São Paulo, domingo, 26 de outubro de 2008

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Califórnia antecipa a recessão nos EUA

No Estado em que a crise começou, desemprego atinge quase 8% e sobe a 11% nas áreas mais afetadas pelo estouro da bolha imobiliária

80 mil famílias perderam suas casas nos últimos três meses, um aumento de 230% em relação a igual período do ano passado


FERNANDO CANZIAN
ENVIADO ESPECIAL À CALIFÓRNIA

Há um ano, a imigrante filipina Alona Llavori estava comprando duas casas financiadas no valor total de US$ 807 mil em Stockton, cidade-dormitório nos arredores de São Francisco, na Califórnia. Morava em uma, de US$ 450 mil, e alugava a outra, avaliada na época em US$ 357 mil.
Agora, Llavori mora de aluguel. Perdeu os dois imóveis por falta de pagamento das prestações. Seu pequeno negócio, de seguros residenciais, foi afetado em cheio pelo estouro da "bolha imobiliária", obrigando-a a entregar os imóveis ao banco. As duas prestações juntas somavam US$ 4.400 ao mês. Hoje, luta para bancar um aluguel de US$ 1.500.
Além de perder suas duas casas e morar de aluguel, Llavori agora corre o risco de ter de se mudar de novo. Assim como ela, o proprietário da casa que ela aluga tem dois imóveis, também financiados (um para morar, outro para alugar). Ele também está inadimplente.
"Em 22 anos nos EUA, nunca estivemos tão mal. Perdemos tudo, até os US$ 100 mil da entrada dos imóveis. Tentamos renegociar, mas os bancos não quiseram conversa", diz Llavori. Ela ainda toca o negócio de seguros, bastante em baixa no momento, com o marido, com quem tem três filhos.
Stockton, a 120 km de São Francisco, está cheia de histórias assim. A cidade, de 280 mil habitantes, viveu o maior boom imobiliário da Califórnia e é considerada nos EUA como o "marco zero" da atual crise financeira global.
Em última análise, é por causa de pessoas como Llavori (além do banco que a financiou) que o mundo está sofrendo a sua maior crise financeira em quase 80 anos. As dívidas dessas pessoas foram transformadas em garantias para bilhões de dólares em títulos renegociados ao redor do mundo. Quando se descobriu que Llavori e outros não tinham como pagar, toda a cadeia ruiu.

Laboratório da crise
A Califórnia foi o primeiro Estado a viver um boom de preços dos imóveis, quando milhares de pessoas obtiveram crédito para comprar casas. Foi também o primeiro Estado onde a bolha explodiu. O Estado é considerado um "laboratório" do que está por vir no resto dos EUA, que sofreu o mesmo boom quase um ano depois. Se de fato a Califórnia serve de parâmetro para o futuro, ele não é nada animador.
A Califórnia tem hoje uma das mais altas taxas de desemprego nos EUA: 7,7% (a maior em 12 anos), contra 6,1% na média nacional. Em cidades como Stockton e outras que viveram mais intensamente o boom e o "bust" (estouro) da bolha, o desemprego já roça os 11%. Nos últimos três meses, cerca de 80 mil famílias perderam suas casas, alta de 230% em relação a igual período de 2007. "Aparentemente, as coisas primeiro vão piorar antes de começarem a melhorar", diz Stephen Levy, diretor do Centro de Estudos Continuados da Economia da Califórnia.
Embora tenha havido uma reação no volume de negócios imobiliários no Estado, os preços das casas ainda estão cerca de 40% abaixo dos de 2007.
Já a economia como um todo está em visível desaceleração. Na principal rua de São Francisco, a sofisticada Market Street, há dezenas de liquidações com até 75% de desconto e inúmeras lojas fechadas para alugar. O maior shopping local, o Westfield, estava quase completamente vazio na hora do almoço da quarta passada e oferecia o sorteio de um Jaguar de R$ 120 mil para atrair clientes.
Nas previsões do Departamento de Economia da UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles), o Estado não deve crescer nem no atual trimestre nem no primeiro de 2009.
O PIB (Produto Interno Bruto) da Califórnia corresponde a 15% do total nacional e equivale a uma vez e meia o do Brasil. Mas, a partir de 2007, pela primeira vez em vários anos, o comércio passou a vender menos. E o governo, a arrecadar cada vez menos impostos, principalmente de taxas relacionadas a valores de imóveis.
Em caráter emergencial, o governador do Estado, o ator de Hollywood Arnold Schwarzenegger, foi obrigado a emitir US$ 5 bilhões em bônus há duas semanas para fechar as contas. Para sua sorte, a emissão foi realizada em uma semana de pânico nas Bolsas americanas, fato que levou muitos investidores a se refugiar em papéis públicos, como títulos estaduais e do Tesouro dos EUA.
Alem das 221 mil pessoas demitidas no setor de construção nos dois últimos anos, trabalhadores de áreas como serviços, administração e alta tecnologia começam agora a perder os seus empregos.
Na semana passada, por exemplo, a Yahoo, sediada em Santa Clara, no Silicon Valley, anunciou o corte de 1.500 pessoas, ou cerca de 10% do total.
Mas o setor financeiro é de longe até aqui o que mais causa estragos, por figurar entre os mais bem remunerados no país. Nos últimos dois anos, houve uma diminuição de 6,9% no total de vagas nessa área na Califórnia. No resto do país, o corte foi de apenas 1,5%. Por enquanto.


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