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Fóruns pedem "outro mundo", mas com fórmulas diferentes
Evento de Davos busca manter o lado virtuoso do capitalismo, e
encontro de Belém atribui crise à competição pelo acúmulo de bens
Presença do Estado é
consenso; mas, para Davos, se trata só de socorrer empresa
privada; para Belém, recursos
devem beneficiar área social
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A ZURIQUE
Inimigos aparentemente irreconciliáveis, os dois fóruns
que começam nesta semana -o
Social de Belém do Pará, hoje, e
o Econômico, de Davos, amanhã- coincidirão neste ano em
buscar "outro mundo possível",
como pede o slogan tradicional
dos fóruns sociais. De certa forma, o título da reunião da elite
econômica e política que é o encontro de Davos copia o grito
da turma de Belém: "Moldando
o mundo pós-crise". Com um
pouco de boa vontade, pode-se
ler como buscando outro mundo possível.
Mas termina aí qualquer semelhança. O mundo que Belém
busca é a antítese do de Davos,
conforme se lê no artigo que
Oded Grajew, principal idealizador dos fóruns sociais, publicou ontem nesta Folha. Diz ele
que o fórum de Belém "será a
oportunidade de perceber que
o colapso financeiro, os conflitos armados e a degradação
ambiental fazem parte de uma
mesma crise de valores decorrente do modelo de desenvolvimento que privilegia a competição (...) pelo poder e pelo acúmulo de bens materiais".
Já o outro mundo que Davos
debaterá pretende só "refundar o capitalismo", para usar
expressão do presidente francês, Nicolas Sarkozy. Ou, escavando um pouco a superfície
dos debates até agora travados
entre governantes, trata-se de
tentar manter o lado virtuoso
do capitalismo, representado
pelos cinco anos de crescimento intenso e inédito em todo o
mundo, até a crise das "subprimes", sem permitir que ele seja
atingido pelo fogo amigo de
suas próprias aventuras financeiras, responsáveis pela crise.
Ou, se se preferir reduzir a
dicotomia a duas palavras, trata-se de utopia x regulação.
Leia-se, por exemplo, o que
disse ontem Gordon Brown,
primeiro-ministro britânico e
um dos 41 chefes de Estado/governo que estarão em Davos:
"Precisamos criar uma moldura para governança internacional que no momento falta. Devemos considerar o déficit regulatório no nível global. O
atual arranjo é inadequado".
O problema é que o próprio
Brown afirma que faz dez anos
que diz a mesma coisa -sem
que nada tenha acontecido. Até
a crise estourar e fazer com que
surja outra coincidência entre
Davos e Belém: há um razoável
consenso no sentido de que o
encontro nos Alpes deste ano
marcará inflexão no sentido de
um maior ativismo estatal.
"Nos anos recentes, foi o
mundo corporativo que esteve
na dianteira em Davos, com os
governos tentando apenas alcançá-lo. Neste ano, acho que
essa tendência será revertida",
diz, por exemplo, Mark Spelman, da consultoria Accenture,
tradicional presença em Davos.
Reforça até o criador do Fórum Econômico Mundial o
professor suíço Klaus Schwab:
"O pêndulo se moveu e o poder
voltou aos governos".
É bem possível, no entanto,
que essas opiniões sejam apenas expressões de uma generalizada angústia com a crise,
ainda mais agora que o FMI vai
reduzir sua previsão de crescimento mundial de 2,2% para
0,5%, segundo a agência britânica Reuters antecipou ontem.
De todo modo, o ativismo do
Estado é concebido de maneira
diferente pelos dois fóruns. Para o empresariado, trata-se só
de o Estado socorrer a empresa
privada, sem assumir o papel
de gerente. Para Belém, o Estado deveria alocar seus recursos
em benefício da área social.
A partir de amanhã, vai-se
ver que as parcas semelhanças
se tornarão diferenças colossais, maiores que a distância
que separa as neves dos Alpes
suíços do calor tropical da
Amazônia brasileira.
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