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ENTREVISTA
EMÍLIO ODEBRECHT
Lula nunca foi de esquerda e país vive seu melhor momento
Empresário baiano defende que sucessor do presidente seja um gestor e cita os nomes de José Serra e Dilma Rousseff; para ele, os Estados Unidos não devem entrar em recessão, mas, caso ela venha, "todos vão sofrer, inclusive o Brasil"
Caio Guatelli/Folha Imagem
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O empresário Emílio Odebrecht durante entrevista em restaurante em Salvador |
GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA
APESAR do pânico nos mercados na última segunda, o
empresário Emílio Odebrecht, 63, chega para a entrevista num restaurante de Salvador
vestindo blazer, sem gravata e sem sinal
de preocupação. "Não acredito em recessão nos EUA, mas, se vier, será problemático. Todos vão sofrer, inclusive o Brasil." Otimista, ele acha que o país vive hoje o melhor momento da história.
Uma das razões citadas é o fato de Lula,
seu conhecido desde 1992, ter mantido
a mesma linha dos governos anteriores,
o que não foi surpresa para ele. "Lula
nunca foi de esquerda." Para sucessor
do presidente, defende um gestor e citou os nomes de Dilma Rousseff e José
Serra. Ao final das mais de duas horas
de entrevista, ele se despediu e saiu do
restaurante dirigindo o próprio carro.
FOLHA - Qual é sua função hoje no
grupo?
EMÍLIO ODEBRECHT - Desde 2001,
quando fizemos uma mudança
organizacional no grupo e definimos o papel da família, eu estou concentrado no Conselho
de Administração [ele preside o
conselho]. A minha principal
função hoje tem sido a de ajudar a nova geração para que ela
efetivamente assuma o comando do grupo, sob todos os aspectos, seja operacionalmente,
seja empresarialmente, seja estrategicamente ou seja politicamente. Basicamente é essa
minha função hoje, além das
responsabilidades inerentes do
conselho, como as decisões de
novos investimentos, mas a minha atuação principal tem sido
a de dar a esses jovens as condições para eles exercerem o negócio na sua plenitude. Nos
próximos dois anos, todas as
decisões do grupo passarão a
ser tomadas por esses jovens.
FOLHA - O seu filho Marcelo, que já
está à frente da engenharia, irá assumir o comando do grupo?
ODEBRECHT - A sucessão já está
definida dentro do grupo. Nos
próximos cinco anos, não mais
do que isso, deve ocorrer a mudança final [Marcelo assumir o
comando do grupo]. Mas isso
só acontecerá no momento em
que eu e Pedro Novis [que hoje
é o comandante do grupo na
área operacional] acharmos
que Marcelo já reúne todas as
condições para isso. Enquanto
isso, Novis tem um acordo comigo de terminar de formar o
Marcelo. O Novis é um companheiro meu desde o início. Nós
temos 42 anos de convívio,
além de uma relação de amizade anterior a isso.
FOLHA - Depois de definido esse
passo, o que o sr. pretende fazer?
ODEBRECHT - Pretendo me dedicar à Kieppe [a holding que
controla a Odebrecht], que é a
nossa empresa familiar, aos
programas de investimentos na
fazenda, aos meus outros filhos, meus netos e ao meu negócio de criação de pacas. Nós
temos hoje o maior criatório de
pacas do Brasil. Eu gosto muito
de tudo o que é ligado à natureza, com fazenda, por exemplo.
Eu montei um programa de
criação de pacas e tenho me dedicado bastante a isso.
FOLHA - Por que o sr. fez essa opção
de se afastar do dia-a-dia do grupo?
ODEBRECHT - A melhor forma
que eu posso contribuir para a
organização é não estar atrapalhando internamente o seu dia-a-dia. Se eu ficar presente, se eu
começar a cobrar atividades, eu
vou atrapalhar a empresa. O
que eu tenho de cobrar são resultados. Os líderes de uma organização precisam se preocupar em contribuir para o país,
contribuir com as políticas públicas. Tenho procurado investir muito nisso. Tenho trabalhado muito no que precisamos
fazer para construir um país
melhor. Um país que cresça
e melhore qualitativamente
também vai ajudar a melhorar
as condições do nosso pessoal.
