São Paulo, domingo, 27 de abril de 2008

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Crise agrícola gera oportunidade ao país

Brasil deve aproveitar momento para fazer acordos longos com importadores, obter investimento e avançar na industrialização

No entanto, ainda existem barreiras internas para aumentar participação no mercado de alimentos, como juros altos e impostos

MAURO ZAFALON
DA REDAÇÃO

A crise atual no setor de alimentos abre grandes oportunidades para o Brasil. Mas o país não pode pensar só em volume, como sempre ocorreu, mas em estratégias de produção e de comercialização mundial.
Seguramente o mundo não será mais o mesmo nas negociações internacionais após o forte desequilíbrio atual entre produção e consumo. E esse desequilíbrio, diferentemente do que se verificou em outras crises, não tem um peso preponderante das quebras de safras, mas de elevação de consumo. Os emergentes têm mais renda e comem mais e melhor.
Demanda por alimentos de um lado e biocombustíveis de outro levaram, aos poucos, os estoques mundiais para níveis perigosos neste momento.
Os EUA, por exemplo, líderes mundiais em produção de milho, mas que adotaram o produto como energia alternativa, chegam ao final do ano-safra 2008/9 com estoques suficientes para apenas mais 14 dias. O de soja será de apenas 34 dias.
Oferta aquecida, demanda apertada e estoques baixos foram o estopim para uma aceleração nos preços, incrementada ainda mais pelos fundos de investimentos, que também escolheram as commodities agrícolas para investir.
Com esse cenário, a menos que haja uma redução muito forte no ritmo da economia mundial, a demanda por alimentos vai continuar forte e, nos patamares atuais de produção, a reposição dos estoques demora alguns anos.
Países como Japão e China, grandes importadores de alimentos e com muito dinheiro em caixa, provavelmente vão pensar em abastecimento de produtos básicos com uma visão de mais longo prazo.

Alto custo
Aí entram as oportunidades do Brasil. O país elevou em muito a produtividade nos últimos anos, mas ainda patina no processo de produção devido a elevados custos e baixo poder financeiro dos produtores.
Governo, cooperativas e câmaras de comércio deveriam buscar acordos internacionais de longo prazo com esses países carentes em alimentos e torná-los responsáveis pela comida que consomem, do plantio à produção final.
O Japão, por exemplo, um dos grandes importadores mundiais de alimentos, empresta dinheiro a um juro próximo de 0,5% ao ano no mercado financeiro mundial. Com uma taxa semelhante, os agricultores brasileiros diminuiriam em muito os custos, elevariam a rentabilidade e estariam dispostos a investir ainda mais na agropecuária.
Os produtores brasileiros, de certa forma, já fazem vendas antecipadas às tradings, mas indiretamente acabam tendo, embutidas no produto vendido, taxas de até 8% de custos financeiros, descontados dos preços finais. Essa diferença de taxas significaria um grande ganho para o produtor.
Os contratos de produção com esses países poderiam contemplar, ainda, uma garantia de seguros de produção, um dos gargalos dos brasileiros no momento. Os contratos poderiam ser de longo prazo, de cinco a dez anos, o que garantiria abastecimento aos importadores e investimentos por aqui na produção. Quanto aos preços finais dos produtos, seriam ajustados conforme valores vigentes no mercado internacional de cada período.
Outra grande oportunidade para o Brasil neste momento é a agregação de valores. O Brasil deveria pensar em uma estratégia de longo prazo para elevar a industrialização, diminuindo as vendas externas de matérias-primas, com menor valor. Isso significa romper algumas barreiras impostas por muitos países importadores. E este é o melhor momento porque eles precisam de alimentos.

Mudanças tarifárias
Mas, para isso, o país precisa de mudanças tarifárias internas. A passagem de matérias-primas de um Estado para outro pode tornar a industrialização inviável devido à diferença de impostos interestaduais.
No caminho inverso, o adubo importado pode chegar a Mato Grosso sem pagar impostos, mas, se sair de misturadoras brasileiras, é tributado, elevando o custo.
O Brasil pode ser um dos principais fornecedores de alimentos e de biocombustíveis, principalmente por deter a maior disponibilidade de terras agricultáveis do mundo.
Com isso, o país poderia aprimorar acordos com países dependentes em alimentação ou empresas ligadas ao setor para desenvolver também a infra-estrutura, um dos gargalos para o setor de grãos.
Os investimentos feitos por esses países ou empresas garantiriam acesso a produtos de que necessitam.


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