São Paulo, sexta-feira, 26 de setembro de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

Marcado para morrer no mercado


Finança investiu em excesso, em porcaria, destruiu sistema de preços e pede tabelamento e capital ao governo dos EUA

A FINANÇA americana precisa do pacotão porque o sistema de preços de produtos financeiros entrou em colapso (e por falta de capital, claro). O governo dos EUA vai "tabelar" os preços de tais produtos, pois os papéis que vai comprar não têm valor de mercado, na prática: nada valem ou raros no mercado querem cotá-los e comprá-los. O mercado livre pede ao Estado para fazer o preço. Os mercadistas livres, porém, diziam que os preços deveriam refletir a informação disponível no mercado, que daria o melhor preço, certo? Mas foi a finança que arruinou o sistema de preços.
Instituições financeiras quebram porque não podem ou não conseguem vender alguns de seus ativos, tais como instrumentos financeiros complexos. Não vendem, entre outros motivos, porque os preços são bem menores do que imaginavam os financistas, agora ou há mais de ano.
Ressalte-se o "imaginavam". Muitos papéis eram cotados por meio de modelos matemáticos ou fantásticos (cotação de fantasia, na tradução livre de "marked to fantasy", paródia de "marked to market", "marcado a mercado" ou, em português de gente, cotado pelo preço de mercado).
Nos últimos negócios relevantes, em julho e agosto, títulos foram vendidos por uns 25% do seu valor imaginário -a 25% do valor de quando tais papéis foram emitidos. Sem pânico, tais papéis poderiam valer 60%, chuta-se, o que já é bem ruim.
Mas o pânico não é resultado de um raio em dia de céu azul. O tumulto se deve à alocação ineficiente de capital. Isto é, investiram em excesso, em porcaria e, vários, de modo fraudulento. Os preços não foram distorcidos por intervenções do Estado. Há 30 anos o mercado obtém a liberdade que quer. O mercado "se enganou" porque o BC dos EUA deixou os juros em níveis muito baixos por tempo demais? Hum. Isso quer dizer que a finança é um bicho mais tolo do que um cachorro pavloviano, morto por ter comido carne envenenada após ouvir a sineta do almoço?
Haverá quem diga que os "incentivos" eram errados, e por isso o mercado se "desviou". A arenga não cola mais -é tautologia, é explicação ad hoc ou coisa pior. Ninguém notou que os incentivos estavam "errados" antes de o caldo entornar. De resto, quem é o deus da sabedoria dos incentivos? O comitê dos sábios ditará aos reguladores os incentivos corretos, livres que são da contaminação suja da vida e do interesse?
Aliás, no caso presente dos EUA, a campanha pela ajuda da "mão amiga e visível" do Estado tem o apoio político do presidente do Fed, um dos guardiões da teoria e da boa técnica.
Em resumo, o mercado capturou as instituições oficiais e se viu livre.
Agora, numa situação como a de um seqüestro com ameaça de morte, quer ajuda estatal, de resto sem contrapartida. Mas isso tudo não quer dizer que o Estado deva fabricar aço, gerenciar aeroportos ou fundos de garantia, ter bancos estaduais ou gastar em pirâmides para "incentivar" o crescimento. Ou que a solução é "só mais regulação" (qual?). Ou que os derivativos estão mortos (a tecnologia, em si, é brilhante). Ou que o "neoliberalismo morreu" (entre outras razões porque fantasmas não morrem, mesmo os ideológicos). Mas o mercado "papai sabe tudo" de preços e de alocação eficiente era falácia, como se vê outra vez.

vinit@uol.com.br


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