FOLHA - Hoje, o maior negócio do
grupo é a petroquímica?
ODEBRECHT - Do ponto de vista
de ativos físicos, ativos tangíveis, é a petroquímica. Ela ocupa mais espaço. A área de engenharia tem hoje mais de 50 mil
pessoas, 70% desse pessoal no
exterior. São mais de 35 mil
pessoas no exterior, e na área
petroquímica o total de funcionários não chega a 8.000. Agora, a petroquímica tem um patrimônio muito maior e fatura
o dobro da engenharia. Deve faturar cerca de R$ 15 bilhões
aproximadamente, e a área de
engenharia, uns R$ 7 bilhões.
FOLHA - E a terceira área de investimento da Odebrecht, o álcool?
ODEBRECHT - A área de álcool só
vai começar a ter faturamento
significativo dentro de três
anos.
FOLHA - Como foi a decisão de a
empresa partir para o exterior?
ODEBRECHT - Isso foi na época
do milagre econômico brasileiro, quando nós percebemos
que aquele crescimento brasileiro, diferentemente do de hoje, não era auto-sustentado. A
nossa preocupação era dar continuidade ao crescimento, dar
vazão a tudo o que tínhamos
construído. Foi isso que fez a
gente repensar na década de
70, precisamente em 74 e 75, a
nossa atuação e foi quando definimos os dois novos grandes
programas, o da internacionalização e o da verticalização dos
investimentos em outras áreas,
entre elas a petroquímica. Depois decidimos nos concentrar
na petroquímica.
FOLHA - No ano passado, o grupo
se incomodou com o avanço da Petrobras na área petroquímica. Chegou a se falar em ameaça de reestatização do setor, quando a Petrobras
comprou a Suzano Petroquímica.
Essa ameaça foi afastada definitivamente?
ODEBRECHT - Esses altos e baixos da Petrobras são fantásticos, mas isso faz parte. Eu diria
que houve um avanço significativo. A reestruturação do setor
é uma realidade com a definição dos pólos do Centro-Sul, do
Sul e do Norte, que está conosco. A Unipar com um e nós com
o outro, com a saída da Suzano.
A Petrobras é o mal necessário para nós, Braskem, porque
ela não nos acomoda. Vamos
buscar agora conquistar oportunidades no exterior com a
Petrobras. Estou buscando direcionar a energia da organização para isso. A energia da organização antes estava voltada
para conviver com essas idiossincrasias da Petrobras. Quando menos se esperava, a Petrobras vinha com a ameaça de
reestatização. Era contínuo.
FOLHA - A Petrobras não atende
uma vontade do governo com essas
ameaças de reestatização?
ODEBRECHT - Não, sempre foi
assim. Está inserido no DNA da
Petrobras.
FOLHA - Como o sr. enxerga este
momento do Brasil? O sr. disse que,
na época do milagre, diferentemente de hoje, o Brasil não viveu um ciclo de crescimento sustentado.
ODEBRECHT - Eu considero que,
hoje, vivemos realmente um ciclo de crescimento sustentado.
As bases, os fundamentos da
economia nos dão essa conscientização de que isso é uma
realidade. Lógico que há algumas preocupações, mas eu diria que estamos muito menos
vulneráveis externamente e internamente do que no passado.
Nós quebramos um tabu enorme, que era a chegada de um
presidente da esquerda e, mais
ainda, um líder dos trabalhadores, e esse tabu não existe mais.
O investidor estrangeiro
sempre perguntava como se
comportaria o Brasil com um
presidente com esse perfil de
esquerda, com essa ideologia, e
veja o que aconteceu. Foi a melhor coisa que poderia ter acontecido para o nosso país, sem
dúvida nenhuma.
O investidor estrangeiro viu
que os contratos foram preservados, que a linha ideológica, ao
contrário, é até mais rígida, em
determinados aspectos, do que
a dos anteriores. O Brasil tem
mais consistência e inspira outro nível de confiança ao investidor. Essa quebra de tabu tranqüilizou os investimentos, e o
que se viu é que esse governo
não tem nada de esquerda. O
presidente Lula não tem nada
de esquerda, nunca foi de esquerda.
