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PROTECIONISMO
Ganho de causa em parte do recurso sobre comércio de algodão deve afetar discussão sobre todos os subsídios agrícolas
Brasil tem vitória na OMC contra os EUA
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA, EM BRUXELAS
A OMC (Organização Mundial
do Comércio) deu ganho de causa
ao Brasil, em vários itens, no seu
recurso contra os subsídios ao algodão que os EUA concedem a
seus produtores, em um julgamento que tende a afetar todo o
colossal montante de subsídios
agrícolas no mundo, avaliado em
cerca de US$ 300 bilhões por ano.
Como o relatório é confidencial,
só as autoridades dos dois países
tiveram acesso ao texto.
"Estamos bastante satisfeitos",
afirmou ontem o embaixador
Clodoaldo Hugueney, responsável no Itamaraty pelas negociações no âmbito da OMC.
Os governos se comprometeram a não divulgar o documento.
A petição brasileira visava demonstrar que os subsídios à exportação e os pagamentos a produtores de algodão norte-americanos violam as leis internacionais de comércio, rebaixam os
preços internacionais e afetam a
fatia de mercado da produção
brasileira.
De acordo com a queixa apresentada pelo Brasil à OMC, o prejuízo aos produtores do país, em
conseqüência do esquema norte-americano, foi de algo em torno
de US$ 480 milhões.
A documentação brasileira procura demonstrar pelo menos dois
tipos de prejuízo:
1) Ao subsidiar seus produtores,
o governo americano acaba provocando queda nos preços internacionais do produto, prejudicando, portanto, os demais produtores. De fato, o preço do algodão, só neste ano, caiu 15%. Há estudos que indicam que o fim do
subsídios dos EUA faria com que
os preços subissem ao menos
12%.
2) O subsídio provoca desvio de
comércio, no jargão especializado. Ou seja, graças ao apoio a seus
produtores, os Estados Unidos
conseguem vender seu algodão
no mercado, por exemplo, da
União Européia, que, em tese, deveria ficar para outros produtores, entre eles o Brasil.
É evidente que esses argumentos servem para todo tipo de subsídio agrícola, não apenas para o
algodão.
O Brasil usou dois tipos de argumentação em seu recurso. Primeiro, o fim da chamada "cláusula da paz", mecanismo pelo qual
os países-membros da OMC concordaram em não provocar disputas com seus parceiros nessa
área até 31 de dezembro passado.
Segundo, o Brasil alega que os
Estados Unidos estão violando os
limites de subsídios ao algodão a
que se comprometeram na chamada Rodada Uruguai, a mais recente rodada de liberalização comercial, encerrada em 1993.
Se estivessem dentro dos limites, o Brasil ficaria limitado a um
argumento, o do fim da "cláusula
da paz".
Jurisprudência
Na prática, a decisão de ontem,
claro que na dependência dos detalhes, acaba criando a primeira
jurisprudência no comércio internacional sobre o uso dos subsídios agrícolas. Por extensão, tende a influir nas negociações da
chamada Rodada Doha, lançada
há três anos, mas estancada desde
então principalmente por conta
da negativa dos países ricos a mexer substancialmente nos subsídios internos e à exportação que
concedem a seus produtores.
O Brasil nem é o maior prejudicado. No ano passado, quatro
presidentes africanos (de Benin,
Burkina Faso, Mali e Chade) tomaram a inédita atitude de comparecer à sede da OMC, em Genebra, para reivindicar o fim dos
subsídios ao algodão, responsável
pelo emprego de 15 milhões de
africanos. Os países produtores
de algodão na África perdem cerca de US$ 250 milhões ao ano,
conforme estimativas do Bird
(Banco Mundial).
Caso complexo
O relatório apresentado ontem
pela OMC ao Brasil e aos EUA é
provisório. Os dois países têm até
10 de maio para encaminhar ao
órgão comentários sobre o documento, cuja versão final será divulgada em 18 de junho.
Apesar disso, Hugueney lembrou que a prática nos painéis da
OMC é a de "não modificar a essência das conclusões do relatório
preliminar no relatório definitivo". "Achamos que boa parte dos
argumentos brasileiros será acolhida." Hugueney classificou o caso como "um dos mais longos e
complexos da história da OMC".
"O resultado preliminar reflete
bem as preocupações brasileiras
com esse caso", completou.
Colaborou a Sucursal de Brasília
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