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CÂMBIO
Ajustes no mercado internacional de moedas terão mais força do que as ações do governo brasileiro frente ao dólar
Real depende mais de fatores externos
ÉRICA FRAGA
DE LONDRES
O futuro do real depende muito
mais dos desdobramentos dos
fortes ajustes que ocorrem, atualmente, na economia mundial do
que de ações específicas do governo brasileiro, como o recente
anúncio de compra de reservas.
É consenso entre economistas
que o dólar terá de continuar passando por uma correção significativa, a fim de que os EUA consigam amenizar o problema do seu
enorme déficit em conta corrente.
A dúvida é sobre a velocidade desse realinhamento e como se dará a
combinação disso com o ritmo de
crescimento da economia global.
"Sem dúvida, o processo de desvalorização do dólar continuará.
Esse é um ajuste necessário, fundamental para a economia mundial no longo prazo", diz Binit Patel, economista do Goldman
Sachs, em Londres.
Diferentes possíveis cenários
traçados por economistas revelam, no entanto, que as conseqüências desses ajustes globais
para o Brasil são incertas e podem
passar tanto pela continuidade na
tendência de valorização da moeda como por um movimento
oposto de depreciação. Não por
acaso, as projeções para a cotação
do dólar no médio prazo variam
de R$ 2,5 a R$ 3,1.
Em relatório divulgado ontem,
a consultoria Business Monitor
International prevê que a decisão
do governo de comprar até US$ 3
bilhões no mercado deve amenizar o atual movimento de valorização no curto prazo, mas não revertê-lo. Ao contrário, ela estima
que a cotação se fortaleça ainda
mais e chegue a R$ 2,5.
Por trás do cenário dos que
vêem espaço para mais valorização do real, está a expectativa de
que o dólar siga se desvalorizando
de forma gradual em relação a todas as moedas e que, ao mesmo
tempo, o crescimento mundial
não sofra um forte revés. Também está previsto nesse cenário
que o Federal Reserve (banco central norte-americano) não tenha
de elevar de forma mais agressiva
os juros para manter a atratividade do país aos olhos de investidores externos receosos com os déficits fiscal e em conta corrente.
"Num contexto em que o Fed
não tenha que fazer um aperto
mais agressivo dos juros, a tendência é que o processo de apreciação das moedas, incluindo as
latino-americanas, frente ao dólar
continue", diz Neil Dougal, chefe
do departamento de pesquisa em
América Latina do Dresdner, em
Londres. Nesse contexto de juros
ainda baixos nos EUA e crescimento global com boas perspectivas, investidores tenderiam a continuar favoráveis a risco e em busca de altas taxas de retorno.
Como os juros no Brasil são
muito altos para padrões mundiais e devem subir ainda mais,
segundo analistas, a economia
oferece um retorno elevado,
atraindo investidores. A entrada
de dólares no país faria o real seguir se apreciando frente ao dólar.
Mudanças na Ásia
Jonh Bowler, diretor da EIU
(Economist Intelligence Unit), cita outra possível razão para a continuidade da alta do real: um ajuste de câmbio na China.
O custo do recente processo de
ajuste do dólar tem prejudicado
os países europeus, que perdem
exportações. As economias asiáticas, por outro lado, conseguem
sustentar a competitividade de
seus produtos com intervenções
no câmbio que mantêm suas
moedas desvalorizadas.
No entanto, analistas vêem duas
razões para que os governos da
Ásia promovam mudanças: a forte pressão internacional que sofrem para isso e o fato de que a insistência na política de moedas
fracas também traz conseqüências negativas, como a perda de
valor das enormes reservas que
são obrigados a manter para garantir a estabilidade cambial.
Os mercados futuros já refletem
uma expectativa de que a China
promova uma valorização de sua
moeda nos próximos meses. A
tendência, nesse caso, é que outras moedas asiáticas tenham de
acompanhar o país. Se isso ocorrer de forma ordenada, sem estrago ao crescimento dessas economias, as importações asiáticas
tenderiam a aumentar. Isso ajudaria a reforçar o movimento de
valorização do real, diz Bowler.
Mas há outra linha de argumentação: a de que ocorrerá uma desaceleração mundial-ainda que
sem recessão- em 2005 e que o
Fed terá de fazer novos aumentos
na taxa de juros para manter a
atratividade dos investimentos no
país, garantindo o financiamento
do déficit em conta corrente. Isso
seria suficiente para reduzir o
apetite global por risco e levar a
uma mudança nos fluxos de capitais, com recursos saindo de ativos de países emergentes, como o
Brasil, para os EUA.
Como o Brasil ainda precisa de
vasta quantidade de recursos externos para manter o pagamento
de suas obrigações externas, o
câmbio, nesse contexto, teria de
se desvalorizar para que as exportações seguissem crescendo e garantindo a entrada de dólares.
Esse é o argumento apresentado
em relatório recente do Goldman
Sachs para apoiar sua estimativa
de que o dólar atingirá R$ 3,10, em
seis meses, e R$ 3,20, em um ano.
Um risco apontado por Bowler
é que esse processo seja desordenado. Isso poderá acontecer, por
exemplo, se houver uma significativa fuga de investidores dos títulos norte-americanos. Isso exigiria ajustes ainda mais agressivos
dos juros nos EUA para manter a
economia atraente para esses investidores, o que poderia causar
uma corrida contra os emergentes, provocando uma desvalorização mais forte de suas moedas.
Com todas essas possibilidades,
é improvável que o anúncio de
compra de dólares do governo
brasileiro reverta a tendência do
real. No entanto, a medida foi
bem recebida por analistas que a
vêem como um sinal de que o governo mostra a intenção de aproveitar o momento para reduzir
sua vulnerabilidade externa.
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