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CRISE NOS MERCADOS/ FÓRUM DE DAVOS
FMI agora pede que países gastem mais
Fundo inverte clássica defesa de orçamentos equilibrados e sugere a governos relaxamento de políticas fiscais
Novo diretor-gerente
propõe medida onde haja
"espaço para isso'; pedido
indica "gravidade da crise",
diz ex-secretário dos EUA
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A DAVOS
O Fundo Monetário Internacional inverteu ontem radicalmente a sua clássica defesa de
orçamentos equilibrados e,
portanto, de uma política fiscal
rígida para defender o inverso
como parte da solução da crise
financeira global.
"Nos países em que há espaço
para isso, a política fiscal deve
ser relaxada", afirmou o novo
diretor-gerente do Fundo, o
francês Dominique Strauss-Khan, ao abrir debate sobre o
"Panorama Econômico 2008",
no encontro anual do Fórum
Econômico Mundial.
A seu lado, Lawrence Summers, ex-secretário norte-americano do Tesouro (durante o
governo Clinton), hoje professor da mitológica Harvard University, não perdeu a chance de
ironizar:
"É a primeira vez em 25 anos
que um diretor-gerente do FMI
pede um aumento do déficit fiscal".
Mas Summers também anotou o significado do pedido: "É
uma indicação da gravidade da
crise".
Gravidade, de resto, exposta
em tons próximos de apocalípticos por John Thain, executivo-chefe da Merrill Lynch, conglomerado financeiro que gerencia ativos de impressionante US$ 1 trilhão, mais ou menos
um Brasil.
O teorema negro traçado por
Thain é este:
1 - O valor dos imóveis nos
Estados Unidos (epicentro da
crise original) já caiu 7% em
2007 "e vai continuar a se deteriorar".
2 - Esse declínio se espalhará
pelo mundo.
3 - Já estão surgindo problemas no mercado de crédito, que
se estenderão ao mercado consumidor (citou especificamente cartões de crédito).
A inadimplência dos consumidores norte-americanos já
aumentou 40%.
4 - "Outra ordem de problemas virá do aumento do desemprego".
Conclusão inescapável: "Demorará para que se volte a algum tipo de normalidade".
Diga-se que Summers, um
acadêmico, concordou com a
visão de Thain, executivo do setor financeiro privado.
O próprio Strauss-Khan, no
comando da principal instituição financeira multilateral, antevê uma "severa desaceleração" nos Estados Unidos, situação que, segundo ele, já surgirá
claramente na primeira versão
do "Panorama Econômico
Mundial" que o FMI divulgará
nas próximas semanas.
Se há esse virtual consenso
sobre os problemas nos Estados Unidos, ele desaparece
quando se analisa a repercussão nos demais países. Mas a
teoria do "decoupling" (o descasamento entre os mercados
emergentes e os Estados Unidos) foi de novo fulminada, até
por Strauss-Khan, que, por sua
posição, tem naturalmente que
ser mais sereno:
"Não diria que os mercados
emergentes estão imunes à crise. Nas últimas semanas, aliás,
os mercados mostram que não
houve descasamento" (alusão
ao fato de que o sobe-e-desce
nas Bolsas foi parecido no
mundo rico e nos mercados
emergentes).
Para o diretor-gerente do
FMI, não há descasamento,
mas "vínculos mais complexos
que no passado" -e ainda não
suficientemente estudados.
À margem do debate, Alain
Belda, o brasileiro que preside a
Alcoa, disse à Folha: "O descasamento entra no departamento das esperanças dos subdesenvolvidos, não na vida real".
De todo modo, a propagação
da crise para os mercados
emergentes pode dar-se via
queda no preço das commodities, que afetaria especialmente o Brasil, grande exportador
desse tipo de mercadorias.
Mas a queda depende, por
sua vez, do que de fato acontecerá com a economia norte-americana, se mera desaceleração ou se recessão.
O ministro indiano de Finanças, Palaniappan Chidambaram, foi otimista sobre seu próprio país: crescerá de 8% a 8,5%, em linha com os resultados dos últimos anos.
Mas não se atreveu a fazer
previsões sobre os demais mercados emergentes.
Yoshimi Watanabe, ministro
para Assuntos Financeiros e
Reforma Administrativa do Japão, também foi relativamente
otimista, ao prever crescimento de 2% neste ano, quando há
inquietação entre os analistas
sobre a hipótese de o Japão recair em uma recessão feita em
casa.
Por fim, Christine Lagarde, a
ministra francesa de Finanças,
Economia e Emprego, disse
que "a competitividade da economia européia passará pelo
teste da realidade". Para que
possa vencê-lo, cobrou de
Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu, que desvalorize o euro e
reduza os juros (o euro forte
como está dificulta as exportações européias).
"Espero que Trichet seja
sensível aos apelos vindos não
só da França mas de toda a Europa para que pense também
no crescimento da economia e
não apenas no controle da inflação", disse a ministra.
Que passos devem ser dados
para enfrentar a crise, além de
abrir os cofres dos governos
que puderem fazê-lo?
Primeiro, sanear o sistema
financeiro. "Os bancos têm um
buraco e ele tem que ser fechado", diz, por exemplo, o japonês Watanabe.
Depois, a crise "só pode ser
enfrentada em termos globais.
Não há como fazê-lo em um só
país, ainda que esse país sejam
os Estados Unidos", diz
Strauss-Khan.
Terceiro, valorizar moedas
que estão claramente desvalorizadas, como é o caso da China. "Estamos preocupados com
a taxa chinesa de câmbio, que
torna nossas exportações menos competitivas", diz o indiano Chidambaram.
Reforça até Lagarde, cujo
país usa um euro valorizado:
"O euro não pode ser a única
peça no ajuste global de taxas
de câmbio".
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