São Paulo, domingo, 26 de novembro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Sem inércia, conter inflação fica mais fácil

Economistas vêem mudança estrutural nos preços e maior eficiência do BC, além de credibilidade da política econômica

Câmbio também tem ajudado no controle da inflação, com volatilidade mais baixa e preço menor de produtos importados

MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Controlar a inflação brasileira ficou mais fácil e "barato". A inércia -a inflação herdada do período anterior- já não assusta mais e o câmbio atormenta bem menos do que no passado recente.
Não menos importante, dizem economistas, a política monetária ganhou credibilidade: as pessoas confiam que o Banco Central, chefiado por Henrique Meirelles, fará o necessário para que os preços não subam descontroladamente.
"A dinâmica inflacionária hoje é menos dependente da inflação passada e mais dependente das sinalizações do BC", diz Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor de Política Monetária do BC, hoje sócio da Mauá Investimentos.
Guilherme Maia, da consultoria Tendências, argumenta que o processo inflacionário no Brasil passa hoje pelo que ele chama de "mudança estrutural". Primeira mudança importante: a queda significativa da inércia inflacionária.
Maia estima que pouco menos da metade da alta dos preços livres no ano de 2004 era explicada pela inércia, ou seja, a inflação herdada do ano anterior. Em 2005, a inércia ainda explicava mais de um terço da elevação de preços livres.
Neste ano, estima o economista da Tendências, a inflação herdada de 2005 só explica 24% da alta dos preços livres, que, nas contas dele, subirão apenas 2,5%. "O governo quebrou a espinha dorsal da inércia", diz Fábio Kanczuk, economista da USP (Universidade de São Paulo).
À menor inércia há que se somar o câmbio bem comportado. Menor volatilidade da taxa de câmbio também leva a menos reajustes de insumos e produtos finais importados. Na prática, o câmbio tem se valorizado, o que torna esses produtos mais baratos, ajudando no controle da inflação.
Não é apenas por meio de menores repasses de preços que o câmbio tem ajudado. Carlos Langoni, economista do Centro de Economia Mundial da FGV, lembra que a economia brasileira está hoje muito mais sujeita à concorrência externa, o que também exerce pressão de baixa sobre os preços internos.
Langoni lembra que o coeficiente da abertura brasileiro, medido pela soma das compras e vendas externas em relação ao tamanho da economia, girava, historicamente, em torno de 15%.
"Hoje está em 30%", ressalta. Figueiredo concorda: "A inflação é limitada também pelo menor poder de mercado dos produtores domésticos, devido ao contínuo e relativamente acelerado processo de aumento das importações."

Credibilidade
Não menos importante para "civilizar" a inflação brasileira, argumentam os especialistas em política monetária, é a credibilidade alcançada pelo Banco Central. "Resultados teóricos e empíricos para outras economias mostram, por exemplo, que ganhos de credibilidade significam menos custos para alcançar a meta inflacionária", diz Alkimar Moura, da FGV-SP.
"Uma mudança fundamental foi a alteração das expectativas inflacionárias, principalmente por conta da autonomia funcional do Banco Central", diz Langoni. O raciocínio por trás do papel da credibilidade associada à política monetária não é difícil. Uma série de contratos e preços é reajustada, em uma economia, de acordo com a expectativa que as pessoas têm a respeito da inflação futura. Quanto maior a crença em que há um compromisso em combater e controlar a alta de preço, mais as expectativas ficaram ancoradas à meta estabelecida pelo governo, o que acaba facilitando o trabalho do BC.
"Essa reversão das expectativas inflacionárias é algo inédito na história econômica brasileira", conclui Langoni, que diz acreditar que um ganho ainda maior de credibilidade seria assegurado com a independência formal do Banco Central.
Todos concordam que a inércia reduzida, o câmbio tranqüilo e as expectativas ancoradas facilitam o trabalho do BC, mas ninguém diz que manejar a política monetária tornou-se fácil, pelo contrário.

Juros neutros
A maior parte dos economistas concorda também que a taxa de juros no Brasil está relativamente próxima ao que acadêmicos e banqueiros centrais chamam de juro neutro, ou de equilíbrio.
Explique-se: seria aquela taxa que permite que a economia cresça a sua plena capacidade e não mais que isso, e que, portanto, não causa inflação.
As estimativas, para o Brasil, são as de que essa taxa gire em torno de 8% em termos reais. A taxa básica de juros está hoje em 13,75%. Como a inflação prevista para o próximo ano gira em torno de 4%, a taxa real está, grosso modo, em 9,7%.
Ou seja, há espaço para queda, algo com o que todos também concordam.
Mas ninguém sabe qual o limite. Os modelos, admitem os economistas, não são uma panacéia. Nem aqui nem nos demais países.
Na década passada, ninguém menos que Alan Greenspan, o então presidente do Federal Reserve, teve que desafiar os modelos que associavam a taxa neutra a uma determinada taxa de desemprego. Baixar o desemprego para níveis abaixo de 5%, mostravam as regressões econométricas para os EUA, traria inflação. Greenspan achava que ganhos de produtividade haviam mudado a relação, e acertou. Baixou os juros, e a inflação não apareceu.
Quais os problemas com os modelos brasileiros? "Nós fazemos os melhores modelos possíveis, mas há sempre uma incerteza estatística", diz Kanczuk. Podem faltar dados, séries históricas, lembra o economista. Outro problema: os modelos também podem ser "pessimistas", como argumenta Maia.
Para fazer uma estimativa, um modelo usa a história passada. Se algo muito extraordinário ocorre, de forma a mudar o padrão com que os dados se comportam, as estimativas podem não ser realistas. Dito de outra forma: o modelo pode descrever uma economia que não existe mais porque os únicos dados disponíveis são os que a descreviam bem.
De qualquer forma, a única saída, diz a maior parte dos economistas, é o gradualismo. "O BC deve ir testando gradualmente taxas mais baixas e descobrir no tato, por tentativa e erro", conclui Figueiredo.


Texto Anterior: Entrega da Dirf fora do prazo tem multa
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.