São Paulo, quarta-feira, 26 de novembro de 2008

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ANÁLISE

Finalmente um ataque à raiz da crise

FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Mais de 5,6 milhões de famílias já perderam suas casas nos EUA desde o início de 2006. Mas só agora o governo norte-americano apresenta um programa com dinheiro grosso para tentar estancar o problema, que está na base da atual crise financeira mundial.
Ao destinar US$ 600 bilhões do novo pacote de socorro de US$ 800 bilhões para o setor imobiliário, o Fed e o Tesouro dos EUA têm um duplo objetivo: estancar os despejos de mutuários que não estão conseguindo pagar pelos seus imóveis e tentar conter uma queda que parece sem fim nos preços das residências nos EUA.
No último trimestre terminado em setembro, os preços dos imóveis nos EUA caíram mais 16,6% (já tinham perdido 15,1% do valor no trimestre anterior). Hoje, já roçam um patamar anterior a 2004.
Já o ritmo atual de despejos pode levar, em pouco mais de um ano e meio, quase 14% da população norte-americana a perder o teto (considerando a proporção de quatro habitantes por domicílio). Isso em um cenário já negativo, de aumento do desemprego e de queda na renda e no consumo.
O ritmo de despejos no país passou de 1,2 milhão em 2006 para 2,2 milhões no ano passado. Em dez meses de 2008, o volume já é maior ao de todo o ano passado inteiro.
Entre os Estados mais afetados, estão Califórnia, Flórida, Arizona e Nevada. Eles concentram grande número de imigrantes e americanos que adquiriram imóveis antes de a "bolha" imobiliária explodir.
A injeção de US$ 600 bilhões servirá tanto para que as empresas do setor tenham fôlego para renegociar dívidas de mutuários inadimplentes quanto dinheiro novo em caixa para comercializar os imóveis que ficaram vazios com os despejos.
Essa grande oferta de imóveis realimenta a crise: como muitos mutuários têm dívidas hoje superiores aos preços de mercado de suas casas (que não param de cair), eles simplesmente deixam de pagar as prestações.
Ao serem despejados, acabam indo morar de aluguel, normalmente no mesmo bairro, pagando até a metade do valor da prestação, impostos e taxas que bancavam antes.
O problema é que eram justamente essas prestações que estão deixando de ser pagas que remuneravam trilhões de dólares em títulos e papéis que foram vendidos a investidores ao redor do mundo.
Quanto mais mutuários deixam de pagar suas dívidas, mais "tóxicos" (sem valor) esses títulos se tornam. E mais rombos são abertos nos bancos.
No caso do socorro de anteontem ao Citigroup, mais de US$ 300 bilhões da carteira de US$ 2 trilhões do banco tiveram de ser garantidos pelo Tesouro norte-americano dada a sua "toxidade".

Transição
A ação do Fed é também um reconhecimento de que o seu principal "canhão" convencional, a redução da taxa de juro (hoje já em níveis negativos), não foi suficiente para reavivar o mercado de crédito imobiliário e incentivar outras pessoas a comprar os imóveis que ficaram disponíveis.
Para muitos interessados, esperar mais um tempo para fechar negócio mostra-se vantajoso, já que os preços ainda não encontraram um piso.
Desde antes de sua vitória, o presidente eleito dos EUA, Barack Obama, vinha insistindo na necessidade de um programa destinado diretamente a enfrentar a crise imobiliária.
A administração George W. Bush vinha preferindo outro caminho, como injetar dinheiro nos bancos em troca de participações acionárias.
Até ontem. O que pode ser uma demonstração de que uma transição conjunta entre as duas administrações começou.


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