São Paulo, quinta, 27 de março de 1997.

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O consumidor e o freio nas importações

ALOYSIO BIONDI
O presidente Fernando Henrique Cardoso e sua equipe econômica sempre ridicularizaram quem previa que, com o "escancaramento" da economia, as importações iriam disparar e provocar um "rombo" na balança comercial.
Alguns de-formadores de opinião adesistas engrossaram esse coro e várias vezes atiraram pedras até contra a mestra Maria da Conceição Tavares, ironizando as previsões "catastrofistas" que ela fez sobre as consequências do Plano Real (os artigos foram divulgados nesta Folha, que prestaria um serviço ao país se os republicasse).
O governo FHC foi mais longe: utilizando um diretor do Banco Central, o excepcionalmente sorridente Gustavo Franco, como porta-voz, divulgou estudos e ensaios para "provar" que os "rombos" da balança comercial eram uma imensa vantagem para o país.
Agora, o "rombo" toma proporções incontroláveis -e o Planalto, acuado, tenta reduzir as importações, proibindo que elas sejam financiadas. Uma guinada, três anos depois.
O começo, apenas o começo de uma correção de rumos de uma pretensa política de "modernização" autoritariamente imposta ao país por meia dúzia de pretensos "sábios da Grécia".

A devastação - Para a sociedade brasileira, empresários e trabalhadores, classe média e povão, qual o saldo dessa política?
O escancaramento às importações, como esta coluna vem insistentemente alertando desde o começo de 1995, há 16 meses, devastou a economia porque ela não proporcionou a enxurrada apenas de produtos finais, como carros, eletrodomésticos, roupas, quinquilharias.
O "escancaramento" permitiu também a importação de peças, componentes e até matérias-primas, como metais, madeira, plásticos.
Assim, centenas de milhares de empresas fornecedoras viram seu mercado encolher. Milhões de trabalhadores perderam o emprego. Houve falências, às escâncaras, ou "quebradeira silenciosa", com o fechamento de empresas -ou sua compra por multinacionais. A agricultura também foi devastada, aumentando o número dos sem-terra -e a pressão crescente pela reforma agrária.
Salvo raríssimas exceções, esse desastre foi passivamente aceito pelas entidades empresariais, que têm pactuado com o otimismo fabricado do governo FHC.
Surge uma oportunidade para que essas lideranças abandonem seu comportamento capachildo e injetem uma discussão, com a sociedade, de outras diretrizes igualmente desastrosas da equipe FHC. É hora de rever a política de privatização a toque de caixa.
E o "caso dos precatórios" mostra a necessidade de apoiar a criação de uma CPI sobre todo o mercado financeiro, para investigar finalmente a conivência do Banco Central e do governo com fraudes que mais uma vez vêm à tona, como as remessas de dólares, a "lavagem de dinheiro", a sonegação.

E o consumidor?
A sociedade brasileira aceitou passivamente a política de "escancaramento" do mercado porque sofreu autêntica lavagem cerebral. Foi convencida de que os produtos brasileiros são mais caros e piores porque o empresário nacional é acomodado, só pensa em seus lucros e essa ladainha toda.
Assim manipulado, o consumidor vai reagir negativamente à decisão do governo de dificultar as importações. É preciso, agora, explicar-lhe as vantagens absurdas que a equipe FHC deu às importações, destruindo a produção nacional. Tarefa também para as entidades empresariais.
Massacre
Os produtos importados chegavam ao Brasil com a vantagem de ser pagos só depois de 180 ou 360 dias -e a juros de apenas 8% a 10% ao ano. Ao ano. Uma vantagem imbatível sobre os produtos brasileiros, financiados a juros de 4%, 5% ou 10% ao mês. Ao mês.
Devastação
O governo FHC também reduziu escandalosamente as tarifas sobre as importações, que todos os países utilizam para evitar a concorrência desleal de produtos do exterior.
O governo FHC apenas seguiu o resto do mundo? É mentira. A maioria dos produtos importados pelo Brasil hoje paga apenas 2% de tarifa. Essa "tarifa modal", ou predominante, é de 15% no Japão e de 20% na Coréia, isto é, 7,5 e dez vezes mais alta, para evitar a enxurrada de importações. O que está vigorando no Brasil é uma política de terra arrasada. De destruição da produção nacional.

Aloysio Biondi, 60, é jornalista econômico. Foi editor de Economia da Folha e diretor de Redação da revista ``Visão''. Escreve às quintas-feiras no caderno Dinheiro.

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