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Perdas bilionárias arranham a imagem de solidez de bancos suíços
Com a crise, nem o seguro e discreto sistema do país dá garantia a investidores
MARCELO NINIO
DE GENEBRA
Uma charge publicada há
poucos dias na primeira página
do jornal "Le Temps", o mais
influente de Genebra, ilustra o
desencanto dos suíços com
seus bancos. Uma dona-de-casa rechonchuda, segurando o
seu cofre-porquinho, é agraciada com o Prêmio Nobel de Economia: "À Sra. Brouchon, por
ter sabido guardar suas economias", diz o sisudo apresentador do prêmio.
Até há pouco tempo, ninguém imaginava que o lendário
sistema bancário suíço -de boa
e má famas por ser um porto seguro e discreto para o dinheiro
de toda parte do planeta- fosse
virar motivo de piada. Mas o
contágio dos dois maiores bancos do país pela crise americana espalhou o temor de que poderiam ser as próximas peças a
cair no instável dominó financeiro mundial.
O governo e os bancos negam
que o risco exista. A maioria
dos analistas concorda que o
sistema bancário da Suíça continua sendo um dos mais sólidos do mundo. Mas a imagem
de fortaleza monetária foi arranhada pelas perdas bilionárias.
E elas não pouparam quase
ninguém. Consultados pela Folha, dois operadores que administram bens de brasileiros na
Suíça estimaram que seus
clientes tiveram perdas entre
10% e 15% dos investimentos.
Mesmo quem não havia aplicado em derivativos ligados ao
"subprime" americano, explica
um deles, foi atingido pelas
quedas gerais nos mercados.
Especialistas calculam que
pode haver até US$ 250 bilhões
em recursos brasileiros depositados ilegalmente lá fora, boa
parte na Suíça. É o equivalente
ao total de reservas do país.
A desconfiança em relação
aos grandes bancos deu início a
uma fuga de depósitos. O UBS
(União de Bancos Suíços),
maior banco europeu, estimou
o volume de retiradas de seus
cofres em US$ 70 bilhões.
Não houve longas filas nos
caixas para testemunhar a sangria -hoje a maioria das operações é feita pela Internet-, mas
os bancos menores da Suíça,
como os cantonais (estaduais)
registraram súbito aumento no
número de depósitos.
Para restaurar a confiança, o
governo decidiu agir. Anunciou
um plano de resgate de US$ 60
bilhões, que teve como alvo
principal o gigante UBS, maior
administrador de fortunas do
mundo e a principal vítima européia do estouro da bolha
imobiliária americana, com
perdas de US$ 44 bilhões.
O segundo maior banco do
país, o Credit Suisse, recebeu
ajuda externa, do fundo soberano do Qatar.
Apesar do inédito socorro, a
maioria dos analistas não vê
motivos para preocupação.
"Não vejo risco de colapso nas
grandes instituições, que têm
um alto nível de capitalização",
disse o economista Mauro Baranzini, da Universidade de Lugano. Ele explicou que o governo teve de intervir para evitar a
instabilidade no sistema bancário e por uma questão de
competitividade, uma vez que
outros países já haviam ajudado seus bancos.
No caso da Suíça, a preocupação em salvar o sistema financeiro é de sobrevivência do Estado. Juntos, UBS e Credit
Suisse administram cerca de
US$ 3,2 trilhões -seis vezes o
PIB (Produto Interno Bruto)
suíço. Além disso, o setor financeiro é responsável por 10% da
economia do país.
"Devemos a esta crise uma
desconfortável revelação: o
UBS e o Credit Suisse são grandes demais para a Suíça", escreveu o analista Roger de Weck
na última edição da revista
"Das Magazin". "Se eles quebrassem, um país florescente
iria à falência."
Os banqueiros acham que o
alarmismo é exagerado. "Não
há crise sistêmica", disse à Folha James Nason, porta-voz da
Associação de Banqueiros Suíços. "Um banco enfrenta dificuldades passageiras, mas há
outros 330 sem nenhum problema."
Além de arranhar a imagem
de estabilidade dos bancos suíços, a crise renova a velha pressão internacional para que o
país seja mais transparente. Na
semana passada, aproveitando
o clamor geral por mais rigor
no sistema financeiro, a Alemanha propôs que a Suíça seja colocada na lista negra de paraísos fiscais da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico).
A alegação alemã, apoiada
por outros 17 países, é que paraísos fiscais são "buracos negros" que estimulam a evasão
fiscal e tornam os problemas
econômicos ainda mais agudos.
Para os bancos suíços, é promessa de uma dor de cabeça
ainda maior do que a crise.
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