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São Paulo, domingo, 26 de outubro de 2003

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CONCORRÊNCIA

Com instrumento que beneficia quem fornecer informações, ex-membro diz que empresas combinavam licitações

Ex-integrante denuncia suposto cartel no RS

ANDRÉ SOLIANI
JULIANNA SOFIA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Pela primeira vez no país, um integrante de um suposto cartel denunciou a autoridades públicas detalhes de um esquema montado por um grupo de empresas, do qual já fez parte, para fraudar licitações, combinar preços e subornar funcionários públicos.
O suposto cartel foi arquitetado por 18 empresas de segurança privada do Rio Grande do Sul, segundo informações fornecidas pelos delatores do conluio ao secretário de Direito Econômico, Daniel Goldberg. Há evidências de que a atuação do grupo tenha ramificações em outros Estados.
A Folha teve acesso a um resumo das principais acusações contra os empresários, baseadas em fitas de vídeo e de áudio, documentos e declarações repassadas pelo empresário do setor Rubem Baz Oreli e por seu funcionário Alexandre Luzardo da Silva.
Oreli está protegido de qualquer sanção legal, pois assinou um acordo de leniência com Goldberg e os Ministérios Públicos Estadual e Federal. Esse instrumento legal, criado em 2000 no país por meio de lei federal, beneficia com redução ou até isenção de punições quem identificar e fornecer informações e documentos que comprovem a infração.
Também é requisito que a pessoa envolvida na violação tenha sido a primeira a se qualificar para o acordo e que colabore até o fim das investigações.
O mecanismo até hoje não havia sido usado no país. Luzardo não teria participado do cartel.
"Foi graças ao acordo de leniência que obtivemos as informações necessárias para abrir esse processo", disse Goldberg. Ele afirmou apostar que o primeiro caso de um suposto cartel denunciado por um integrante do próprio esquema será um divisor de águas no combate aos crimes contra a ordem econômica.
Nos Estados Unidos, que começaram a usar com frequência acordos do gênero a partir de 1997, há 40 casos de cartel que aguardam julgamento. Desses, 20 começaram graças a informações de integrantes do conluio.

Apreensão
O cartel, de acordo com a denúncia, se reunia toda segunda-feira para decidir as empresas do grupo que ganhariam as licitações e quais seriam os preços apresentados nas concorrências.
Consta no processo que os empresários discutiam até "subornos a servidores públicos encarregados da elaboração do edital" nos encontros de segunda-feira, que aconteciam na sede da Assevirgs (Associação dos Vigilantes do Rio Grande do Sul).
"O governo federal, aparentemente, foi uma de suas vítimas", disse Goldberg sobre as principais acusações contra o grupo.
O governo acredita ter reunido indícios de que Edgar Rolim, dono da Rota Sul, maior empresa do setor na região, chefia o cartel.
A SDE (Secretaria de Direito Econômico), as polícias Federal, Civil e Militar e membros do Ministério Público do Estado realizaram, em conjunto, operação de busca e apreensão de documentos e computadores numa casa usada pela empresa para guardar documentos, em Porto Alegre, na quinta-feira. A força-tarefa vasculhou ainda locais que pertencem aos donos de 4 das 18 empresas e 2 sindicatos.
A megaoperação, sigilosa, envolveu cerca de 70 pessoas. Os estabelecimentos foram invadidos no mesmo horário para evitar que uma empresa pudesse avisar a outra. O objetivo era evitar a destruição de documentos.
A Seae (Secretaria de Acompanhamento Econômico) já analisou 14 licitações que a Rota Sul ganhou para prestar serviços a órgãos do Ministério da Fazenda no Rio Grande do Sul. Há suspeitas de fraudes em quase todas.
As supostas irregularidades coincidem com as descrições de Orelli e Luzardo sobre a forma de atuação do grupo. Em 13 das 14 concorrências, empresas foram desclassificadas por apresentar preços acima do permitido pelo edital -sinal de que teriam entregue propostas sem a intenção de ganhar o contrato.
Em nenhuma das propostas de habilitação havia representante credenciado de outra empresa além da Rota Sul.
"Embora tenham ocorrido 15 inabilitações nas licitações, não houve sequer um recurso apresentado por empresa declarada inabilitada", diz o relatório da Seae. Quando existe concorrência, as empresas inabilitadas para o processo de escolha normalmente recorrem da decisão.
Como existem cerca de 60 empresas de vigilância no Rio Grande do Sul e só 18 fazem parte do suposto cartel, havia um esquema para impedir a concorrência dos que não estavam no conluio, de acordo com as acusações.
Advogados, por exemplo, seriam contratados para negociar com os elaboradores dos editais a inclusão de requisitos adicionais para impedir a entrada de empresas de fora do grupo.
O processo administrativo contra os integrantes do suposto cartel deverá ser publicado amanhã no "Diário Oficial" da União.
O Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) julgará o caso com base nas informações e pareceres da SDE e da Seae assim que os receber. Se consideradas culpadas, as empresas podem pagar multa de 1% a 30% do faturamento bruto do ano passado, além de sofrer outras penas.


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