São Paulo, terça-feira, 27 de abril de 2004

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PROTECIONISMO

Ganho de causa em parte do recurso sobre comércio de algodão deve afetar discussão sobre todos os subsídios agrícolas

Brasil tem vitória na OMC contra os EUA

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA, EM BRUXELAS

A OMC (Organização Mundial do Comércio) deu ganho de causa ao Brasil, em vários itens, no seu recurso contra os subsídios ao algodão que os EUA concedem a seus produtores, em um julgamento que tende a afetar todo o colossal montante de subsídios agrícolas no mundo, avaliado em cerca de US$ 300 bilhões por ano.
Como o relatório é confidencial, só as autoridades dos dois países tiveram acesso ao texto.
"Estamos bastante satisfeitos", afirmou ontem o embaixador Clodoaldo Hugueney, responsável no Itamaraty pelas negociações no âmbito da OMC.
Os governos se comprometeram a não divulgar o documento.
A petição brasileira visava demonstrar que os subsídios à exportação e os pagamentos a produtores de algodão norte-americanos violam as leis internacionais de comércio, rebaixam os preços internacionais e afetam a fatia de mercado da produção brasileira.
De acordo com a queixa apresentada pelo Brasil à OMC, o prejuízo aos produtores do país, em conseqüência do esquema norte-americano, foi de algo em torno de US$ 480 milhões.
A documentação brasileira procura demonstrar pelo menos dois tipos de prejuízo:
1) Ao subsidiar seus produtores, o governo americano acaba provocando queda nos preços internacionais do produto, prejudicando, portanto, os demais produtores. De fato, o preço do algodão, só neste ano, caiu 15%. Há estudos que indicam que o fim do subsídios dos EUA faria com que os preços subissem ao menos 12%.
2) O subsídio provoca desvio de comércio, no jargão especializado. Ou seja, graças ao apoio a seus produtores, os Estados Unidos conseguem vender seu algodão no mercado, por exemplo, da União Européia, que, em tese, deveria ficar para outros produtores, entre eles o Brasil.
É evidente que esses argumentos servem para todo tipo de subsídio agrícola, não apenas para o algodão.
O Brasil usou dois tipos de argumentação em seu recurso. Primeiro, o fim da chamada "cláusula da paz", mecanismo pelo qual os países-membros da OMC concordaram em não provocar disputas com seus parceiros nessa área até 31 de dezembro passado.
Segundo, o Brasil alega que os Estados Unidos estão violando os limites de subsídios ao algodão a que se comprometeram na chamada Rodada Uruguai, a mais recente rodada de liberalização comercial, encerrada em 1993.
Se estivessem dentro dos limites, o Brasil ficaria limitado a um argumento, o do fim da "cláusula da paz".

Jurisprudência
Na prática, a decisão de ontem, claro que na dependência dos detalhes, acaba criando a primeira jurisprudência no comércio internacional sobre o uso dos subsídios agrícolas. Por extensão, tende a influir nas negociações da chamada Rodada Doha, lançada há três anos, mas estancada desde então principalmente por conta da negativa dos países ricos a mexer substancialmente nos subsídios internos e à exportação que concedem a seus produtores.
O Brasil nem é o maior prejudicado. No ano passado, quatro presidentes africanos (de Benin, Burkina Faso, Mali e Chade) tomaram a inédita atitude de comparecer à sede da OMC, em Genebra, para reivindicar o fim dos subsídios ao algodão, responsável pelo emprego de 15 milhões de africanos. Os países produtores de algodão na África perdem cerca de US$ 250 milhões ao ano, conforme estimativas do Bird (Banco Mundial).

Caso complexo
O relatório apresentado ontem pela OMC ao Brasil e aos EUA é provisório. Os dois países têm até 10 de maio para encaminhar ao órgão comentários sobre o documento, cuja versão final será divulgada em 18 de junho.
Apesar disso, Hugueney lembrou que a prática nos painéis da OMC é a de "não modificar a essência das conclusões do relatório preliminar no relatório definitivo". "Achamos que boa parte dos argumentos brasileiros será acolhida." Hugueney classificou o caso como "um dos mais longos e complexos da história da OMC". "O resultado preliminar reflete bem as preocupações brasileiras com esse caso", completou.


Colaborou a Sucursal de Brasília


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