São Paulo, terça-feira, 27 de janeiro de 2009

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Fóruns pedem "outro mundo", mas com fórmulas diferentes

Evento de Davos busca manter o lado virtuoso do capitalismo, e encontro de Belém atribui crise à competição pelo acúmulo de bens

Presença do Estado é consenso; mas, para Davos, se trata só de socorrer empresa privada; para Belém, recursos devem beneficiar área social

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A ZURIQUE

Inimigos aparentemente irreconciliáveis, os dois fóruns que começam nesta semana -o Social de Belém do Pará, hoje, e o Econômico, de Davos, amanhã- coincidirão neste ano em buscar "outro mundo possível", como pede o slogan tradicional dos fóruns sociais. De certa forma, o título da reunião da elite econômica e política que é o encontro de Davos copia o grito da turma de Belém: "Moldando o mundo pós-crise". Com um pouco de boa vontade, pode-se ler como buscando outro mundo possível.
Mas termina aí qualquer semelhança. O mundo que Belém busca é a antítese do de Davos, conforme se lê no artigo que Oded Grajew, principal idealizador dos fóruns sociais, publicou ontem nesta Folha. Diz ele que o fórum de Belém "será a oportunidade de perceber que o colapso financeiro, os conflitos armados e a degradação ambiental fazem parte de uma mesma crise de valores decorrente do modelo de desenvolvimento que privilegia a competição (...) pelo poder e pelo acúmulo de bens materiais".
Já o outro mundo que Davos debaterá pretende só "refundar o capitalismo", para usar expressão do presidente francês, Nicolas Sarkozy. Ou, escavando um pouco a superfície dos debates até agora travados entre governantes, trata-se de tentar manter o lado virtuoso do capitalismo, representado pelos cinco anos de crescimento intenso e inédito em todo o mundo, até a crise das "subprimes", sem permitir que ele seja atingido pelo fogo amigo de suas próprias aventuras financeiras, responsáveis pela crise.
Ou, se se preferir reduzir a dicotomia a duas palavras, trata-se de utopia x regulação.
Leia-se, por exemplo, o que disse ontem Gordon Brown, primeiro-ministro britânico e um dos 41 chefes de Estado/governo que estarão em Davos: "Precisamos criar uma moldura para governança internacional que no momento falta. Devemos considerar o déficit regulatório no nível global. O atual arranjo é inadequado".
O problema é que o próprio Brown afirma que faz dez anos que diz a mesma coisa -sem que nada tenha acontecido. Até a crise estourar e fazer com que surja outra coincidência entre Davos e Belém: há um razoável consenso no sentido de que o encontro nos Alpes deste ano marcará inflexão no sentido de um maior ativismo estatal.
"Nos anos recentes, foi o mundo corporativo que esteve na dianteira em Davos, com os governos tentando apenas alcançá-lo. Neste ano, acho que essa tendência será revertida", diz, por exemplo, Mark Spelman, da consultoria Accenture, tradicional presença em Davos.
Reforça até o criador do Fórum Econômico Mundial o professor suíço Klaus Schwab: "O pêndulo se moveu e o poder voltou aos governos".
É bem possível, no entanto, que essas opiniões sejam apenas expressões de uma generalizada angústia com a crise, ainda mais agora que o FMI vai reduzir sua previsão de crescimento mundial de 2,2% para 0,5%, segundo a agência britânica Reuters antecipou ontem.
De todo modo, o ativismo do Estado é concebido de maneira diferente pelos dois fóruns. Para o empresariado, trata-se só de o Estado socorrer a empresa privada, sem assumir o papel de gerente. Para Belém, o Estado deveria alocar seus recursos em benefício da área social.
A partir de amanhã, vai-se ver que as parcas semelhanças se tornarão diferenças colossais, maiores que a distância que separa as neves dos Alpes suíços do calor tropical da Amazônia brasileira.


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