São Paulo, domingo, 26 de outubro de 2008

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Perdas bilionárias arranham a imagem de solidez de bancos suíços

Com a crise, nem o seguro e discreto sistema do país dá garantia a investidores

MARCELO NINIO
DE GENEBRA

Uma charge publicada há poucos dias na primeira página do jornal "Le Temps", o mais influente de Genebra, ilustra o desencanto dos suíços com seus bancos. Uma dona-de-casa rechonchuda, segurando o seu cofre-porquinho, é agraciada com o Prêmio Nobel de Economia: "À Sra. Brouchon, por ter sabido guardar suas economias", diz o sisudo apresentador do prêmio.
Até há pouco tempo, ninguém imaginava que o lendário sistema bancário suíço -de boa e má famas por ser um porto seguro e discreto para o dinheiro de toda parte do planeta- fosse virar motivo de piada. Mas o contágio dos dois maiores bancos do país pela crise americana espalhou o temor de que poderiam ser as próximas peças a cair no instável dominó financeiro mundial.
O governo e os bancos negam que o risco exista. A maioria dos analistas concorda que o sistema bancário da Suíça continua sendo um dos mais sólidos do mundo. Mas a imagem de fortaleza monetária foi arranhada pelas perdas bilionárias. E elas não pouparam quase ninguém. Consultados pela Folha, dois operadores que administram bens de brasileiros na Suíça estimaram que seus clientes tiveram perdas entre 10% e 15% dos investimentos.
Mesmo quem não havia aplicado em derivativos ligados ao "subprime" americano, explica um deles, foi atingido pelas quedas gerais nos mercados.
Especialistas calculam que pode haver até US$ 250 bilhões em recursos brasileiros depositados ilegalmente lá fora, boa parte na Suíça. É o equivalente ao total de reservas do país.
A desconfiança em relação aos grandes bancos deu início a uma fuga de depósitos. O UBS (União de Bancos Suíços), maior banco europeu, estimou o volume de retiradas de seus cofres em US$ 70 bilhões.
Não houve longas filas nos caixas para testemunhar a sangria -hoje a maioria das operações é feita pela Internet-, mas os bancos menores da Suíça, como os cantonais (estaduais) registraram súbito aumento no número de depósitos.
Para restaurar a confiança, o governo decidiu agir. Anunciou um plano de resgate de US$ 60 bilhões, que teve como alvo principal o gigante UBS, maior administrador de fortunas do mundo e a principal vítima européia do estouro da bolha imobiliária americana, com perdas de US$ 44 bilhões.
O segundo maior banco do país, o Credit Suisse, recebeu ajuda externa, do fundo soberano do Qatar.
Apesar do inédito socorro, a maioria dos analistas não vê motivos para preocupação. "Não vejo risco de colapso nas grandes instituições, que têm um alto nível de capitalização", disse o economista Mauro Baranzini, da Universidade de Lugano. Ele explicou que o governo teve de intervir para evitar a instabilidade no sistema bancário e por uma questão de competitividade, uma vez que outros países já haviam ajudado seus bancos.
No caso da Suíça, a preocupação em salvar o sistema financeiro é de sobrevivência do Estado. Juntos, UBS e Credit Suisse administram cerca de US$ 3,2 trilhões -seis vezes o PIB (Produto Interno Bruto) suíço. Além disso, o setor financeiro é responsável por 10% da economia do país.
"Devemos a esta crise uma desconfortável revelação: o UBS e o Credit Suisse são grandes demais para a Suíça", escreveu o analista Roger de Weck na última edição da revista "Das Magazin". "Se eles quebrassem, um país florescente iria à falência."
Os banqueiros acham que o alarmismo é exagerado. "Não há crise sistêmica", disse à Folha James Nason, porta-voz da Associação de Banqueiros Suíços. "Um banco enfrenta dificuldades passageiras, mas há outros 330 sem nenhum problema."
Além de arranhar a imagem de estabilidade dos bancos suíços, a crise renova a velha pressão internacional para que o país seja mais transparente. Na semana passada, aproveitando o clamor geral por mais rigor no sistema financeiro, a Alemanha propôs que a Suíça seja colocada na lista negra de paraísos fiscais da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico).
A alegação alemã, apoiada por outros 17 países, é que paraísos fiscais são "buracos negros" que estimulam a evasão fiscal e tornam os problemas econômicos ainda mais agudos. Para os bancos suíços, é promessa de uma dor de cabeça ainda maior do que a crise.


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