explorando as normas contábeis que determinam que ativos sejam contabilizados por valor de mercado para criar um ciclo virtuoso, em lugar de um ciclo vicioso.
Bernanke afirmou que o plano de US$ 700 bilhões estabeleceria o preço ao qual os vendedores que não estivessem em apuros venderiam seus ativos a um comprador que não precise se preocupar com o risco de liquidez e a aversão generalizada do mercado a riscos: o governo.
O preço seria mais alto que o atual preço de venda forçada, e isso conduziria a uma atualização nos valores dos ativos que fortaleceria o sistema mas a preços inferiores ao valor esperado dos títulos em termos de fluxo de caixa, o que garantiria proteção ao contribuinte.
Em meio às reações políticas adversas ao plano, o comandante do Fed se viu forçado a esclarecer que não estava sugerindo que o governo pagasse mais do que devia pelos papéis.
Mas isso não altera de maneira alguma a sua lógica, já que o preço de mercado que existiria quando o fundo de US$ 700 bilhões estivesse em operação seria maior que o preço de venda forçada vigente sob as condições atuais, que permitem a vendedores em dificuldades fazer transações só com compradores privados cujas ações estão restritas pela aversão a riscos e pela falta de liquidez.
Caso o plano funcione, as compras de títulos pelo governo criariam informação sobre os preços dos ativos e catalisariam compras de parte das entidades do setor privado dotadas de capital para investir, já que elas não teriam mais um incentivo para esperar por novas vendas forçadas de ativos.
Mas isso presume que as precondições impostas quanto a salários de executivos e participações acionárias governamentais não sejam proibitivas a ponto de atrair apenas os vendedores em dificuldades.
Além disso, há economistas que contestam até mesmo a versão de Bernanke para o argumento. Ken Rogoff, professor de Harvard, diz que o problema é que os títulos lastreados por hipotecas "são altamente idiossincráticos".
Dado o fator que os economistas designam "informação assimétrica" (o vendedor conhece mais sobre os papéis do que o comprador), o governo poderia terminar pagando mais que o valor de vencimento, ou de fluxo de caixa, dos títulos que adquirir e isso causaria prejuízos aos contribuintes.
Simon Johnson, do MIT, diz que seria melhor adotar processo em dois estágios no qual o governo inicialmente adquiriria ativos sem liquidez a um preço determinado por ofertas privadas e depois recapitalizaria os bancos, como necessário, de maneira transparente.
Além disso, é discutível que o processo de formação de preço adotado nos leilões do governo gere muita informação por causa da grande diferença entre os títulos.
Para que o plano realmente funcione, o governo teria de desenvolver um novo e efetivo vocabulário para padronização dos títulos lastreados por hipotecas. Isso pode parecer simples, mas o setor privado está tentando há um ano.


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