São Paulo, sábado, 26 de outubro de 2002

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LUÍS NASSIF

O avalista da transição

Há cerca de um ano, em um programa "Roda Viva", na TV Cultura de São Paulo, o presidente do PT, deputado federal José Dirceu, apresentou as linhas gerais da estratégia para trazer o partido para o centro e conquistar o poder no país. A partir desta segunda-feira, com a estratégia provavelmente vitoriosa, Dirceu desponta como um dos grandes avalistas da transição.
Na época, era longínqua a perspectiva do PT vencer as eleições presidenciais. Lula demonstrava desânimo com a possibilidade de uma nova campanha e uma nova derrota e a crise cambial de 1999 havia deflagrado processo de radicalização geral do país, que acabou afastando o partido da trajetória centrista que vinha perseguindo.
Há três momentos na vida de um partido. A fase inicial, de criação; a fase de consolidação e a fase em que se prepara para se tornar poder. Aparentemente o PT começou a se preparar para a terceira fase por aqueles dias em que Dirceu foi entrevistado pelo "Roda Viva".
É um projeto que passava por três etapas: consolidar o poder dentro do PT, segurando seus radicais; vencer as eleições e assegurar a governabilidade. As duas primeiras foram cumpridas com uma eficiência raras vezes vista na moderna história política brasileira. O grupo de centro venceu as eleições internas do partido. Eleito presidente, Dirceu passou como uma motoniveladora sobre os radicais, ajudando a consolidar o poder dos moderados sobre o partido.
A segunda etapa da estratégia -convencer os setores de fora do partido das mudanças ocorridas- começou no primeiro semestre, pouco antes do início da campanha. Montou-se a assessoria econômica, indicaram-se os porta-vozes, disciplinou-se o discurso e o próprio Dirceu passou a circular entre empresários, agentes do mercado, banqueiros internacionais. O PT passou a se dar conta da gravidade da crise e da importância de não brincar em serviço. E gradativamente foi convencendo os interlocutores de que as mudanças internas não eram meramente táticas, mas representavam processo profundo em direção ao centro.
O discurso foi se impondo sobre as dúvidas e, na medida em que clareava, provocava movimentos das alas mais radicais, que começam a se organizar em bloco, tornando mais nítida a imagem do PT aos de fora.
Em determinado momento, aqui mesmo supus que o fracasso de um projeto moderado poderia levar o grupo de Dirceu a uma aliança tática com os radicais. A campanha do segundo turno ajudou a clarear melhor as posições. Ficou claro que a aposta na moderação dificilmente terá volta. O sucesso do atual grupo hegemônico do PT está umbilicalmente ligado ao sucesso da estratégia de coalizão.
A partir desta segunda-feira, o destino do partido deverá estar ligado ao destino do país. Há um enorme desafio econômico pela frente, de cujo desfecho dependem os desdobramentos políticos das eleições. Vencido o desafio, parece claro que se terá um PT assumindo de forma cada vez mais nítida a social-democracia, disputando esse espaço com o PSDB, e os núcleos mais à esquerda se aliando a movimentos populares (tipo MST) para a constituição de um partido de ultra-esquerda.
Não está claro ainda como se comportará Lula nesse jogo político, mesmo porque ele não tem perfil para papéis decorativos. Lula é um sujeito determinado, cujo estilo de política é não permitir que nenhum assessor se sinta suficientemente poderoso.
Em estando na cadeira de presidente, será inevitável render-se ao personalismo que não poupa nem professores PhDs. Se o porre da vitória durar pouco e ele se efetivamente tiver sido conquistado para a causa da moderação, a transição política no país será vitoriosa.

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