São Paulo, sexta-feira, 26 de novembro de 2004

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CÂMBIO

Ajustes no mercado internacional de moedas terão mais força do que as ações do governo brasileiro frente ao dólar

Real depende mais de fatores externos

ÉRICA FRAGA
DE LONDRES

O futuro do real depende muito mais dos desdobramentos dos fortes ajustes que ocorrem, atualmente, na economia mundial do que de ações específicas do governo brasileiro, como o recente anúncio de compra de reservas.
É consenso entre economistas que o dólar terá de continuar passando por uma correção significativa, a fim de que os EUA consigam amenizar o problema do seu enorme déficit em conta corrente. A dúvida é sobre a velocidade desse realinhamento e como se dará a combinação disso com o ritmo de crescimento da economia global.
"Sem dúvida, o processo de desvalorização do dólar continuará. Esse é um ajuste necessário, fundamental para a economia mundial no longo prazo", diz Binit Patel, economista do Goldman Sachs, em Londres.
Diferentes possíveis cenários traçados por economistas revelam, no entanto, que as conseqüências desses ajustes globais para o Brasil são incertas e podem passar tanto pela continuidade na tendência de valorização da moeda como por um movimento oposto de depreciação. Não por acaso, as projeções para a cotação do dólar no médio prazo variam de R$ 2,5 a R$ 3,1.
Em relatório divulgado ontem, a consultoria Business Monitor International prevê que a decisão do governo de comprar até US$ 3 bilhões no mercado deve amenizar o atual movimento de valorização no curto prazo, mas não revertê-lo. Ao contrário, ela estima que a cotação se fortaleça ainda mais e chegue a R$ 2,5.
Por trás do cenário dos que vêem espaço para mais valorização do real, está a expectativa de que o dólar siga se desvalorizando de forma gradual em relação a todas as moedas e que, ao mesmo tempo, o crescimento mundial não sofra um forte revés. Também está previsto nesse cenário que o Federal Reserve (banco central norte-americano) não tenha de elevar de forma mais agressiva os juros para manter a atratividade do país aos olhos de investidores externos receosos com os déficits fiscal e em conta corrente.
"Num contexto em que o Fed não tenha que fazer um aperto mais agressivo dos juros, a tendência é que o processo de apreciação das moedas, incluindo as latino-americanas, frente ao dólar continue", diz Neil Dougal, chefe do departamento de pesquisa em América Latina do Dresdner, em Londres. Nesse contexto de juros ainda baixos nos EUA e crescimento global com boas perspectivas, investidores tenderiam a continuar favoráveis a risco e em busca de altas taxas de retorno.
Como os juros no Brasil são muito altos para padrões mundiais e devem subir ainda mais, segundo analistas, a economia oferece um retorno elevado, atraindo investidores. A entrada de dólares no país faria o real seguir se apreciando frente ao dólar.

Mudanças na Ásia
Jonh Bowler, diretor da EIU (Economist Intelligence Unit), cita outra possível razão para a continuidade da alta do real: um ajuste de câmbio na China.
O custo do recente processo de ajuste do dólar tem prejudicado os países europeus, que perdem exportações. As economias asiáticas, por outro lado, conseguem sustentar a competitividade de seus produtos com intervenções no câmbio que mantêm suas moedas desvalorizadas.
No entanto, analistas vêem duas razões para que os governos da Ásia promovam mudanças: a forte pressão internacional que sofrem para isso e o fato de que a insistência na política de moedas fracas também traz conseqüências negativas, como a perda de valor das enormes reservas que são obrigados a manter para garantir a estabilidade cambial.
Os mercados futuros já refletem uma expectativa de que a China promova uma valorização de sua moeda nos próximos meses. A tendência, nesse caso, é que outras moedas asiáticas tenham de acompanhar o país. Se isso ocorrer de forma ordenada, sem estrago ao crescimento dessas economias, as importações asiáticas tenderiam a aumentar. Isso ajudaria a reforçar o movimento de valorização do real, diz Bowler.
Mas há outra linha de argumentação: a de que ocorrerá uma desaceleração mundial-ainda que sem recessão- em 2005 e que o Fed terá de fazer novos aumentos na taxa de juros para manter a atratividade dos investimentos no país, garantindo o financiamento do déficit em conta corrente. Isso seria suficiente para reduzir o apetite global por risco e levar a uma mudança nos fluxos de capitais, com recursos saindo de ativos de países emergentes, como o Brasil, para os EUA.
Como o Brasil ainda precisa de vasta quantidade de recursos externos para manter o pagamento de suas obrigações externas, o câmbio, nesse contexto, teria de se desvalorizar para que as exportações seguissem crescendo e garantindo a entrada de dólares.
Esse é o argumento apresentado em relatório recente do Goldman Sachs para apoiar sua estimativa de que o dólar atingirá R$ 3,10, em seis meses, e R$ 3,20, em um ano.
Um risco apontado por Bowler é que esse processo seja desordenado. Isso poderá acontecer, por exemplo, se houver uma significativa fuga de investidores dos títulos norte-americanos. Isso exigiria ajustes ainda mais agressivos dos juros nos EUA para manter a economia atraente para esses investidores, o que poderia causar uma corrida contra os emergentes, provocando uma desvalorização mais forte de suas moedas.
Com todas essas possibilidades, é improvável que o anúncio de compra de dólares do governo brasileiro reverta a tendência do real. No entanto, a medida foi bem recebida por analistas que a vêem como um sinal de que o governo mostra a intenção de aproveitar o momento para reduzir sua vulnerabilidade externa.


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