FOLHA - Mas muitos empresários
temiam o Lula?
ODEBRECHT - O empresário muitas vezes pressupõe alguma
coisa sem nenhum grau de conhecimento. O sujeito não convive e fica pressupondo. Eu conheço Lula desde 1992, quando
tive o prazer de ser apresentado a ele pelo governador Mário
Covas. Ele via o presidente Lula
como um homem com potencial futuro e, como ele tinha
muito bom relacionamento conosco, acreditava muito na
gente, apreciava a nossa filosofia, ele achava que essa aproximação seria útil para os dois e
para o país. Foi Mário Covas
quem nos aproximou.
Foi uma relação extremamente gratificante porque eu
tenho certeza que aprendi muito, a organização aprendeu
muito, e ele e os companheiros
dele que tiveram a oportunidade de conviver conosco também aprenderam bastante, tenho certeza. O empresário não
tinha convivido com ele e por
isso tinha uma imagem errada
dele. Agora, ele não é "menino
amarelo" [expressão que significa ingênuo, inocente]. Ele sabe perfeitamente o que quer e a
estratégia para conseguir o que
quer. Muitas vezes ele aparenta
ser um pouco bobo, inocente,
mas o "menino amarelo" de
inocente não tem nada.
FOLHA - Lula é um pragmático?
ODEBRECHT - Sem dúvida nenhuma, e sabe conviver com
Deus e todo mundo, com gregos e troianos. Ele tem um senso crítico, uma intuição que
poucos têm. Agora, o sucessor
do Lula precisa ter um perfil de
gestor, mas que mantenha os
conceitos e os fundamentos de
hoje.
FOLHA - A ministra Dilma Rousseff
poderia ser esse nome?
ODEBRECHT - Pode ser, essa é
uma gestora. É o perfil dela.
FOLHA - E o governador de São
Paulo, José Serra?
ODEBRECHT - Serra é outro. São
pessoas que têm o viés de gestão muito forte. Nós estamos
precisando de um gestor público, que não é o caso desses todos que passaram pelo governo
até agora. Nenhum deles. O novo ocupante do cargo deve criar
as condições para o setor produtivo funcionar.
FOLHA - E Ciro Gomes?
ODEBRECHT - Não vejo. Vejo Ciro mais próximo de Serra e de
Dilma.
FOLHA - Qual o melhor governo?
Este ou o de Fernando Henrique Cardoso?
ODEBRECHT - São coisas diferentes. Eu diria até que são governos complementares. O atual
governo deu continuidade a
muitos programas do anterior.
FOLHA - Como o senhor vê esse terremoto que abalou o mercado financeiro?
ODEBRECHT - Estou muito confiante. Apesar desse tumulto
todo, eu não acredito, sinceramente, em recessão nos EUA,
principalmente em ano eleitoral. Recessão nos EUA seria um
negócio muito problemático.
Seria uma bola de neve que iria
atingir o mundo inteiro.
FOLHA - O Brasil sofrerá muito?
ODEBRECHT - Sofre, claro, mas
esses US$ 180 bilhões de reserva deixam o Brasil numa situação muito confortável. Além do
mais, o mercado consumidor
brasileiro é invejável. Não é por
acaso que todo esse pessoal de
fora vem para cá investir. Apesar de tudo o que ocorreu, o risco-país se mantém no mesmo
patamar, com pouca variação.
Eu não tenho receio. Agora,
contudo, não vamos ficar autoconfiantes e deixar as coisas
acontecerem.
FOLHA - A Odebrecht está revendo
algum plano de investimento em
razão da crise?
ODEBRECHT - Não, e não vejo nenhuma perspectiva de que isso
possa acontecer. Hoje, você toma decisões de longo prazo de
forma consciente e com muita
tranqüilidade, diferentemente
do passado. Mesmo na época
do milagre brasileiro, havia
abundância, nós crescemos
muito, mas tínhamos consciência de que teríamos um problema lá na frente. Hoje, não.
