|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTIGO
Mundo precisa de autoridade monetária
JEFFREY GARTEN
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"
MESMO QUE a imensa
operação de resgate
financeiro dos EUA
obtenha sucesso, ela deveria
ser seguida por algo de muito
mais abrangente -o estabelecimento de uma autoridade
monetária mundial para fiscalizar mercados que não respeitam mais fronteiras.
Washington reconhece que a
crise se tornou mundial. Hank
Paulson, secretário do Tesouro
norte-americano, disse que os
bancos estrangeiros que operam nos Estados Unidos serão
elegíveis para assistência federal e está instando outras nações a criarem programas próprios de resgate.
Os bancos centrais também
vêm sincronizando suas injeções de fundos nos mercados.
Essas medidas devem ser passos em direção de resposta internacional mais abrangente
concebida não só para apagar o
atual incêndio mas para reconstruir e manter os mercados de capitais em longo prazo.
O aparato atual de instituições internacionais é miseravelmente incapaz de fiscalizar
o sistema financeiro que está
evoluindo. O FMI (Fundo Monetário Internacional) é irrelevante para essa crise, o G7 (grupo dos sete países mais industrializados) carece de relevância em um mundo no qual China, Brasil e outros exercem papéis importantes, e o BIS (Banco de Compensações Internacionais) não tem funções operacionais. O Federal Reserve
(Fed, o banco central dos Estados Unidos) está sob pressão
forte demais para que funcione
como banco central planetário.
O vácuo que existe no centro
do sistema é perigoso para todos. A dependência norte-americana de influxos maciços de
capital, da ordem de US$ 3 bilhões diários, certamente aumentará agora que os EUA estão adquirindo US$ 1 trilhão
em novas obrigações relacionadas aos resgates em curso. Por
muitos anos, Wall Street e
Washington não serão capazes
de se manter sem forte cooperação de outros mercados.
Dimensões estonteantes
Além disso, as dimensões internacionais do mundo financeiro se tornaram estonteantes. Os ativos mundiais cresceram de US$ 12 trilhões em 1980
para cerca de US$ 200 trilhões
em 2007, superando de longe o
crescimento do PIB (Produto
Interno Bruto) em qualquer
nação ou o ritmo de expansão
do comércio. Montante crescente desse capital hoje reside
na Ásia e no golfo Pérsico, e não
mais nos Estados Unidos e na
Europa.
Uma empresa norte-americana como a seguradora AIG
vendia mais de seus CDS ("credit default swaps") e apólices
de seguros fora dos Estados
Unidos do que no país. O suíço
UBS tem 30 mil funcionários
norte-americanos e está cotado
na Bolsa de Nova York.
Os mercados de capital evoluirão em um contexto no qual
economias de mercado emergente estarão crescendo duas
vezes mais rápido do que as dos
países ricos e, na metade do século, provavelmente responderão por dois terços do PIB
mundial.
A globalização agora criará
também um confronto de filosofias. A maioria dos governos e
dos investidores de fora dos Estados Unidos jamais aderiu ao
estilo caubói do capitalismo
norte-americano. Agora, eles
têm bons motivos para exigir
que mudanças fundamentais
sejam adotadas na maneira pela qual os Estados Unidos administram suas instituições financeiras. Isso pode acontecer
com uma modificação consciente e negociada do modelo
financeiro norte-americano ou
pode resultar da transferência
dos fundos de investidores estrangeiros para outros mercados.
Todas essas considerações
apontam para a necessidade futura de uma nova autoridade
monetária mundial (AMM).
Ela ditaria o tom para os mercados de capital de uma maneira que não seria visceralmente
oposta a uma forte função de
fiscalização pública, com regras
de intervenção, e devolveria à
formação de capital a condição
de objetivo do crescimento
econômico e do desenvolvimento, com o abandono da
idéia de que é suficiente operar
por operar.
Funcionamento
Uma AMM funcionaria como central de resseguro ou casa de desconto para determinadas obrigações detidas por bancos centrais. Avaliaria as atividades regulatórias das autoridades nacionais de forma mais
eficaz que o FMI e fiscalizaria a
implementação de um número
limitado de regulamentos
mundiais. Monitoraria os riscos internacionais e estabeleceria um sistema efetivo de
alerta antecipado, com mais
moral para soar alarmes do que
era o caso do BIS.
A instituição também funcionaria como "tribunal de falências" para a reorganização
mundial de companhias financeiras com tamanho superior a
um determinado limite. As
maiores companhias financeiras mundiais teriam de se registrar junto à AMM e estariam
sujeitas à sua monitoração, ou
seriam incluídas em uma lista
negra. Isso incluiria empresas
comerciais e bancos, mas também fundos soberanos de investimento, fundos de hedge de
grande porte e empresas de capital privado.
O conselho da AMM seria
formado por dirigentes de bancos centrais não apenas dos Estados Unidos, do Reino Unido,
da zona do euro e do Japão mas
também da China, da Arábia
Saudita e do Brasil. A instituição seria financiada por contribuições compulsórias de todos
os países capazes de pagar e por
prêmios à maneira de seguros
pagos pelas empresas financeiras do planeta -as de capital
aberto, as estatais e as de capital fechado igualmente.
Em termos de política norte-americana e internacional, a
autoridade monetária mundial
provavelmente representa
uma idéia cujo momento ainda
não chegou. Mas isso pode mudar, à medida que evolui a crise
atual.
JEFFREY GARTEN é professor da cátedra Juan
Trippe de comércio internacional e finanças na
Escola de Administração de Empresas da Universidade Yale.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Texto Anterior: Argentina: Cristina diz que país não enfrenta problemas com inflação Próximo Texto: Crise global Índice
|