São Paulo, domingo, 27 de janeiro de 2002

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CAIXA ALTA

Descontada a inflação, o aumento de receita com títulos públicos foi de 56,5% desde o início do Plano Real

Bancos ampliam lucros com dívida pública

ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL

A explosão no endividamento do governo federal brasileiro tem sido uma fonte bastante rentável para os bancos. Desde 1994, ano de adoção do Plano Real, a receita das instituições financeiras com a compra de títulos da dívida pública interna triplicou, de R$ 13,6 bilhões para R$ 41,7 bilhões.
Descontada a inflação medida pelo IGP-DI, o aumento de receita que essas instituições tiveram financiando o governo, por meio dos investimentos em títulos públicos, foi de 56,5%.
Os dados levantados pela consultoria ABM Consulting, a pedido da Folha, se referem aos 20 bancos com as maiores carteiras de títulos públicos do país. Segundo analistas, o levantamento revela que os bancos descobriram um verdadeiro filão financiando o governo. A compra de títulos públicos tem sido um ótimo negócio tanto em termos de remuneração quanto de segurança.

Lucros frequentes
Os altos juros brasileiros, atualmente em 19% ao ano, garantem um retorno elevado aos compradores de títulos públicos. Isso porque 52,4% da dívida do governo federal em títulos no mercado (mobiliária) é corrigida pela variação da taxa básica de juros. Outros 22% da dívida são indexados à taxa de câmbio. Ou seja, sempre que os juros sobem ou o real se desvaloriza os compradores de títulos públicos lucram.
"Como a economia brasileira foi muito afetada com a volatilidade causada pelas crises que se sucederam nos últimos sete anos, os bancos só têm saído no lucro", disse o professor Fernando Cardim, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). "Por isso, o Brasil é o único país em que os bancos tiveram ganhos altíssimos com o abandono do câmbio fixo e a desvalorização."
Cardim lembra que a compra de títulos públicos também garante aos bancos uma proteção contra as fortes oscilações provocadas no mercado pelas crises financeiras. "Quem tem título público no Brasil dorme tranquilo", afirmou o professor da UFRJ.
Não é por acaso, portanto, que 41% da receita total dos bancos analisados venha, hoje, de investimentos em títulos da dívida mobiliária. No fim de 1994, ano em que o Plano Real foi adotado, esse percentual era de 22,5%.
De acordo com Alberto Borges Matias, professor da USP e sócio da ABM Consulting, esse dado revela uma dependência crescente dos bancos em relação ao governo federal. "Quase a metade da receita dos bancos vem atualmente de investimentos em títulos públicos", disse Matias. "Em parte, isso mostra que as taxas de juros no Brasil são mantidas altas para que os bancos continuem vivos."

Estabilidade
A emissão de títulos públicos remunerados por taxas de juros altas sempre foi um dos principais pilares do modelo de estabilidade econômica, adotado em julho de 1994. Como o real nasceu valorizado em relação ao dólar, o governo brasileiro passou a depender de recursos externos para compensar os déficits gerados na balança comercial.
Altas taxas de juros passaram a atrair investimentos estrangeiros para o Brasil. E a venda de títulos públicos começou a ser usada tanto para financiar o governo como para retirar do mercado o dinheiro que entrava no país, evitando uma volta da inflação.
"O governo se tornou prisioneiro da emissão de títulos para financiar seus déficits", afirmou o economista Otaviano Canuto, professor da USP.
Como os diversos choques de juros promovidos pelo governo durante as crises financeiras vêm afetando o país desde 1995, a dívida interna explodiu, aumentando de R$ 59,2 bilhões, em julho de 1994, para R$ 624 bilhões, em dezembro de 2001.



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