Veja esse problema do câmbio, da apreciação do real. O
empresariado critica esse problema, e acho até que o governo
tinha a obrigação, para determinados setores, como o setor
calçadista, de encontrar uma
saída, mas, para a maioria dos
setores, isso deveria ter sido
visto como uma oportunidade
para ir para fora, partir para novos investimentos no exterior.
Desde o início do governo Lula,
quando o câmbio começou a se
deprimir, a gente vivia batendo
nessa tecla. A minha conversa
com Jorge Gerdau [presidente
do conselho de administração
do grupo Gerdau] sobre isso foi
profunda.
FOLHA - Por que o empresário não
investe fora do Brasil?
ODEBRECHT - O empresário brasileiro é extremamente criativo
e competente, mas muito conservador. Não é de assumir riscos, e ir para o exterior é assumir riscos, principalmente
quando não se está preparado.
O nosso início no exterior foi
muito penoso. Hoje, a gente
trabalha no exterior como se
estivesse trabalhando aqui. Os
empresários, os executivos e as
empresas como um todo precisam romper esse ciclo psicológico. Foi isso que nós procuramos fazer. O nosso plano para a
petroquímica, por exemplo, definiu três grandes investimentos no exterior: Venezuela, Angola e Bolívia. São países problemáticos, mas as grandes
oportunidades estão aí.
FOLHA - Mas o sr. não tem receio
de enfrentar problemas lá na frente
nesses países? A Petrobras enfrenta
dificuldades na Bolívia.
ODEBRECHT - Não existe esse risco para o Brasil. Quem lê nos
jornais os problemas do Chávez com os Estados Unidos e
com o mundo, de um modo geral, sem dúvida nenhuma vai
achar que esse investimento
será um risco imenso, mas não
existe esse risco para o Brasil. A
Venezuela não é risco para o
Brasil. Nenhum país da América Latina tem condições de sobreviver a curto, médio e longo
prazos sem o Brasil. O Brasil é o
grande mercado consumidor
deles. O que a Petrobras precisa
é saber trabalhar nesses países.
FOLHA - Onde a Petrobras errou?
ODEBRECHT - A Petrobras é extremamente competente. A
competência talvez até os atrapalhe quando lidam com esses
países mais carentes. O problema é não se integrar na sociedade. Nós estamos e continuamos
trabalhando na Bolívia. Tivemos algum problema lá? Nenhum. Nós temos um programa de investimento na área de transporte que hoje é de mais
de R$ 300 milhões. Se você não
tiver a preocupação de se integrar àquela sociedade, compreender os seus problemas,
vai ter dificuldades. Também
na Venezuela não enfrentamos
nenhum problema. E nós estamos lá com um projeto de mais
de US$ 8 bilhões.
Você tem que se integrar ao
país, ajudar o país a resolver os
seus problemas. É a única forma de crescer com ele. Ele cresce e você também. A Petrobras
não faz isso. Veja só, na Odebrecht, cerca de 90% dos nossos colaboradores que trabalham fora do Brasil são locais.
Quando chegamos a Angola,
não havia carpinteiro, pedreiro,
motorista, não tinha nada. Nós
tivemos que formar esse pessoal, treinar esse pessoal. No
início, tínhamos mais brasileiros trabalhando em Angola,
mas hoje é só angolano.
FOLHA - A África é uma boa oportunidade de investimento?
ODEBRECHT - É, mas com uma
visão de longo prazo e com a
consciência de que você tem de
ajudar a construir o seu próprio
mercado consumidor. Hoje,
nós temos um faturamento em
Angola de mais de US$ 900 milhões em setores como diamante, mercado imobiliário, mineração, petróleo e outras áreas.
FOLHA - A indústria aproveitou esses tempos de bonança?
ODEBRECHT - Determinados
segmentos sofreram muito,
mas a grande maioria se saiu
bem, mas igual ao setor financeiro é difícil. Ganhar dinheiro
da forma que eles ganharam
nos últimos 30 anos é incrível, e
sem investir no setor produtivo. Eles investiram pouco no
setor produtivo. Tiraram todos
os ganhos provenientes do setor e não investiram. Não tiro o
mérito deles. Incompetentes
fomos nós e o governo.
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