São Paulo, sexta-feira, 26 de outubro de 2001

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LUÍS NASSIF

A estratégia para enfrentar a Alca

O seminário sobre a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) realizado pela Câmara dos Deputados marca o início efetivo do envolvimento de todos os setores nacionais na discussão sobre acordos comerciais. Foi um ato importante do presidente da Câmara, deputado Aécio Neves, e do deputado Marcos Cintra.
O que está ocorrendo hoje são ações isoladas, sem nenhuma coordenação maior e sem envolvimento das partes interessadas. Há dois tipos principais de personagens envolvidos nessa história. Na linha de frente, há os negociadores -em geral, egressos do Itamaraty. Na linha de trás, os setores econômicos (empresários e trabalhadores) que serão diretamente afetados, positiva ou negativamente, pelas negociações.
Processos desse tipo exigem negociações caso a caso, exigem que se entenda o que se está perdendo ou ganhando em cada setor, para poder negociar o todo.
O setor produtivo está ausente do processo. Há pouca mobilização de empresários e sindicalistas, que acabam se escudando em uma posição defensiva genérica. Essa alienação entregou um superpoder nas mãos dos negociadores, cujo exemplo mais patente foi a manifestação da doutora Vera Thorstensen na mesa de encerramento do seminário.
Pensador refinado da diplomacia brasileira, o embaixador do Brasil em Paris, Marcos Azambuja, reconhece que longe se vão os tempos em que o Itamaraty era o único braço internacional e modernizador do país. O Brasil tornou-se economia sofisticada, e o grande papel da diplomacia brasileira é se inserir na sociedade civil, conversar, se integrar e entender suas reais necessidades.
Egressa da FGV-SP, negociadora competente, membro da missão brasileira na OMC, dona Vera defendeu a curiosa tese de que, sendo especialistas em negociações, tendo sentado à mesa de diversas rodadas comerciais, os negociadores são os únicos aptos a negociar. Ótimo! Negociadores são insubstituíveis nas negociações, como pilotos são insubstituíveis para pilotar aviões. Eles sabem "como" negociar. "O que" negociar é algo que vai além de suas atribuições, como definir a rota do avião não é papel do piloto. Para saber "o que" negociar, exige-se conhecimento sobre o objeto a ser negociado e mandato para tal. E objeto a ser negociado não são descrições setoriais vagas nem conceitos no vazio (tipo "toda abertura comercial é boa", ou seu oposto, "toda abertura comercial é ruim"), mas amplo conhecimento sobre as condições nas quais opera cada setor brasileiro no tema a ser tratado.
Na mesma mesa, com a fria objetividade que caracteriza o pensamento norte-americano, o dr. Peter Hakim, reputado presidente da Inter-American Dialogue, descreveu em minúcias o papel do Congresso norte-americano e o jogo de forças que influi na posição dos parlamentares. Deputados liberais tornam-se protecionistas quando entram em jogo os interesses de seu distrito, e vice-versa. O que abre uma nova linha estratégica, que é a exploração das divergências internas dos países com quem se negocia.
Posto isso, que os negociadores baixem a crista -por justiça, saliente-se que essa postura não é generalizada entre os negociadores brasileiros- e que os setores da economia levantem a voz e participem.
Há um hábito tipicamente latino-americano de entrar nessas negociações brandindo conceitos genéricos. Esses conceitos têm que ser transformados em propostas concretas, caso a caso. É trabalho muito mais complexo do que a mera formulação genérica.
Para tanto impõe-se a exigência de um fórum institucionalizado que defina claramente o papel de cada parte. Os negociadores trazem suas informações acerca das estratégias e dos limites das negociações. O setor produtivo -associações empresariais e sindicatos- define claramente seus interesses. Desse conhecimento recíproco dependerá o sucesso das negociações.


Internet: www.dinheirovivo.com.br

E-mail: lnassif@uol.com.br


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