São Paulo, domingo, 26 de outubro de 2008

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Navios saem vazios, afirma transportadora

Crise financeira mundial afetou fluxo de cargas transportadas pela Hamburg Süd, diz diretor da empresa

AGNALDO BRITO
DA REPORTAGEM LOCAL

A exportação brasileira de carne para a Rússia e o transporte de produtos eletroeletrônicos do Pólo Industrial de Manaus (AM) para os centros de consumo do país foram afetados pela crise financeira global.
Os efeitos nesses setores atingiram o fluxo de cargas transportadas pela Hamburg Süd, a maior companhia de navegação em operação nos portos brasileiros -proprietária da Aliança. A falta de crédito e o sobe-e-desce do real ante o dólar chegaram aos porões da navegação transoceânica e de cabotagem.
Para a Rússia, deixaram de sair entre 250 e 300 contêineres por semana, um problema que pode se estender até o fim do ano. Preocupa a empresa.
Da Zona Franca, a companhia começou a enfrentar dificuldades para conseguir embarcar, semanalmente, mil contêineres com eletroeletrônicos. A crise no Pólo de Manaus tem potencial para afetar o abastecimento do Natal, avalia a Hamburg Süd.
"A maior dificuldade dos clientes é decidir o que fazer com as incertezas do câmbio. Fazer uma importação ou exportação sem saber em que patamar o câmbio vai estar é muito complicado", disse Julian Thomas, diretor da companhia.
Mesmo com menor fluxo de contêineres, a empresa anunciou a expansão do número de navios operando no país a partir de novembro. Parece contra-senso, mas a razão para isso está em outra crise: a portuária, pela deficiência operacional dos portos. A seguir, os principais trechos da entrevista.

 

FOLHA - A Hamburg Süd foi afetada pela crise?
JULIAN THOMAS
- O mercado de carnes e de alimentos para a Rússia foi afetado imediatamente. Os embarques pararam. Felizmente, quando houve a parada, uma parte da carga foi desviada para a Ásia. Mas é algo preocupante, porque pelo menos até o final do ano estimamos que não haverá quase nada desse embarque. Embarcávamos entre 250 e 300 contêineres por semana para a Rússia. Obviamente que isso tem grande impacto.

FOLHA - O que ocorreu com a Rússia?
THOMAS
- Eles tinham grandes estoques. Os nossos clientes lá [na Rússia] alegaram dificuldades na obtenção de crédito para pagar as importações. Os importadores também estão querendo renegociar os preços devido à desvalorização do real. Adotam o seguinte raciocínio: "Bem, se vocês [no Brasil] vão receber mais reais [devido à desvalorização do real], quero uma parte desse ganho".

FOLHA - Que outro tipo de carga foi afetada?
THOMAS
- Muitos clientes estão falando que a carga regular continua seguindo. O pessoal está cumprindo os contratos. A expectativa é que até o início de dezembro os negócios correntes devem continuar. O impacto maior será sentido apenas no início de 2009, mas, de qualquer forma, esse é um período mais fraco. A maior dificuldade dos clientes é decidir o que fazer com as incertezas no câmbio. Fazer uma importação ou exportação sem saber em que patamar o câmbio vai estar é muito complicado. Há o impacto provocado pelo crédito, que ainda é cedo para avaliar.

FOLHA - O que pode acontecer com o comércio exterior brasileiro?
THOMAS
- Isso vai depender do câmbio e da conjuntura mundial. Se o câmbio se estabilizar em R$ 2 ou R$ 2,10, o impacto na exportação será positivo. Acho que o crescimento da importação não será tão pujante, como foi em 2007 e neste ano.

FOLHA - Qual o número de embarques da Hamburg Süd no Brasil?
THOMAS
- Embarcamos entre 14 mil e 15 mil contêineres de 20 pés por semana. Isso inclui a cabotagem, que também está sendo afetada pela crise. O setor eletroeletrônico está com a mesma insegurança em relação ao câmbio. Com isso, a indústria em Manaus não está mandando carga para o Sul porque -como no caso da exportação- eles não sabem definir o preço de venda. Como a base de tudo é o dólar, a incerteza do câmbio está dificultando a comercialização para eles.

FOLHA - Mas qual o fluxo de carga de Manaus para a região Sul do país que está sendo afetado?
THOMAS
- Numa época pujante, a gente costuma embarcar mil contêineres por semana de Manaus para a região Sul. Por isso, essa incerteza pode afetar as vendas do Natal. Não posso dizer que vai [afetar], é um pouco cedo para avaliar, mas estamos sentindo uma redução no volume dos embarques. Temos alguns navios que estão embarcando esse volume de mil contêineres, mas já estamos notando uma diminuição.

FOLHA - Essa baixa no fluxo internacional e doméstico de contêineres fez a Hamburg Süd reduzir o número de navios em operação no Brasil?
THOMAS
- Pelo contrário, estamos aumentando.

FOLHA - Como?
THOMAS
- O que estamos fazendo não tem muito a ver com a crise, mas no momento estamos tendo dificuldades muito grandes devido às limitações da infra-estrutura nos portos. Estamos colocando mais navios para conseguirmos ficar mais tempo nos portos. Por exemplo, na nossa linha que atende a Ásia, temos um serviço semanal que opera com dez navios, numa rota que faz uma volta completa em 70 dias. A gente vai mudar a viagem completa para 77 dias e colocar mais um navio. Isso gera uma semana a mais de tempo para uma viagem redonda. Uma parte dessa semana adicional para o giro completo dos dez navios será usada para podermos operar mais tempo no porto. A gente vê que precisa de mais tempo para ter um serviço confiável. O mesmo vai ocorrer na rota Brasil-EUA e na rota Golfo-Caribe. Nos dois casos, vamos elevar o número de seis para sete navios. Isso permite compensar o tempo que a gente está perdendo no porto com esperas para atracação e com a produtividade baixa nos terminais.

FOLHA - Isso vai custar mais?
THOMAS
- Vai. Para cada navio pequeno, o custo estimado será de US$ 18 milhões por ano. Para um navio grande, do tipo que operamos na linha para a Ásia, o custo por navio será de US$ 30 milhões por ano. Os problemas de infra-estrutura são um assunto velho no Brasil. Mas vale dizer que essas medidas não foram tomadas apenas por problemas no país. Também temos problemas na África do Sul, na região do Caribe, na Venezuela. Não posso dizer que esse seja um problema exclusivamente brasileiro, mas o país tem um peso grande.

FOLHA - Quando a companhia vai adotar a medida?
THOMAS
- Até novembro estará em pleno funcionamento.

FOLHA - E deve ser mantida por muito tempo?
THOMAS
- Sim, porque a infra-estrutura não melhora no curto prazo. Há uma indefinição do marco regulatório. [O governo promete há um ano um decreto que regulamente a forma como autorizará terminais privativos no país]. Acho que os investimentos virão, são absolutamente necessários. Com crise ou sem crise, a gente acredita que os investimentos virão porque a necessidade de infra-estrutura é tão grande que não há como reduzir os projetos por conta da crise. Agora, o prazo de maturação dos investimentos será longo. Só um terminal de contêineres demora, entre as licenças e o funcionamento, no mínimo cinco anos. O mais normal é de oito a dez anos.


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