São Paulo, terça-feira, 26 de outubro de 2004

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OLHAR ESTRANGEIRO

Sem capital privado, país sofre com gargalos de infra-estrutura

Brasil pode ter apagão, diz jornal inglês

JONATHAN WHEATLEY
DO "FINANCIAL TIMES"

Os investidores estão otimistas quanto às perspectivas de crescimento econômico no Brasil neste ano. O mais recente consenso do mercado é o de que o PIB (Produto Interno Bruto) se expandirá em mais de 4,5%, bem acima da meta de 3,5% definida pelo governo no começo de 2004.
Mas crescem as preocupações quanto à possibilidade de que a envelhecida infra-estrutura do país não suporte o ritmo. Neste mês, a ONS (organização conjunta do setor público e privado cuja missão é fiscalizar o setor de eletricidade) alertou de que o país poderá ter escassez de energia a partir de 2008. O último período de escassez aconteceu em 2000/ 2001, um momento em que a economia também vinha crescendo à razão de 4,5%. O racionamento de eletricidade pôs fim ao bom momento, e o crescimento anual médio está em 1% desde então.
A consultoria Tendências, de São Paulo, diz que o setor de eletricidade precisa de investimentos da ordem de R$ 20 bilhões (US$ 7 bilhões) ao ano, pelos próximos dez anos, para acompanhar a demanda. O governo deve arcar com um terço do total. Muitos grupos internacionais de energia que se arrependem dos pesados investimentos realizados no Brasil no final dos anos 90 enfrentam problemas ainda maiores em seus mercados de origem, e é improvável que cubram a diferença.

Fundos de pensão
A conclusão talvez pudesse ser a de que as luzes começarão a se apagar em breve. Mas existe um vislumbre de esperança. Um motivo de otimismo é o interesse que os fundos de pensão vêm demonstrando pelo setor. Eles são exatamente a espécie de instituição, com seus compromissos de longo prazo e a necessidade de ativos de longo prazo, que deveria ser vista como investidor natural. Tradicionalmente, porém, vêm limitando os seus investimentos à aplicação em papéis de dívida pública de curto prazo.
Isso começa a mudar. A taxa básica de juros do Banco Central caiu de 26,5% no começo de 2003 para 16% no segundo trimestre deste ano, ainda que um reaquecimento na inflação ao consumidor a tenha devolvido aos 16,75%. Títulos públicos de rendimento mais baixo e um aumento superior ao esperado nos índices de preços do atacado, aos quais muitos fundos vinculam suas metas atuariais de retornos, dificultaram a realização dos objetivos dessas instituições neste ano.
Guilherme Lacerda, presidente do Funcef (fundo de pensão da Caixa Econômica Federal), diz que quaisquer dificuldades são estritamente de curto prazo e que os papéis do governo continuam a ser um investimento seguro. O Funcef tem R$ 17 bilhões sob administração e dedica cerca de dois terços de seu fundo aos títulos do governo, com vencimento médio de menos de quatro anos. Mesmo que mantenha a fé nesse tipo de papel, Lacerda diz que o fundo vem trabalhando com afinco para alongar a vida de seus ativos.
O Funcef, de fato, liderou a tendência no que tange ao investimento em títulos públicos de prazo mais longo. Neste mês, adquiriu R$ 200 milhões dos R$ 210 milhões em títulos emitidos pelo governo para vencimento em 2045.
Agora, a instituição está se preparando para procurar dinheiro novo para a eletricidade. O Funcef responderá por até um quarto do capital de um fundo a ser lançado nas próximas semanas pelo BNDES, com o objetivo de arrecadar pelo menos R$ 600 milhões para investimento em usinas termelétricas. O fundo também está criando uma empresa com propósitos especiais, em parceria com outros fundos de investimento, para adquirir equipamento de prospecção de petróleo.
Outros segmentos da infra-estrutura brasileira também precisam de investimento. Neste ano, haverá um déficit de 20 milhões de toneladas no sistema de transporte que conduz cargas aos portos do Sul, dizem os exportadores de grãos. O Ministério do Comércio e Indústria diz que é preciso criar capacidade para o transporte de 200 milhões de toneladas adicionais ao ano, até 2007.
Uma fonte potencial de recursos é um novo fundo que será lançado pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). O Brazil Infrastructure Investment Fund planeja arrecadar R$ 1,5 bilhão, dos quais o banco fornecerá R$ 75 milhões em capital básico.

PPPs
Iniciativas como essa não serão o bastante sem outras medidas. O governo espera que mais dinheiro seja levantado por meio de uma nova legislação que permite parcerias entre o setor público e o privado (as PPPs). Mas o potencial das PPPs continua indefinido.
Os investidores também estão preocupados com as intenções do governo. Embora tecnocratas afeitos ao liberalismo no BC e no Ministério da Fazenda venham pressionando por reformas que abram mais o mercado, alguns investidores temem que ideólogos próximos ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva continuem a suspeitar da iniciativa privada.
Todos sabem que a necessidade é a mãe da invenção. Poucos duvidam da necessidade de mais capital privado para a infra-estrutura brasileira. E um caminho para isso começa a ser traçado.


Tradução de Paulo Migliacci

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